quarta-feira, 2 de setembro de 2020

'Comunista' em 2018, França agora justifica foto com Bolsonaro e busca eleitor de direita, FSP

 Joelmir Tavares

SÃO PAULO

Menos de dois anos separam o Márcio França que tentava se desvencilhar da pecha de comunista na campanha de 2018 do Márcio França de agora, que vive uma relação ambígua com Jair Bolsonaro e sonha também com o voto de direita na eleição municipal.

pré-candidato a prefeito de São Paulo pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) passou a ter que se justificar sobre a relação com o presidente (que está sem partido e, até aqui, sem favorito declarado na disputa paulistana) depois de ir ao encontro de Bolsonaro no início de agosto.

A foto dos dois juntos frustrou apoiadores à esquerda e acendeu o alerta tanto no partido de França quanto no PDT (Partido Democrático Trabalhista), principal legenda da coligação. Seu postulante a vice, Antonio Neto, vem da sigla do ex-presidenciável Ciro Gomes, incansável opositor de Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-governador Márcio França, pré-candidato a prefeito de São Paulo, durante encontro em São Vicente (SP).
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cumprimenta o pré-candidato a prefeito de São Paulo Márcio França (PSB), durante evento em São Vicente (SP) - Reprodução

Candidato derrotado por João Doria (PSDB) no segundo turno da corrida para governador, França recebeu do oponente a alcunha de "Márcio Cuba" (em referência à ilha socialista da América Central) como parte da estratégia do tucano para associar o adversário à esquerda e ao PT.

Elogios do rival ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram resgatados por Doria. Em 2009, quando era deputado federal, França também deu assinatura em apoio à proposta de emenda à Constituição que abria a possibilidade de Lula tentar um terceiro mandato na Presidência —o projeto acabou engavetado.

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Doria surfou na popularidade de Bolsonaro para pregar o voto "BolsoDoria" no estado e, com isso, derrotar o antigo aliado, por uma diferença de 4%.

França foi um dos artífices da campanha que elegeu Doria prefeito da capital em 2016. Tido como um político de perfil moderado e discurso conciliador, ele foi vice de Geraldo Alckmin (PSDB) e assumiu o governo paulista por nove meses em 2018, após Alckmin renunciar para disputar o Planalto.

Embora o aceno a Bolsonaro tenha ganhado materialidade com a foto que correu as redes sociais, França já vinha sinalizando uma postura pouco combativa em relação ao governo federal, apesar de fazer críticas esparsas e falar em divergências ideológicas com o presidente.

O tom foi adotado como uma tática para atrair a simpatia dos que votaram em Bolsonaro e veem em Doria um inimigo dele. Daí também o esforço para colar a imagem do governador na de Bruno Covas (PSDB), que herdou a prefeitura com a renúncia de Doria em 2018 e disputa a reeleição.

França esteve com Bolsonaro enquanto ele visitava a obra de uma ponte em São Vicente (SP), cidade que é reduto político do ex-governador. O titular do Planalto usou a ocasião para cutucar Doria, que vinha sendo cobrado a fazer a reforma, agora beneficiada com R$ 48 milhões do governo federal.

O potencial negativo da foto com Bolsonaro entre eleitores avessos ao presidente fez líderes do PSB e do PDT agirem nos bastidores para tentar neutralizar a crise. Setores do PDT chegaram a pressionar por uma reavaliação da parceria, tratada como ensaio de uma coalizão nacional para 2022.

O pré-candidato, então, correu para explicar que aproveitou a presença do presidente no estado para discutir a ajuda do Brasil a Beirute após a explosão na capital do Líbano. Disse que os antepassados de sua esposa, Lúcia, vieram do país e que algumas questões "transcendem as ideologias políticas".

Apesar dos esforços, ganhou corpo a versão de que França estava flertando com Bolsonaro, tese logo amplificada por adversários à esquerda na corrida municipal, como Orlando Silva (PC do B) e Guilherme Boulos (PSOL).

"Tem muito camaleão na política, mas tem gente exagerando", tuitou Orlando sobre o episódio. "Pra quem ainda queria acreditar que Márcio França é 'progressista', aí vai esse encontro amigável com o genocida", provocou Boulos ao postar a foto.

Em meio à crise, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, veio a público afirmar que o partido não toleraria postulante "vinculado ao bolsonarismo" e suspenderia pré-candidaturas nessa condição. A mensagem foi interpretada como uma indireta ao aliado, o que a sigla desmentiu.

Com a pressão crescente, dentro e fora da campanha, entrou em cena uma operação para apartar as figuras de França e Bolsonaro e dissipar o mal-estar.

O próprio pré-candidato divulgou um vídeo em tom de resposta. "Faz 40 anos [32, na verdade] que eu sou do mesmo partido e tenho as mesmas convicções. Já convivi com muitos prefeitos, governadores, presidentes, de vários partidos. E eu não sou agressivo com nenhum deles."

Páginas de apoio a França e a Ciro também passaram a contestar as críticas.

Postulante a vereador pelo PDT e um dos principais interlocutores da direção nacional do partido no estado, Gabriel Cassiano foi às redes falar que o encontro se limitou a um compromisso entre "um chefe de Estado em visita oficial" e um "político que é referência da região".

Lupi e Ciro também se pronunciaram para endossar a aliança e transmitir uma mensagem de unidade. O presidente do PDT disse que "ataques desonestos e cascas de banana" não vão minar a candidatura.

No PSB, uma das manifestações em defesa do filiado veio do ex-deputado federal Beto Albuquerque. Durante uma live com Lupi e Cassiano, ele responsabilizou Doria —que não fez comentários sobre o assunto— pelas mensagens que associam França a Bolsonaro.

"Conheço bem o Márcio. E não adianta o Doria ficar criando essas fake news", disse Albuquerque, que é um dos vice-presidentes do PSB e acusou o tucano de "tentar estressar" as relações da sigla com o PDT.

"Isso aí já é o anúncio das fake news do Doria, que tá se borrando todo", continuou. Lupi o interrompeu: "Ele tá com medo do Márcio ganhar!".

Questionada, a assessoria de Doria disse que ele está focado no enfrentamento da pandemia de Covid-19 e "lamenta que líderes de partidos derrotados na disputa estadual de 2018 tentem envolver o nome dele em factoides eleitoreiros".

Nos últimos dias, coube ao provável vice de França vocalizar ataques a Bolsonaro. À coluna Painel, da FolhaNeto disse na semana passada que o presidente é "um déspota ignorante".

Na quarta-feira (26), ao discursar no ato em que o Avante anunciou apoio à sua campanha, França fez duras críticas ao trabalho dos governantes locais do PSDB na pandemia e poupou Bolsonaro.

"Reclamam do governo federal, mas os R$ 600 [de auxílio emergencial] saíram lá do governo federal. Vamos fazer a crítica que a gente tiver que fazer, mas cadê a parte do governo do estado?", afirmou.​

O ex-governador já havia antecipado a narrativa para fisgar o voto anti-Doria em entrevista à Folha em julho, quando evitou ataques à postura de Bolsonaro diante do novo coronavírus e priorizou opiniões negativas sobre a dupla "BrunoDoria", como gosta de dizer.

Em 2018, França disse se recusar a "pegar carona na popularidade" de Bolsonaro, como fazia Doria, para vencer o pleito. Ele, no entanto, recebeu no segundo turno o apoio de uma ala do PSL (à época, partido do presidente) ligada ao senador Major Olímpio (SP) e de outros líderes declaradamente bolsonaristas.

Correligionários chegaram a espalhar adesivos com o mote "BolsoFrança" e fotos de ambos.

Bolsonaro tem evitado até agora manifestar preferência por candidaturas, mas não descarta subir em palanques no segundo turno das eleições municipais. Segundo correligionários, em um eventual embate entre Covas e França, ele poderia defender voto útil no nome do PSB para prejudicar o grupo de Doria.

"Não sei se ele apoiará o França. Sei que ele não apoiará o Covas aqui em São Paulo", afirma o deputado estadual Gil Diniz (PSL), um dos porta-vozes do bolsonarismo no estado. "Entre França e Covas, não voto no Covas de maneira nenhuma", completa ele, dizendo que não aperta 45 "nem no microondas".

Procurado pela Folha, França minimizou a controvérsia, repetiu ser fiel às suas convicções e atacou Doria.

"É preciso respeitar adversários competentes em comunicação. Doria é um deles. Na eleição passada, falavam que eu era o Márcio Cuba e Lula; agora querem dizer que sou Márcio Bolsonaro. Não sou nem um nem outro", disse, via assessoria.

"Os outros concorrentes, como Boulos e Orlando, fazem eco à estratégia do Doria. São inocentes úteis."

O ex-governador afirmou ainda que nunca havia falado com Bolsonaro até o encontro em São Vicente "para pedir ajuda no envio de mantimentos para Beirute".

"O presidente foi gentil e prestativo nesse assunto. Não sou do estilo 'cospe aqui que eu cuspo ali'. Respeito a democracia e não concordo em colocar minhas convicções ideológicas acima dos interesses públicos. Falo com Bolsonaro, com Doria, com Lula e com o [Donald] Trump se São Paulo precisar."

Questionado se aceitaria o apoio de Bolsonaro, França respondeu que, caso Doria e Covas continuem cometendo erros, "não será necessário o apoio de ninguém" porque não haverá segundo turno. "Vamos derrotá-los no primeiro turno", afirmou.

Colaborou Wálter Nunes, de São Paulo

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Gigantes do petróleo enfrentam o desafio da adaptação à economia verde, OESP (retomada verde)

 Fernanda Nunes e Denise Luna, O Estado de S. Paulo

01 de setembro de 2020 | 05h00

RIO - A adequação da matriz energética a uma economia de baixa emissão de carbono está na lista de prioridades das grandes petrolíferas do mundo todo. Mas empresas do setor adotam diferentes estratégias para fazer frente às mudanças climáticas. Algumas têm direcionado seus investimentos para a produção de fontes renováveis, enquanto outras para o desenvolvimento de tecnologias que minimizem os efeitos colaterais do petróleo e de seus derivados no meio ambiente.

Energia solar
Brasil é bom ‘palco’ para investimento em fontes renováveis, pois vem crescendo em energia solar e eólica. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Com a segunda matriz energética mais limpa do mundo, atrás apenas da Noruega, o Brasil é uma potência ambiental em fontes renováveis, já que extrai boa parte de sua energia dos rios, do vento e do sol, além da agricultura. No entanto, apesar de o País já ser referência, há espaço para melhora: as fontes fósseis ainda respondem por 55% do consumo interno.

Entre as petrolíferas globais, que há um século dominam o mercado global de energia, o prazo de adequação a uma agenda de redução de emissão de gás carbônico é longa, variando de 2030 a 2050. E o gasto na geração de energia por fontes de renováveis é baixo – menos de 5% do orçamento das empresas em 2019, segundo estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás Natural (Ineep).

Caminhos

Há um grupo de petrolíferas que está ampliando o investimento em fontes renováveis, como a britânica BP. Em 2017, a multinacional comprou 43% do capital da Lightsource, líder em indústria solar na Europa. Por aqui, a empresa possui 2 gigawatts (GW) de painéis solares, além de ser sócia da BP Bunge Bioenergia, vice-líder do setor sucroenergético no País.

A norueguesa Equinor trilhou caminho semelhante ao assumir cerca de 10% do capital acionário da Scatec Solar ASA, em 2018. “Até 2035, aumentaremos nossa capacidade instalada de energia renovável em 30 vezes em relação a hoje”, disse a a assessoria de imprensa da empresa. No Brasil, por meio da Statec Solar ASA, a empresa desenvolve o complexo de energia solar Apodi, no Ceará.

Petrobrás, porém, se alinhou a companhias norte-americanas e tem preferido focar em projetos de redução de emissão de carbono (leia mais ao lado). A estatal tem só uma usina solar, em Campos dos Goytacazes (RJ).

“Há diferentes padrões de estratégias nacionais e empresariais nessa agenda. Como os fundos de investimento verde e bancos têm aumentado o apetite por ativos de fontes renováveis, o que tem movido as companhias petrolíferas são, acima de tudo, as dimensões financeira e tecnológica do novo cenário, mais do que as preocupações estritamente ambientais”, avalia o coordenador técnico do Ineep, William Nozaki.

Clarissa Lins, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), vê no Brasil uma vocação especial para atrair projetos de compensação de emissões, com soluções baseadas em recursos naturais. Neste caso, o foco não é a substituição dos combustíveis fósseis, mas a adoção de contrapartidas limpas para cada tonelada de gases de efeito estufa emitida.

Uma forte defensora desse modelo é a anglo-holandesa Shell, que aposta em projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas. “A Shell tem um objetivo muito claro:é ter esse crédito de carbono em mãos nesse mundo que vai passar para uma fase pós-Acordo de Paris e se tornar operacional”, disse Monique Gonçalves, gerente de estratégia e planejamento da petrolífera.