sábado, 4 de julho de 2020

Insinceridade geral, Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo


01 de julho de 2020 | 03h00

Com toda a ambiguidade que imprime às suas manifestações, o presidente Jair Bolsonaro não conseguiu disfarçar, já na segunda-feira, o desfecho que só viria ontem: o convidado e nomeado estava dispensado da posse. Na nota com que se despediu do seu terceiro ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, depois de uma reunião improvável em que teria tido paciência para ouvir detalhes técnicos da estrutura curricular da pós-graduação, os elogios feitos pelo presidente se destinavam a consolar a si mesmo, por tê-lo escolhido, e a eximir de culpa os militares, por tê-lo indicado.

Motivação igual teve para dar-lhe a tribuna de 24 horas em que ainda contaria com audiência para se explicar. O que, convenhamos, foi atitude mais elegante do que a da Fundação Getúlio Vargas, que o renegou muitas vezes depois de prestar-lhe homenagens anos a fio pelos cursos que promoveu na instituição. Constatou-se que a FGV foi mais relapsa que a Abin.

jair bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Adriano Machado / Reuters

Para ser ministro da Educação não é necessário ter doutorado. Mas é preciso ter decência. Este caso não deu para desentortar, como já se fez com tantos outros, inclusive nesta gestão, mas pode ainda inspirar o pensamento sobre o processo e o método de formação do governo Bolsonaro.

A fábula de como se faz um governo aleatório, sem critério e sem identidade, encontrou a simbologia máxima. Convite feito e aceito, ganhou a desculpa da urgência pelo rumo imediato exigido pela área em causa, a começar pela sua atividade mais elementar, o funcionamento das atividades em sala de aula. Nenhum filtro, nenhuma informação ou análise mais profunda sobre alguém que havia ingressado na história do Brasil há apenas cinco dias, levando na bagagem de chegada uma bomba de detonar a partida.

Saudado como técnico e gestor, Decotelli tinha um currículo composto por falsos brilhantes que, na insinceridade geral dos dois ambientes, o acadêmico e o do governo Bolsonaro, abalou as estruturas. Mestrado com tese de trechos copiados sem a citação do autor; doutorado contestado pela banca de Rosário; pós-doutorado, conhecido como posdoc no meio científico, inexistente em universidade alemã. O nomeado retocou a maquiagem, mas não ficou bem para a posse.

Enfeitar o currículo com estas lantejoulas é um clássico nacional. O pós- doutorado pode ser só um atraente turismo científico e, em muitos currículos, não passa disto. Em outros, é uma espécie de emprego temporário para doutores até aparecer coisa melhor. No conjunto desta obra, porém, pesou muito. O mestrado e o doutorado têm significados, sobretudo para quem pretende seguir a carreira acadêmica, mas não pesam para ser gestor público.

Há outras demonstrações de competência acadêmica além dos títulos, como há demonstrações de competência específicas na gestão pública ou privada. Mário Henrique Simonsen possuía de sobra as duas condições. Não tinha nem mestrado nem doutorado e estava fazendo, às pressas, uma graduação formal numa escola qualquer do Rio quando já era um economista respeitado e constava do catálogo de Harvard como professor visitante.

Para o currículo da plataforma Lattes não bastam os créditos do curso, é preciso ter defendido e aprovado tese para receber o título. Na vida acadêmica, a maioria já fez a assepsia. Na iniciativa privada e na administração, os titulares negligenciaram as correções.

Nos governos CollorLulaDilma e Bolsonaro houve escândalos de currículos falsos ainda na memória de todos. Passaram a borracha e continuaram nos cargos.

Comparado com Ricardo Vélez, o primeiro, que saiu sem entrar, e com Abraham Weintraub, o segundo, que fugiu do País, Decotelli não pode ser culpado pela desdita do governo e mais um atraso no início de um plano de recuperação do funcionamento do MEC.

Quem seleciona é que não sabe o que quer nem para onde vai.

Devassa, Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo


03 de julho de 2020 | 03h00

A guerra da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a força-tarefa da Lava Jato está só começando, com troca de críticas em público e de acusações nos bastidores. Vem aí uma devassa numa operação anticorrupção que ganhou fama mundo afora, mobilizou o Brasil e, com a prisão de um ex-presidente, ex-governadores, ex-presidentes da Câmara e os maiores empreiteiros do País, gerou a esperança de que a lei valeria para todos.

Segundo o procurador-geral, Augusto Aras, em conversa ontem com a coluna, “não se trata de linchar quem quer que seja, até porque isso seria cair nos mesmos vícios”. Ele, porém, admite: “Mas é preciso corrigir rumos e seguir regras universais para todos os procuradores. Não podemos ter animais que são mais iguais do que os outros, como em A Revolução dos Bichos (George Orwell)”.

Aras não diz isso tão claramente quanto outros integrantes da PGR, mas a avaliação é de que a Lava Jato foi ótima, até “virarem a chave”. Ou seja, até os procuradores de Curitiba passarem a ultrapassar limites e driblar a falta de provas. Assim, há um “esgotamento” do modelo e é preciso transparência e tirar o excesso de poder e voluntarismo da Lava Jato, garantindo compartilhamento de dados e a participação da PGR. “Eu sou procurador-geral e não tenho o direito de saber o que acontece em Curitiba?”, reclama Aras.

Isso cria mais uma situação estranha num ambiente político já tão estranho. A PGR de Aras, acusado de “bolsonarista”, faz um discurso semelhante ao do PT quando o foco é Lava Jato e Curitiba, algozes do ex-presidente Lula. Como ficam os petistas? Contra Aras, mas a favor da intervenção na Lava Jato? Ou contra tudo e todos?

Aliás, pouco se fala sobre isso, mas o procurador-geral tem tomado sucessivas decisões que contrariam o Planalto. Exemplos: no combate à pandemia; na denúncia contra o deputado Arthur Lira (PP), do Centrão e aliado do presidente Jair Bolsonaro; nas “apurações preliminares” sobre declarações do deputado Eduardo Bolsonaro e do general Augusto Heleno (GSI) com viés antidemocrático. O seu teste de fogo, porém, será denunciar ou não Bolsonaro por intervenção política na PF.

O fato é que as acusações da PGR contra a Lava Jato, e da Lava Jato contra a PGR, vão piorar, com forte questionamento a ações e decisões de Curitiba. Na lista, as delações premiadas. Na avaliação da PGR e outros órgãos de controle, as multas aplicadas aos delatores não chegam a 10% de um valor razoável e eles estão leves, livres, soltos – e nadando em dinheiro desviado.

Na versão da Lava Jato, a intenção da PGR e do próprio Aras é destruir não só a operação, mas o próprio combate à corrupção. Eles dizem que é o oposto: retomar e aprofundar o combate à corrupção, que parou, em novas bases e práticas. Eles acusam a força-tarefa de ter engavetado 1.450 relatórios prontos, sem nenhuma consequência.

A lista da Lava Jato divulgada pelo site Poder 360, camuflando investigações indevidas contra os presidentes da Câmara (“Rodrigo Felinto”) e do Senado (“David Samuel”), foi só um aperitivo para tentar provar o uso de “métodos heterodoxos” da força-tarefa. Eles também não usavam simples gravadores, mas sim interceptadores. Ou seja: a PGR suspeita que grampeavam seus alvos sem autorização judicial.

Nessa guerra, ninguém está totalmente certo nem errado, mas a previsão é de que, entre mortos e feridos, os mais atingidos sejam os líderes da Lava Jato que tanta esperança trouxeram ao Brasil. Aí se chega a Sérgio Moro, o inimigo número um do PT, que passou a ser também dos bolsonaristas e agora corre o risco de ver a Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história, virar um sonho de verão – ou um pesadelo.

João Gabriel de Lima A política moderna e os tatus de Brasília, OESP ( definitivo)

Leandro fez as contas, em conexão direta com Tabata e Talita. Alessandra criou a campanha, Douglas e Caio mobilizaram contatos, José mergulhou nos cadastros do governo.

Tabata é Tabata Amaral, deputada federal pelo PDT-SP. Talita Nascimento é sua chefe de gabinete. Douglas Belchior, Alessandra Orofino, Leandro Ferreira, José Moroni e Caio Magri representam grupos da sociedade civil, de diferentes matizes políticos – da Coalizão Negra por Direitos, uma reunião de coletivos, ao Instituto Ethos, que congrega empresários. Em conjunto, eles ajudaram a colocar de pé – e depois aperfeiçoaram – o auxílio emergencial.

A desconfiança em relação aos políticos, especialmente os do Legislativo, era forte na época das Diretas-Já. Fazia sentido. Vivíamos uma ditadura que matava, torturava e censurava, os governadores eram nomeados e o Congresso não era integralmente escolhido pelo povo – havia a figura do “senador biônico”, apelido inspirado na série Cyborg.

O “nós e eles” entre eleitores e parlamentares não se aplica mais. Deputados e senadores são como os tatus da piada capiau. Tatu não sobe em árvore. Se aparece num galho alto é porque alguém o pôs lá. Da mesma maneira, se um político ocupa uma cadeira na Câmara ou no Senado, é porque chegou lá com o nosso voto. O Congresso, gostemos ou não dele, é um espelho do que somos, expressão de nossas escolhas.

Desqualificar o Legislativo é velho como o Cyborg, é algo do tempo em que Lobão só fazia barulho quando tocava bateria na Blitz. Felizmente, vários cidadãos – e várias organizações da sociedade civil – já atentaram para o jeito moderno de fazer política. Se o Congresso é a nossa casa, devemos estar próximos a ele. 

A proximidade começa – mantra desta coluna – com a junção entre política e conhecimento. Os cálculos feitos por Leandro Ferreira, da Rede Brasileira de Renda Básica, foram fundamentais para viabilizar o auxílio emergencial de R$ 1.200 para mães chefes de família. Outro programa-chave da pandemia, o seguro de vida para profissionais de saúde, contou com a expertise da economista Letícia Nunes, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, organização fundada pelo economista Armínio Fraga

A ponte entre conhecimento e política é essencial, mas não basta, segundo Alessandra Orofino, diretora da rede Nossas: “É preciso entender o funcionamento do Congresso, e também fazer a voz da sociedade civil chegar aos parlamentares”. No caso do auxílio emergencial, 163 organizações se mobilizaram. Criaram um abaixo-assinado com 700.000 assinaturas, e entupiram as caixas de e-mails dos parlamentares com mensagens de potenciais eleitores.

Duas notícias boas para você, que anda descrente da política. Existe, sim, um debate sério sobre os problemas do Brasil, em universidades e centros de pesquisa. E existe uma sociedade civil organizada e atenta a esse debate. O caso do auxílio emergencial é um exemplo. No minipodcast da semana, Alessandra Orofino dá uma ideia de como podemos exercer nossa cidadania.

Douglas, Alessandra, José, Letícia, Leandro e Caio mostram o caminho da política moderna: interagir com os representantes que elegemos, ajudar a colocar projetos de pé, fiscalizar sua implantação. Os tatus de Brasília estão lá para nos servir.

PARA PARTICIPAR

As organizações da sociedade civil que coordenaram o grupo do auxílio emergencial são:

Rede Brasileira de Renda Básica

Coalizão Negra Por Direitos  

Instituto Ethos 

Nossas

Instituto de Estudos Socio-Econômicos

A organização que colaborou com o seguro de vida para profissionais de saúde:

Instituto de Estudos para Políticas de Saúde

Mini-podcast de Alessandra Orofino

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joaogabrielsantanadelima@gmail.com