sábado, 15 de junho de 2019

Como Euclides da Cunha criou o mito do sertão em sua obra-prima, OESP

Ronaldo Correia de Brito*, Especial para o Estado
15 de junho de 2019 | 16h00


Euclides da Cunha será o homenageado da Flip 2019. Nada mais justo. No ensaio Euclides da Cunha: Revelador da Realidade Brasileira, Gilberto Freyre já o referia como um dos escritores brasileiros de maior influência sobre o nosso povo, e que chamava atenção dos estrangeiros para a cultura em geral e para as letras em particular, de um ainda obscuro Brasil. 
Sertão
Homem cavalgando pelo sertão em foto do livro 'Sertão Sem Fim' (2009) Foto: Araquém Alcântara
Mesmo não havendo nascido no sertão de que trata em sua obra, Euclides foi quem mais contribuiu para codificar o que lhe pareceu sertão, guiando leitores e gerações futuras a buscarem o modelo estabelecido de semiárido habitado por bárbaros, num processo semelhante ao dos orientalistas em relação ao Oriente. Da mesma maneira que o Oriente é corrigido e penalizado por estar fora dos limites da Europa e América do Norte, o sertão do Nordeste brasileiro sofre processo semelhante por se encontrar fora dos limites da sociedade do Sul e Sudeste. É igualmente “sertanizado” por acadêmicos e cientistas, tornando-se propriedade de um conhecimento nem sempre verdadeiro. 
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A partir do genocídio praticado contra os conselheiristas de Canudos – recuso a denominação de jagunços –, retratado com parcialidade pelo geógrafo, engenheiro, militar e jornalista, se evidenciam as incompatibilidades entre os vários sertões. As sociedades heterogêneas possuem valores culturais, econômicos e religiosos desiguais. Os sertanejos são tratados como menores, raças submetidas a um “poder civilizatório” que se apresenta benigno e altruísta, mas que traz apenas mais miséria, destruição e morte. Acontece a guerra, uma coisa horrível de se testemunhar, um choque implacável, irremediável, como tem sido o embate de todos os dias, no Brasil.
Nos primeiros tempos de nossa história, tudo o que não fosse litoral era sertão, independente de condições climáticas, relevo, cobertura vegetal, presença ou não de rios, tipo de solo. Assim, o Estado de São Paulo para além da Capitania de São Vicente era todo sertão, como também o eram Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e até Paraná e Rio Grande do Sul. 
O próprio Euclides descreve diferente o sertão dos primórdios da nossa colonização: “Constituiu-se, dessa maneira favorecida, a extensa zona de criação de gado que já no alvorecer do século 18 ao das raias setentrionais de Minas e Goiás, ao Piauí, aos extremos do Maranhão e Ceará pelo ocidente e norte, e às serranias das lavras baianas, a leste. Povoara-se e crescera autônoma e forte, mas obscura, desadorada dos cronistas do tempo, de todo esquecida não já pela metrópole longínqua senão pelos próprios governadores e vice-reis. Não produzia impostos ou rendas que interessassem ao egoísmo da coroa. Refletia, entretanto, contraposta à turbulência do litoral e às aventuras das minas, ‘o quase único aspecto tranquilo da nossa cultura’. À parte os contingentes de povoadores pernambucanos e baianos, a maioria dos criadores opulentos que ali se formaram, vinha do sul, constituída pela mesma gente entusiasta e enérgica das bandeiras.” 
As migrações e entrelaçamentos dos sertanejos se fazia intensa, de sul a norte e de norte a sul, a ponto de um decreto real do século 18 proibir que os do norte buscassem as terras do sul, onde havia mais promessas de riqueza. “Paulista” não se referia apenas aos naturais de São Paulo, sendo uma denominação genérica para sertanejos de Goiás, Mato Grosso, Minas e outras regiões. Interessa investigar quando e de que maneira o devaneio sobre o que é sertão o transforma em paisagem semiárida, hostil, com o sol inclemente, confundido com o que se estabeleceu ser o Nordeste. Gilberto Freyre recusa essa imagem de deserto. Para ele, o lugar também é uma terra de fartura, de águas abundantes, onde, como no poema de Carlos Pena Filho, “nunca deixa de haver uma mancha d’água, um avanço de mar, um rio, um riacho, o esverdeado de uma lagoa...”
Não sei ainda quais convidados irão debater Os Sertões, mas espero que haja alguns escritores nordestinos, conselheiristas e intelectuais que enxergam os erros de Euclides, a antropologia e a sociologia impregnadas de cientificismo, consonante com a época em que o livro foi escrito. Teorias de inspiração europeia e americana, racistas, supremacistas, cientificistas, que defendem a eugenia e são contrárias ao hibridismo, atribuindo ao cruzamento das raças formadoras do Brasil todos os nossos males. 
Riobaldo, personagem narrador do Grande Sertão: Veredas, pergunta ao escutador: “Como vou contar e o senhor sentir em meu estado? O senhor sobrenasceu lá? O senhor mordeu aquilo?” A pergunta não precisaria ser feita ao carioca Euclides da Cunha, nem a qualquer intelectual que se aventurasse a escrever sobre o episódio de Canudos, desde que mantivesse isenção e imparcialidade. Por mais que tenha estudado a geografia, a história, a cartografia, a formação do lugar e do homem sertanejo, Euclides olha de fora, se dói de fora, denuncia de fora e, na hora do julgamento final, toma um partido: “Não tive o intuito de defender os sertanejos, porque este livro não é um livro de defesa; é, infelizmente, de ataque”. Diferente de Guimarães falando através de Riobaldo Tatarana: “O sertão me produziu, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca... O senhor crê minha narração?”
Euclides nunca se avistou com o Conselheiro, nunca entrevistou-o em conversa de homens pisando mundos diferentes. Do beato, viu o resultado do exame realizado pelo médico Nina Rodrigues, partidário da pseudociência da frenologia, que defendia que a estrutura do crânio determinava o caráter das pessoas e sua capacidade mental. Responsável por equívocos e crimes, o exame frenológico foi realizado na cabeça do beato, concluindo-se pela normalidade do mesmo, o que só expõe a barbárie e o abuso da ciência da época.
Na nota preliminar à primeira edição de Os Sertões, Euclides assume postura sobre o lugar e os personagens da sua epopeia:
"Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil, e fazemo-lo porque a sua instabilidade de complexo de fatores múltiplos e diversamente combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tornam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes migratórias que começam a invadir nossa terra.”
Apesar das denúncias feitas e registradas, da comoção diante do massacre, de afirmar que o sertanejo é antes de tudo um forte, Euclides se mantém firme, como observa Leopoldo M. Bernucci: “O narrador toma partido na defesa dos conselheiristas, mas a escolha final, a que determina verdadeiramente a decisão inexorável de combater o fanatismo religioso, a ‘selvatiqueza épica’, em uma palavra, os nossos ‘bárbaros patrícios’, recai nas mãos de um juiz implacável. E nem mesmo o esforço para construir uma frase imparcial e justa, que defina o seu duplo ataque, aos sertanejos e aos ‘singularíssimos civilizados’ nas Notas à 2ª Edição, consegue no final retraí-lo da sua cega fidelidade ideológica ao republicanismo progressivo.” 
Os Sertões prevaleceu como obra monumental pela sua linguagem, mesmo que Euclides tenha escrito “num estilo não só barroco – esplendidamente barroco – como perigosamente próximo do precioso, do pedante, do bombástico, do oratório, do retórico, do gongórico, sem afundar-se em nenhum desses perigos. Deixando-se apenas tocar por eles; roçando por vezes pelos seus excessos; salvando-se como um bailarino perito em saltos-mortais, de extremos de má eloquência que o teriam levado à desgraça literária e ao fracasso artístico”, como anotou Freyre.
Lamentarei se o tom da homenagem a Euclides da Cunha, na Flip, for somente apologista. Vou convencer-me de que a etiqueta com que rotularam os sertanejos continua valendo. 
O tempo passou, mas o modelo de violência da nossa sociedade permanece o de sempre, desde a colônia. A República defendida por Euclides nunca se consolidou. Nem mesmo a democracia. Soldados e conselheiristas se irmanam. Os que restam vivos, ao retornarem às cidades grandes, irão morar em morros ou periferias que receberão o nome de favelas, em memória às favelas de Canudos. A história se refaz e se complementa. Agora os “civilizados” tomam o lugar da sub raça, e passam também a ser exterminados. O sertão se desloca com os homens, sem a liderança social ou espiritual do Conselheiro. Seu novo lugar na periferia das cidades grandes representa um risco maior do que o Arraial de Canudos. A guerra se mantém: sistemática, predatória, manipulada. Irmãos contra irmãos. E os poderosos jogam com os mesmos princípios do início da colonização e sempre ganham.
*RONALDO CORREIA DE BRITO É AUTOR DE ‘DORA SEM VÉU’ (ALFAGUARA, 2018)

Doria deixa Bolsonaro para ser homenageado em jantar com atuais e ex-aliados do presidente, OESP

Vera Magalhães, enviada especial, O Estado de S.Paulo
15 de junho de 2019 | 07h48
Atualizado 15 de junho de 2019 | 19h02


RIO – A abertura da Copa América em São Paulo teve a presença do presidente Jair Bolsonaro, mas, ao seu lado, estava o vice-governador do Estado, Rodrigo Garcia, e não o titular do posto. É que João Doria Jr. teve outro compromisso, no Rio de Janeiro no mesmo horário. O tucano foi o homenageado de um jantar para 400 pessoas oferecido pelo empresário Paulo Marinho e sua mulher, Adriana, na casa de ambos no Rio de Janeiro. 
Marinho é o primeiro suplente de Flávio Bolsonaro (PSL) no Senado. O jantar em homenagem a Doria marca seu ingresso no PSDB e a missão, conferida pelo governador, de revitalizar o partido no Rio com novas filiações e mais capilaridade entre formadores de opinião. Doria recebeu o título de Cidadão do Rio de Janeiro, conferido pela Câmara Municipal, mas entregue excepcionalmente fora do Legislativo.
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Da esq. para a dir.: Paulo Marinho, João Doria, Joice Hasselmann, Henrique Meirelles e Bruno Araújo. Foto: Foto: Vera Magalhães
A casa que recebeu advogados, jornalistas, cineastas, músicos, integrantes do mercado financeiro, empresários e políticos para ouvir Doria é a mesma que Marinho emprestou, na campanha do ano passado, para as gravações dos programas de TV de Bolsonaro. 
Entre os convidados, ex e atuais aliados do presidente, como o ex-ministro Gustavo Bebianno e a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), confraternizavam e conversavam amistosamente.

Filho do anfitrião imita presidente

Não faltou nem espaço para a “participação” do próprio Bolsonaro nos discursos da noite. O filho do anfitrião, André Marinho, conhecido por sua acurada imitação presidencial, “encarnou” o personagem famoso e não deixou de fora nem uma sutil crítica política: “Soube que sua reunião de secretariado tem relógio para atraso, tem apito, tem multa. Eu só falo pro 02 dar um tuíte e tá resolvido isso daí. Já foram dois. Você está entre o Santa e o Cruz”, disse o jovem, como se fosse Bolsonaro, numa referência aos desentendimentos com Carlos Bolsonaro que ceifaram dois ministros (Bebianno e general Santos Cruz).
Joice abriu sua fala fazendo menção ao fato de ser uma espécie de estranha no ninho de novos e velhos tucanos. “Estou aqui com essa patota do PSDB, mas sou PSL”, disse. Ela lembrou que foi na casa de Marinho que nasceu a aliança “Bolsodoria” no segundo turno da eleição presidencial. “O que une esses dois (Doria e Bolsonaro) é uma amizade profunda, leal e honesta”, afirmou ela.
De qualquer maneira, qualquer sinal de “Bolsodoria” parecia ter ficado no passado ontem, no discurso do homenageado – e na própria decisão de trocar o “teste do estádio” ao lado do presidente para estar na base eleitoral dele.
O governador fez um longo histórico de sua vida e das condições que o levaram a trocar a iniciativa privada pela política, vencendo duas eleições em dois anos. Deu tons épicos à narrativa de alguém que começou a trabalhar aos 13 para ajudar a mãe a pagar a conta de luz, dizendo a um público novo que o PSDB, sob o comando de seu aliado Bruno Araújo, também presente, não estará mais no muro.
A fala, longa, proferida no bonito jardim do casal Marinho, foi marcada por dois vigorosos assobios de Doria para pedir silêncio para o público eclético, que mesclava quem prestasse atenção à sua fala, os que se refrescavam com champanhe Taittinger Brut geladíssima, ceviche e carpaccio de vieira, e até um incauto que caiu no lago de carpas da mansão. O jantar só foi servido depois dos discursos.

Centro liberal e escalada política de Doria

A sucessão de 2022 esteve presente nos apelos de Paulo e André Marinho para que Doria dê continuidade à sua escalada política e, subliminarmente, na maneira como o próprio governador fez questão de acentuar as diferenças entre ele e Bolsonaro em seu discurso. Numa das mais incisivas falas com esse objetivo, fez referência duas vezes ao fato de seu pai ter sido cassado pelo “golpe militar de 1964”, fazendo questão de dar uma ênfase na palavra “golpe”.
Também disse que o PSDB será um partido de centro liberal, marcando uma distância ideológica em relação à direita bolsonarista, e acentuou a necessidade de se ter uma abordagem, que chamou de “não paternalista”, para reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil.
Um dos momentos em que foi mais aplaudido foi na enfática defesa que fez do ministro Sérgio Moro, que enfrentou uma semana de questionamentos por conta do vazamento de conversas entre ele e integrantes da Lava Jato. “Moro não fez nada de errado, ele ajudou o Brasil”, disse o homenageado da noite, anunciando que telefonou ao ex-juiz para anunciar que lhe dará a Ordem do Ipiranga, uma das mais prestigiosas comendas do Estado de São Paulo.

O homem das concessões de São Paulo, IG (pauta Rodrigo Garcia)


IstoÉ Dinheiro
João Doria e seu vice
Gilberto Marques/Governo de São Paulo
Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo, detalha plano de redução da máquina pública no estado
Muito antes de ser eleito para seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa paulista, em 1999, o advogado e empresário Rodrigo Garcia, já mantinha uma relação especial com a capital. Até hoje, ele se lembra, com detalhes, das viagens que fazia aos sete anos de idade de São José do Rio Preto, a 440 km da metrópole paulistana, pela Estrada de Ferro de Araraquara, onde costumava se entusiasmar com as cabines leito e a possibilidade de consumir bebidas e comidas nos vagões de restaurante. As rotas ferroviárias de passageiro no estado foram desativadas nos anos 1990 e os trilhos que restaram operacionais acabaram tomados pelas cargas. Com o esforço de Garcia, hoje vice-governador, elas devem voltar a florescer.
Aos 45 anos, o jovem político do DEM preside o Conselho Gestor de PPPs e Concessões estadual, responsável por avaliar os projetos que serão repassados à iniciativa privada. Em menos de seis meses da gestão atual, liderada pelo governador João Doria (PSDB), já foram autorizadas a desestatização de 21 bens públicos, com um potencial de investimentos de cerca de R$ 40 bilhões. O trem intercidades, de 135 Km de extensão entre Americana e São Paulo, com parada em Campinas, é uma prioridade na lista. Para que tome um rumo diferente do passado e saia do papel, porém, será preciso adotar um esforço político adicional, segundo especialistas.
Experiência não falta ao vice-governador. São mais de 25 anos de vida pública, em mandatos no Legislativo, como deputado estadual e federal, e cargos no Executivo. Como secretário estadual de Habitação de Geraldo Alckmin, ele liderou a primeira Parceria Público-Privada (PPP) do setor. Sob o ponto de vista ideológico, Garcia também pode ser considerado um dos nomes mais adequados para a função. Ele foi parte da juventude liberal do então PFL (hoje DEM) desde o ingresso na vida política e se engajou cedo nas discussões sobre a necessidade de um Estado mais enxuto. “Os serviços podem e devem ser públicos. Não precisam ser estatais”, afirmou à DINHEIRO. “A lógica de uma concessão ou de uma PPP é de que é mais barato e eficiente fazer isso numa parceria do que abrir um concurso público, estatizar o serviço.”
No esforço para tirar o trem de Campinas do papel, a parceria com Doria é essencial. A aproximação do governador com o ministro da Infraestrutura, Tarcisio de Freitas, acelerou as negociações para garantir que na renovação das concessões paulistas de cargas, sob responsabilidade do governo federal, seja incluída a previsão para passageiros. O acordo já está praticamente fechado. A previsão é que o leilão saia no início de 2020 . A modelagem está sendo finalizada e ainda não é possível saber se haverá necessidade de aportes estaduais, numa PPP, ou se há viabilidade suficiente para uma concessão, em que o projeto se paga. O investimento total é estimado em R$ 5,6 bilhões. “Entre Campinas e São Paulo é intuitivo imaginar que há demanda para o trem”, afirma Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF). “A existência da demanda não garante que a operação será superavitária, mas não significa que o projeto não se justifique.”
Em todo o mundo, os projetos ferroviários de passageiros costumam receber subsídios governamentais. A sangria de recursos foi o que levou o Brasil a começar a conceder os trechos de trens aos grupos privados, mas a decisão de priorizar as cargas foi uma escolha política. Daí porque o seu retorno também vai além de questões simplesmente técnicas. “A ferrovia foi relegada ao segundo plano no Brasil”, afirma Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). “O sistema Anhanguera-Bandeirantes está estrangulado, mas embora houvesse uma intenção do governo Alckmin em fazer o trem intercidades, talvez não tenha sido tão evidente quanto o da gestão Doria.”
O trem intercidades deve aliviar as rodovias. A previsão é de uma demanda de 470 mil passageiros por dia. Com 319 km, o sistema Anhanguera-Bandeirantes tem um fluxo de 880 mil veículos por dia. A administração estadual quer fazer do intercidades um precursor do resgate do modal ferroviário de passageiros em todo o País. A previsão é de estudos para outros trechos partindo da capital: até Santos, Sorocaba e São José dos Campos, num total de mais de 200 km. “É uma oportunidade de retomar esse modelo, que é um bom modelo”, afirma Garcia. A ideia do trem de passageiros também ganha força em Brasília com os debates sobre mudanças na regulação, para permitir a aprovação dos projetos por autorização e não mais concessão. Ou seja, uma forma mais simples, como já acontece nos EUA, por exemplo. A ideia é que os trechos inviáveis para carga sejam devolvidos à União e possam ser explorados para o transporte de passageiros quando for possível.
OUTROS PROJETOS Antes de leiloar o trem, o estado deve entregar à iniciativa privada um trecho rodoviário, segmento em que São Paulo já tem tradição – o processo nas vias estaduais se iniciou em 1998. A concessão entre Piracicaba e Panorama incluirá a CentroVias e será o maior projeto de estradas, com 1.200 km de extensão. A expectativa é de um investimento de R$ 14 bilhões em 30 anos de contrato. Nela serão testatadas inovações que devem chegar a outras concessionárias, como o desconto para usuários frequentes, em horários flexíveis e pela utilização da cabine automática de pedágio.
Na questão rodoviária, gerou polêmica a decisão do governo de conceder as marginais Tietê e Pinheiros, na capital. O temor entre a população é de que haveria risco de um pedágio urbano. Embora os estudos ainda estejam sendo concluídos, o estado garantiu que não haverá a cobrança na via. Um modelo possível de financiamento seria, por exemplo, atrelar as receitas ao pedágio das vias que dão acesso à capital, a ser pago pela redução da outorga cobrada pelo governo, sem alteração na tarifa. O investimento previsto é de R$ 3 bilhões com execução até 2022.
Há uma gama bastante diversa incluída no plano. Vão desde contratos para despoluição do Rio Pinheiros, até a exploração do serviço de balsas no litoral, parques estaduais e o complexo esportivo do ginásio do Ibirapuera, sem contar a concessão de 21 aeroportos regionais. Outra parte bastante polêmica é a inclusão de PPPs para a administração de quatro presídios estaduais. Para os críticos, há o risco de um encarceramento em massa em busca de lucros e uma redução excessiva dos recursos. O estado conta hoje com 171 unidades e uma população carcerária de 225 mil presos. Outra frente a ser atacada é repassar à iniciativa privada as linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), para finalizar as obras em andamento.
INVESTIDORES Para conseguir atrair a atenção dos investidores, a gestão atual decidiu ampliar o diálogo com potenciais interessados numa plataforma chamada de market sounding, aberta a consultas presenciais e por vídeo conferência aos grupos privados. Os resultados das consultas são repassados diretamente ao vice-governador. Há também parceria com consultores internacionais, como o Banco Mundial, e editais publicados em inglês, para ampliar o alcance aos estrangeiros.
Nesse processo de sondagem de mercado, já é possível identificar uma tendência: o interesse maior de fundos de investimentos nacionais, como o Pátria Investimentos, que arrematou uma das últimas concessões rodoviárias feitas pelo estado. Por meio de fundos de private equity o mercado financeiro vem suprindo um espaço deixado pelo recuo das empreiteiras no pós Lava-Jato. A expectativa é que haverá um interesse “cirúrgico” por projeto, com não mais de cinco grupos.
São Paulo terá de competir com outros estados que tentam repassar seus projsetos à iniciativa privada, além do próprio plano federal. A experiência pesa a favor dos paulistas. “São Paulo sempre honrou com contratos, nunca ficou inadimplente, os técnicos são mais preparados e os projetos mais estruturados”, afirma o sócio de infraestrutura do escritório L.O Baptista Advogados, Alberto Sogayar. “Temos um novo governo bastante liberal, voltado a investimentos privados. O Garcia é muito preparado, é empreendedor. Isso ajuda muito.
Tivemos reuniões muito produtivas.” Como exemplo da diferenciação, o especialista cita os casos da PPPs, que são mais problemáticas. Segundo ele, o risco de entrar num projeto de parceria em outros estados é muito alto e acaba não compensando. Em São Paulo, há ainda ajustes a ser feitos, mas é mais viável. Na ponta dos investidores, pode fazer a diferença a iniciativa do governo paulista de abrir um escritória de representação na China. Trata-se de uma engrenagem completa para tirar o plano do papel.

“O trem vai dar a oportunidade de as pessoas morarem fora de São Paulo e trabalharem aqui”

Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo

Por que é preciso fazer concessões?
Os serviços podem e devem ser públicos. Não precisam ser estatais. A lógica de uma concessão ou de uma PPP é de que é mais barato e eficiente fazer uma parceria do que fazer um concurso público, estatizar o serviço.
No caso das marginais, as pessoas tiveram a impressão de que teriam de pagar um pedágio urbano. É possível detalhar?
Ainda não há a modelagem. Está em estudos.
Sim, mas foi incluída no plano, o que pressupõe uma decisão de conceder.
Porque é melhor? Tem vários contratos de manutenção suportados pela prefeitura. Não são suficientes para entregar uma via do jeito que queremos. Numa concessão ou numa PPP, eu vou pagar um valor por mês para a concessionária e entregar um serviço muito melhor. Vou colocar a marginal como a extensão de uma estrada que chega a São Paulo e o pedágio pago lá sustentará. Para isso o estado vai abrir mão de outorga, em vez de receber um dinheiro, determino que ela invista na manutenção. Com isso, consigo cobrar mais do concessionário e ter um indicador objetivo de qualidade. Se não atingir, não pago.
Na competição entre planos estaduais de concessões, há risco de algum não conseguir atrair investidores?
Tem espaço para todos. Os estados que modelarem bem vão encontrar apetite com o novo Brasil pós-reforma da Previdência.
Só a Previdência é suficiente para atrair o investidor de infraestrutura?
Com a reforma, o Brasil sai da UTI e vai para o quarto do hospital. Ainda não é alta. Vai inaugurar uma série de outras mudanças que beneficiarão os estados. Nossos contratos estão levando isso em consideração. Pretendemos publicar concorrências no meio do ano que vão dar tempo de o investidor avaliar o projeto e contextualizar com o que está acontecendo em Brasília. Esperamos que a reforma saia no meio do segundo semestre.
O plano resgata os trens de passageiros. Por que o estado não conseguiu fazer antes?
O intercidades é prioridade do governador. Restabelece o transporte ferroviário de passageiros intercidades no País. As concessões feitas há 20 anos estabeleceram como prioridade a carga e não o passageiro. O trem vai dar a oportunidade de as pessoas morarem fora de São Paulo e trabalharem aqui. É uma oportunidade de retomar esse modelo. Estamos começando por São Paulo e Campinas, depois será São Paulo – Santos. Estamos estudando alternativas para Sorocaba e São José dos Campos.
As obras do metrô caminham de forma lenta. Como é possível garantir os prazos?
São obras complexas. Tem um problema da regulação dos contratos no Brasil, que limita aditivos e não deixa evitar de contratar uma obra com um grande desconto e que depois lá na frente terá problema. Herdamos muitas obras paradas e o objetivo é retomar todas. As cinco maiores do Estado estão paradas (linha 6, linha 17, 18, rodoanel norte e Tamoios). Tem de ter uma gestão muito próxima, mas volto a dizer. A lei de licitações é ruim para que tenha o cumprimento de prazo.
Fonte: IG Economia