sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Escândalo em templo católico expõe obra bilionária inacabada em Goiás, FSP

 Cleomar Almeida

TRINDADE (GO)

Suspeitas de superfaturamento da obra do novo Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, a 25 km de Goiânia, são investigadas pelo Ministério Público de Goiás e deixam fiéis aflitos sobre o destino das doações que fizeram para a construção. Orçado em R$ 100 milhões, o complexo religioso iniciado em 2012 cujas obras estão atrasadas deve ter custo final de R$ 1,4 bilhão.

A cidade, que completou cem anos na segunda-feira (31), tinha como principal atração as missas do padre Robson de Oliveira Pereira, alvo da Operação Vendilhões, deflagrada pela Promotoria em 21 de agosto. No mesmo dia, o pároco foi afastado do cargo de reitor do santuário e da presidência da Associação dos Filhos do Pai Eterno (Afipe), da qual é fundador e que também é investigada.

Ele é suspeito de desviar ao menos R$ 60 milhões de doações de fiéis que deveriam ser destinadas à construção de nova basílica.

religioso negou ter praticado atividade criminosa e disse que todo o dinheiro recebido por associações católicas fundadas e presidida por ele foi usado para a evangelização.

Comandada nos bastidores pelo padre, que está em liberdade, a obra foi iniciada em 2012 com a promessa de ser entregue aos fiéis em 2021 a fim de movimentar o crescente turismo religioso e a economia da cidade de 130 mil habitantes. Doações de devotos somaram R$ 4 milhões apenas no ano passado.

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A nova previsão, no entanto, é que fique pronta somente em 2026. Homens trabalham no local da construção, protegida por cercas de segurança e que tem acesso restrito a funcionários.Para verem a obra até o limite permitido, os fiéis precisam andar por uma estrada de terra próxima à entrada da cidade.

Imagens áreas produzidas pela Folha no local mostram que a construção está longe de ser concluída. Só tem as fundações do ossário e dos braços da cruz, nenhuma parede. Do alto, o canteiro de obras ganha uma dimensão ainda maior, com dezenas de colunas de concreto dispostas em uma área de chão batido e vigas de ferro expostas a céu aberto. Não há nenhum tijolo da obra principal da igreja.

Considerados a nova igreja, teatro, lojas, salas, estacionamentos para ônibus e carros e subsolo, a promessa é de entregar 146 mil m2 de construção do novo complexo religioso, que deve ter altura de 94 metros, o equivalente a um prédio de 30 andares.

O projeto também inclui o maior sino suspenso do mundo, com custo de R$ 6 milhões. Chamado de Vox Patris, em homenagem ao Divino Pai Eterno, o sino foi produzido, na Polônia com 78% de cobre e 22% de estanho, com imagens fundidas da história da cidade.

O custo do projeto ficou em cerca de R$ 10 mil/metro quadrado, 25% a mais do que o da Cidade Administrativa de Belo Horizonte, sede do governo de Minas Gerais, cuja obra levou a Polícia Federal a indiciar, neste ano, o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e outras 11 pessoas por superfaturamento.

No caso de Trindade, a Afipe mantém canais abertos para doações dos fiéis em seu site, com opção de débito em conta ou boleto. Desde o ano passado, a associação realiza a “Campanha do Cimento”, para os devotos apoiarem a instituição com contribuição extra, além da que já é paga todo mês. A promessa de que a verba seja destinada para a construção da nova Basílica do Divino Pai Eterno.

“O pior é a gente ficar na dúvida porque o padre Robson também estava usando nosso dinheiro para exploração de ouro. Quando a confiança é quebrada, dificilmente é recuperada”, afirma o artesão Marco Antônio da Silva, de 58 anos, que frequentava as missas do padre. O Ministério Público diz que, em 2013, o padre passou a investir em projetos que exploram possíveis jazidas de ouro e outros minérios em Goiás e as cifras totalizam R$ 1,3 milhão.

“Domingo vim aqui, na igreja, e senti um frio na barriga ao entregar minha oferta. A gente sabe que é para o Espírito Santo, mas antes passa pela mão humana”, disse a dona de casa Márcia Conceição do Nascimento, 48. “Estou bastante cismada, mas rezo para o Pai Eterno e peço Justiça."

A reportagem ligou para o telefone celular do engenheiro responsável pela obra do novo santuário de Trindade, Marcos Vinícius Martins Rezende, mas ele disse que só poderia dar informações com autorização da assessoria de imprensa da Afipe. A assessoria de imprensa e o padre não responderam aos pedidos de entrevista, seguindo ordem interna da igreja de barrar informações para a imprensa.

Nota encaminhada pela assessoria de imprensa dos advogados afirma que o padre André Ricardo de Melo, presidente da Afipe desde que Robson foi afastado, acaba de sair da quarentena por causa da Covid-19 e está tomando providências para que a associação "prossiga no cumprimento do seu maior e mais importante objetivo: evangelizar".

De acordo com a nota, Melo tem enviado mensagens de apoio aos colaboradores e conversado com assessores para iniciar uma profunda análise de tudo que ocorre na associação, inclusive arrecadação e aplicação dos recursos recebidos. Por decisão da Congregação do Santíssimo Redentor de Goiás, Robson continua impedido de participar de programas de TV, rádio e internet.

Hélio Schwartsman A vacina deve ser obrigatória?, FSP

 

Hoje vou dar razão parcial ao presidente Jair Bolsonaro. Vários comentaristas bateram forte nele por ter afirmado que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, referindo-se a um futuro imunizante contra a Covid-19. A frase tem dois problemas. Ela é materialmente falsa e epidemiologicamente inoportuna.

É inoportuna porque um presidente da República jamais deveria fazer declarações sobre saúde pública que não fossem no sentido de promover o comportamento mais recomendável, que, no caso, é o de vacinar-se. E é falsa porque a legislação, incluindo uma peça que o próprio Bolsonaro assinou alguns meses atrás, autoriza o Estado a determinar vacinações compulsórias. Aliás, o propósito mesmo de leis de emergência sanitária é limitar e até retirar direitos para combater epidemias.

Penso, porém, que o presidente tem razão ao não abraçar imediatamente a obrigatoriedade da imunização. O ponto é que vacinar um adulto supostamente competente contra sua vontade é uma violência, que só deve ser empregada em último caso, isto é, se for estritamente necessário para pôr um fim à epidemia.

E só saberemos se será necessário —e em qual dose— quando conhecermos mais sobre a vacina, particularmente sua eficácia em evitar infecções e as situações para as quais está contraindicada. Se ela for boa (apresentar alta eficiência e poucas reações adversas mesmo em populações sensíveis), nós não precisaremos vacinar mais do que 70% ou 80% para obter a imunidade de rebanho, hipótese em que não valeria a pena forçar ninguém a aceitar uma intervenção médica que não deseja. Vale lembrar que, pelo Datafolha, apenas 9% recusariam a vacina.

No mais, antes de mandar a polícia buscar antivaxxers em suas casas, existem medidas menos drásticas que podem revelar-se efetivas, como exigir um certificado de vacinação para frequentar certos lugares ou desempenhar determinadas atividades.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".