terça-feira, 16 de junho de 2020

Corticoide dexametasona reduz mortalidade em pacientes graves com Covid-19, diz estudo, NYT, FSP

Reino Unido anunciou que o medicamento será usado em pacientes hospitalizados

NOVA YORK | AFP e THE NEW YORK TIMES

Cientistas da Universidade de Oxford anunciaram nesta terça (16) que um corticosteroide barato, a dexametasona, é o primeiro medicamento que comprovadamente reduz de forma significativa a mortalidade de pacientes com Covid-19 hospitalizados. Os dados são de um ensaio clínico com 6.000 pacientes.

"A dexametasona é o primeiro medicamento que melhora a sobrevivência em caso de Codiv-19", disse em um comunicado Peter Horby, professor de doenças infecciosas em Oxford e um dos principais autores do estudo britânico Recovery. "O benefício é claro e amplo em pacientes que estão doentes o bastante para necessitar de tratamento com oxigênio."

Horby disse que o medicamento deve se tornar o tratamento padrão desses pacientes, e ressaltou que o remédio é barato, amplamente disponível e pode ser usado imediatamente.

O medicamento reduziu as mortes em um terço em pacientes que recebiam ventilação pulmonar. Os pesquisadores não viram benefícios em usar o medicamento em pacientes que não precisavam de suporte respiratório.

O ministro da Saúde, Matt Hancock, anunciou nesta terça que o Reino Unido começará a administrar imediatamente dexametasona em pacientes com a Covid-19 depois dos resultados desse estudo.

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"Estamos trabalhando com o Serviço Nacional de Saúde para que o tratamento padrão contra a Covid-19 inclua a dexametasona a partir desta tarde", disse Hancock.

O governo começou a estocar o medicamento meses atrás, porque estava esperançoso sobre o potencial da droga, segundo Hancock, e agora tem mais de 200 mil doses à mão.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Estacionamento, tosse e pandemia, Moisés Naím, O Estado de S.Paulo

O que os carros parados em um estacionamento têm a ver com pesquisas na internet envolvendo as palavras “diarreia” e “tosse”? E, por sua vez, o que esses dados têm a ver com a pandemia que está nos atormentando? Muito.

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard decidiram usar imagens de satélite para ver como flutuava o número de carros nos estacionamentos dos seis principais hospitais de Wuhan. Esta é a cidade de 11 milhões de habitantes situada no centro da China, a partir de onde o vírus causador da doença que conhecemos hoje como covid-19 se espalhou para o resto do mundo.

Os cientistas adquiriram de uma empresa chinesa que comercializa imagens feitas a partir do espaço as fotos dos estacionamentos entre janeiro de 2018 e abril de 2020. Ao analisá-las, os pesquisadores descobriram que, entre agosto e dezembro de 2019, o número de carros estacionados em hospitais aumentou inexplicavelmente. Naqueles meses, o número estava acima da média.

Mas isso não é tudo. Na China, o Google está bloqueado e o mecanismo de pesquisa equivalente se chama Baidu. Nesses dois meses, as pesquisas no Baidu de Wuhan envolvendo os termos “tosse”, “diarreia” e “problemas respiratórios” dispararam.

Os investigadores chegaram a uma conclusão explosiva: “Em Wuhan, o aumento no tráfego hospitalar e nas pesquisas na internet por informações a respeito de sintomas aumentou drasticamente em 2019 e precedeu o início documentado da pandemia, em dezembro daquele ano”.

A conclusão é explosiva porque, de acordo com esses dados, o surto começou meses antes do governo chinês informar ao mundo o que estava acontecendo, o que reduziu o tempo que outros governos tiveram para se preparar. Isso é negado por Pequim, que, além disso, rejeita a validade do estudo. Os autores reconhecem as limitações de sua metodologia e os dados utilizados. No entanto, apesar dessas limitações, é óbvio que os resultados da pesquisa fornecem uma perspectiva adicional útil. E não apenas a respeito da pandemia.

Vemos algo semelhante ao efeito Chernobyl: burocracias tendem a esconder seus erros, e ainda mais as burocracias de regimes autoritários. Essa foi, por exemplo, a reação inicial da ditadura russa quando, em 1986, a usina nuclear de Chernobyl explodiu.  

A explosão dispersou material radioativo na União Soviética, em partes da Europa e chegou ao Canadá. Tudo indica que o efeito Chernobyl, que consiste em ocultar o problema, moldou a resposta do governo chinês quando já tinha se tornado óbvio.

Tudo é conhecido: por mais que tentassem, os líderes da União Soviética não puderam impedir o mundo de saber da explosão de Chernobyl e seus efeitos. O mesmo aconteceu com o atraso deliberado, primeiro pelo governo local de Wuhan.

Tudo é medido: quem teria pensado que o número de carros em um estacionamento revelaria uma pandemia incipiente? Ou que o volume de pesquisas por determinados termos na internet serviria para prever epidemias?

Nestes tempos, nossa simples existência enquanto indivíduos gera uma montanha de dados que, gostemos ou não, são capturados e processados pelas novas tecnologias. Telefones celulares, câmeras, computadores, sensores e plataformas como Facebook, Instagram, Twitter ou Flickr e os mecanismos de pesquisa estão constantemente coletando informações a respeito de nossos comportamentos individuais e transformando esses dados em informações úteis - para melhor e para pior.

Tudo é politizado: o estudo de Harvard é publicado em um momento em que os atritos entre Estados Unidos e China continuam a aumentar em número e intensidade. Após reveses iniciais no reconhecimento e comunicação da extensão da pandemia, Pequim lançou uma campanha internacional abrangente. Ela enfatiza o sucesso de sua intervenção para conter o vírus, em contraste com o caos que caracteriza a resposta da Casa Branca. 

De sua parte, o governo dos EUA também lançou uma ampla campanha de difamação contra a China, enfatizando a opacidade de suas ações. As denúncias contra a China serão, sem dúvida, um tema central da campanha eleitoral de Donald Trump. E a China responderá a elas.

Em um mundo sem segredos, os conflitos podem ser gerenciados, mas não suprimidos./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Passando através, Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo


15 de junho de 2020 | 05h00

Atualmente comer chocolate faz bem ou faz mal? Entre a redenção do ovo e a condenação do glúten, acho que fiquei um pouco perdido. Como essas coisas mudam muito, resolvi o que fazer: a próxima pesquisa mostrando que chocolate faz bem será a última que lerei sobre o tema. Quando os cientistas chegarem a uma conclusão definitiva, por favor me avisem.

O problema – e a solução – é que não existem conclusões definitivas em ciência. Eu sei que é irritante cada hora ouvirmos falar uma coisa, com as mensagens aparentemente se contradizendo, mas é exatamente isso que faz da ciência o empreendimento bem-sucedido que ela é. 

Se o conhecimento científico não fosse assim ainda, estaríamos prescrevendo remédios contra malária para combater uma epidemia viral, matando as pessoas pelos efeitos colaterais e em troca de nenhum benefício – como ocorria na gripe espanhola. Por que paramos com essa prática? Porque o conhecimento avançou, mostrando ser um risco inútil. Com o desenvolvimento do conhecimento e das práticas científicas a medicina foi progressivamente abandonando o puro empirismo e se fiando cada vez mais em pesquisas clínicas para testar a eficácia de medicamentos. Hoje não é mais justificável sair dando primeiro e testando depois. 

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A ciência mostrou que muitas coisas então praticadas e defendidas faziam mais mal do que bem. Muitas outras se provaram úteis, é verdade. Mas a lição principal é que apenas a experiência prática não garante nada.

Por isso, ainda que seja cansativo ver organizações e entidades médicas e científicas mudarem as recomendações oficiais durante essa pandemia de covid-19, é melhor que seja assim. Quando se compreende que essa é uma doença nova, que não existia na humanidade até o réveillon de 2019, é esperado que o conhecimento sobre ela melhore com o tempo. Afinal, cientistas tiveram de partir do zero na construção do conhecimento sobre ela.

Para piorar, embora os cientistas esperassem uma pandemia para mais cedo ou mais tarde, obviamente é bastante complicado se preparar para algo que não existe. Todos os protocolos de enfrentamento de epidemias levavam em conta o que se sabia sobre outras doenças, como influenza ou SARS. Daí, por exemplo, a recomendação inicial de que a população não precisaria usar máscaras. Dados reunidos até então por ocasiões de grandes gripes não mostravam eficácia em tal prática.

Mas o método científico funciona justamente colocando hipóteses em xeque e verificando se sobrevivem, e essa recomendação mudou ao longo do tempo. Não seria de se espantar se mais para frente mudasse de novo. E tudo bem – melhor viver num mundo em que um conhecimento substitua o outro do que num mundo em que nos aferramos a práticas inúteis.

O Reino Unido é um dos maiores exemplos de mudança de rota no meio do caminho. Paradoxalmente eles foram vítimas de um certo excesso de preparação. Para além das variáveis políticas envolvidas em suas primeiras recomendações, havia um sólido corpo de conhecimento sobre o que funcionava ou não diante de uma epidemia. 

Caminho. Usar máscaras não adiantava. Fechar escolas era pouco eficaz. Cancelar eventos se mostrava questionável. E com essas evidências eles optaram por tentar seguir a vida normalmente. Investir na imunidade de rebanho. A estratégia pode de fato funcionar para outras doenças nas quais os pacientes, quando graves, precisam em média de poucos dias de UTI. As pessoas vão pegando, entram e saem do hospital num ritmo em que não faltam vagas. Mas a realidade mostrou que o novo coronavírus não é gripe. As pessoas demoram muito para sair das UTIs quando ficam graves. E começa o colapso na rede hospitalar. Foram forçados a mudar a política, pois quando a hipótese inicial é derrubada pelas evidências, aí sim seguir apegado a ela é burrice. E por vezes fatal.

Pode esperar que ainda veremos muitas reviravoltas nesta pandemia. As formas de transmissão serão mais bem conhecidas. Os riscos mapeados. A biologia do vírus desvendada. E com isso as orientações irão mudando.

Uma hora vai passar. Mas como disse o poeta Robert Frost, “O melhor caminho é sempre através”. 

No nosso caso, é provavelmente o único.