domingo, 10 de maio de 2020

Inquietação generalizada sobre impeachment se deve ao obstáculo Hamilton Mourão, FSP

Desde o começo do mandato, são dezenas de motivos suficientes para embasar o processo

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Bolsonaro não poderia ter chegado ao primeiro semestre do seu mandato de figuração presidencial. Isso, com boa vontade. A rigor, nem ao primeiro trimestre, sendo já contra a segurança e a vida os seus primeiros atos e pregações.
De lá para cá, são dezenas de motivos suficientes para embasar processo de impeachment. Alguns geraram pedidos de inquérito lançados, todos, ao fosso das gavetas no Congresso e no Judiciário. Mas não pelo ônus de um processo de afastamento. Nem nem pela concentração de atividades, que não existe, contra a pandemia.
O presidente Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão em cerimônia de posse do ministro da Justiça André Mendonça, no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão em cerimônia de posse do ministro da Justiça André Mendonça, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 29.abr.2020/Folhapress
Como regra geral, as propostas justificadas de impeachment são descartadas, pelas ditas autoridades competentes, por conveniências pessoais, descaso com a população e com o próprio país, autoproteções de partidos e do Judiciário, barganhas, enfim, poucas vezes por sensatez e espírito público. Exemplo definitivo foi o do (im)possível impeachment pela provada compra a dinheiro, inclusive com confissão gravada, da aprovação de segundo mandato para Fernando Henrique Cardoso. No caso de Bolsonaro, porém, há uma peculiaridade.
A inquietação generalizada no “por que não o impeachment?” e no “até quando?” deve-se a um obstáculo com primazia ante a regra geral. E com nome: Hamilton Mourão.
Foram suas sucessivas declarações antidemocráticas e ameaçadoras, nos primórdios da disputa eleitoral, que levaram esse general à presidência do Clube Militar e, como tal, à indicação para vice de Bolsonaro. Mourão, no entanto, passou a se mostrar o mais ponderado dos militares do bolsonarismo e logo adaptado ao convívio com o mundo civil. Longe de ser outra toupeira, beneficiou-se ainda da hostilidade de Bolsonaro ao seu novo estilo.
Ou porque a mudança foi rápida demais para ser convincente, ou pela experiência histórica, a opinião dominante sobre Mourão contém mais receios que os suscitados por Bolsonaro. Entre políticos, porque já sabem lidar com a ignorância, o morde-sopra, a paranoica insegurança e a vulnerabilidade de Bolsonaro, inclusive penal e estendida a três filhos. Bolsonaro é fraco, muito fraco. Só fica em pé por amparo de militares.
Entre empresários ativistas e na mídia, Mourão está em grande desvantagem. Bolsonaro é visto como manobrável com facilidade, aliado na política de classes do liberalismo financeiro e na recusa às defesas ambientalistas, indigenistas e climáticas. O silêncio de Mourão em tais temas consolidou entre empresários a ideia de que o vice não se alinha à política econômica hoje representada por Paulo Guedes.
Nada a ver com pandemia, derrocada econômica, crise mundial. Os receios inspirados pelo vice Hamilton Mourão, como substituto de Bolsonaro, bloqueiam a via para o impeachment. Ao menos até que a cabeça desvairada e perversa de Bolsonaro torne obrigatório o seu afastamento. Até lá, envergonhemo-nos sem remédio perante o mundo às gargalhadas.

INIMIGOS DO SUPREMO

Na condição, talvez nem sequer sonhada, de presidente do Supremo, José Antonio Dias Toffoli convalida como legais e legítimas as manifestações lideradas por Bolsonaro, que tínhamos como ilegais.
Pouco antes e pouco depois de mais discurseiras democratas, Toffoli manteve no site do Ministério da Defesa uma louvação do golpe de 1964, postada em razão do dia último 31 de março e cuja retirada o Tribunal Regional Federal-5 determinara.
Toffoli considerou “verdadeira censura” e violação da liberdade de expressão o impedimento à celebração de um golpe que calou o Supremo, o Congresso e a Constituição. Fez o mesmo, portanto, pedido pelas manifestações da claque produzida pelo “gabinete do ódio” na Presidência.
Logo, o inquérito do Supremo, sob condução do ministro Alexandre de Moraes, para apurar a responsabilidade pelas manifestações, consiste também em “verdadeira censura” e violação da liberdade de expressão. Pelo que Toffoli induz, ilegal e ilegítima é a ação do Supremo por ele presidido.
O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, responsável pelo site e pela louvação, foi o general levado por Toffoli para integrar o gabinete da presidência do Supremo —uma depreciação do STF superada só pelo golpe de 64.

UM PASSINHO

Bons dias, estes, para o bom moço Aécio Neves. E de frustração para a Lava Jato curitibana, que tanto o protegeu. Em poucos dias, Aécio Neves foi lembrado duas vezes: denunciado por tomar R$ 65 milhões de construtoras e, até que afinal, indiciado por desvio de R$ 747 milhões atualizados, na obra da Cidade Administrativa quando governador mineiro de 2007 a 2010. Esses processos são frutos da árvore genealógica das tartarugas.
Janio de Freitas
Jornalista

Quem semeia vento colhe tempestade, FSP

A semana passada revelou, mais uma vez, o descontrole do governo. A Câmara deliberava sobre a proposta de auxílio aos estados e municípios quando ocorreu o inesperado.
A contrapartida pedida pela equipe econômica, e negociada com o Congresso, de não reajustar os salários de muitas categorias de servidores por 18 meses, foi parcialmente derrotada com o apoio do líder do governo.
Ele foi ao palanque e esclareceu que orientara a bancada afrouxar a medida por instrução do presidente, na contramão do que defendia o ministro da Economia. “Eu sou líder do governo, não de qualquer ministério”, esclareceu.
O presidente parece saber pouco do que fazem seus assessores ou da complexidade dos problemas. Para piorar, o capitão reformado se apega às frases de efeito descabidas que talvez tenha ouvido de alguém de passagem e as repete em público como se fossem verdades.
Querem taxar o sol”, afirmou a respeito de uma discussão sobre a revisão dos subsídios para o setor elétrico.
Há quase um ano, prometeu, com seu linguajar usual, “um projeto que, com todo o respeito ao Paulo Guedes, a previsão de nós termos dinheiro em caixa é maior do que a reforma da Previdência em 10 anos”. Até hoje o país espera saber que medida seria essa.
A sucessão de disparates parece não ter fim. Refém de uma polarização de botequim entre economia e saúde, o governo consegue descuidar de ambas. Caminhamos para ser um dos países que mais vão sofrer com a pandemia.
Será que, em privado, ninguém lhe diz ser constrangedor um presidente saber tão pouco do que fala, incluindo as principais negociações conduzidas pelos seus mais importantes auxiliares? Que as decisões do Executivo requerem técnica e política para enfrentar dilemas difíceis?
O governo, contaminado pelo despreparo do presidente, aparenta acreditar que a política pública se resume a frases de efeito para animar a torcida. Gestão, planejamento, a análise cuidadosa das medidas, incluindo seus possíveis efeitos colaterais, e os detalhes da implementação parecem temas estranhos à atual administração.
A descoordenação prejudica a economia. Parte do governo parece refém de interesses corporativistas. Parte parece defender que a saída da crise seria retomar uma agenda de investimentos liderada pelo setor público. Pelo visto, nada aprenderam com o fracasso dos governos Geisel e Dilma.
Há trabalho de verdade a ser feito. O país deve cuidar da saúde e da economia, o que requer ciência e negociação de conflitos. Apenas distribuir recursos destrambelhadamente pode resultar em fracasso nas duas frentes, além de iniciar uma trajetória insustentável da dívida pública.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.