sábado, 25 de maio de 2019

Quem não concordar com o novo PSDB que peça para sair, diz Doria .FSP


Carolina Linhares
SÃO PAULO
Às vésperas da convenção nacional do PSDB, no próximo dia 31, que deve consolidar o poder do governador de São Paulo, João Doria, sobre seu partido, o tucano pregou em discurso para filiados que aqueles que não concordarem com as diretrizes do que ele chama de "novo PSDB" devem deixar a sigla. 
Em evento para filiar sete pessoas na noite de sexta (24), na sede do PSDB em São Paulo, Doria também pregou que tucanos que sejam acusados de irregularidades se afastem do partido para cuidar de suas defesas. Caso inocentados, poderiam voltar à sigla.
Doria afirmou que a discordância é parte da democracia, mas pediu que quem não concorde "peça para sair". A fala foi uma referência ao sociólogo Fernando Guimarães, que coordena a frente Esquerda para Valer dentro do PSDB.
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O governador paulista tem afirmado que o partido deve ser de centro, sem espaço para o que considera extrema esquerda ou extrema direita. 
"O novo PSDB não apaga seus 30 anos de história. [...] Mas, a partir de agora, o partido não vai viver de história, vai fazer diferente. E aqueles que não concordam, não há problema. [...] Nós não estamos aqui construindo o novo PSDB obrigando todos a concordarem. Não há democracia por unanimidade, só ditaduras advogam unanimidade. Mas os que não concordarem peçam para sair. Tenham dignidade, tenham grandeza de defender seus interesses fora do partido", disse. 
À Folha, Guimarães, que é membro do diretório nacional do PSDB, afirmou ter recebido a fala de Doria com surpresa e disse tratar-se de macartismo. "Desafio o governador João Doria a dizer nominalmente qual é a a resolução do PSDB que impede seus filiados a participarem de iniciativas cívicas de defesa da Constituição", disse.​
Já em relação aos acusados de corrupção, Doria afirmou que devem fazer sua defesa fora do PSDB.
"Se alguém fez coisa errada, que pague por isso, que tenha seu julgamento e o direito de defesa pleno. Nós não vamos condenar ninguém antes. Mas peça licença, tenha grandeza, se afaste. Faça sua defesa, se for isento, volte, será bem-vindo, sera aplaudido, será abraçado. Mas enquanto, neste processo, tenha dignidade e o respeito de fazer a sua defesa na plenitude, mas fora do PSDB", disse. 
fala de Doria por regras mais rígidas e menos condescendência do partido com atos de corrupção antecede a criação de um código de ética do PSDB, último ato de Geraldo Alckmin (PSDB) no comando da sigla. No dia 31, o ex-deputado federal Bruno Araújo, aliado de Doria, deve assumir a presidência da legenda. 
O documento, que pela primeira vez na história do PSDB definirá punições para filiados que cometerem irregularidades, será finalizado na próxima quinta (30) e será submetido à aprovação na convenção do dia seguinte. 
A última versão do texto, porém, diferentemente do que prega o discurso de Doria, não afasta imediatamente tucanos acusados de corrupção, como Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo.
O documento determina expulsão após condenação transitada em julgado. Aécio é réu sob acusação de corrupção e obstrução de Justiça por ter sido gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista, da JBS. 
"O Bruno Araújo, ao assumir na próxima sexta-feira, ele sabe a responsabilidade que tem daqui pra frente. Nós não vamos mais jogar poeira e coisa suja embaixo do tapete. Vamos ter que ter a capacidade de julgar de forma correta, de forma isenta, e dar a oportunidade de todo peessedebista andar na rua de cabeça erguida", afirmou Doria. 
Falando sobre dissidentes, caso de Guimarães, o governador paulista parabenizou os dirigentes do PSDB da capital paulista, Fernando Alfredo, e do PSDB estadual, Marco Vinholi, por abrirem um processo no Conselho de Ética do partido para expulsá-lo. 
"Eu gostei, Fernandão, quando você e o Vinholi tiveram atitude corajosa e altiva. Esquerda pra Valer não tem mais espaço no PSDB. Nem extrema esquerda nem extrema direita. Saia e escolha seu partido. É justo."
Guimarães está à frente de um movimento suprapartidário de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), que inclui políticos do PT. O "Direitos Já, Fórum pela Democracia" é também uma iniciativa do advogado petista Marco Aurélio Carvalho. ​
Nesta semana, ao falar das críticas que surgiram direcionadas aos tucanos que integram o movimento, Alckmin alfinetou Doria de forma velada. "É um momento de intolerância, mesmo no meu partido", afirmou. 
Em oposição à velha guarda tucana, Doria vem puxando o partido para o que considera o centro, sem tolerância com a esquerda. Enquanto Alckmin e outros fundadores do PSDB têm buscado resgatar a história do partido e seu vínculo com a social-democracia, o governador paulista fala em renovação.
Sem a presença de Alckmin, que foi um contrapeso ao discurso de Doria na convenção tucana paulista, por exemplo, o governador paulista subiu o tom no evento desta sexta. 
"[O filiado] só não vai ter direito, dentro do PSDB, de estabelecer uma linha diametralmente oposta àquela que todos que estão nessa mesa tem como princípio a partir de agora", disse Doria. 
Outros nomes do PSDB também participam do movimento, mas, segundo a direção do partido em São Paulo, somente Guimarães falou em nome do partido e não como pessoa física e, por isso, é alvo de de sanção. 
Guimarães contesta essa versão. "Em nenhum momento, eu ou quaisquer dos membros que participaram do encontro promovido pelo Direitos Já falaram em nome dos seus respectivos partidos", afirma. "O governador João Doria sequer é presidente do partido, mas age como se o partido fosse uma de suas empresas."
"É inacreditável que um partido cujos líderes tiveram protagonismo na construção da Constituição hoje esteja entregue a uma burocracia covarde e submissa ao poder da caneta, a ponto de agir de forma macartista e perseguir filiados que participam de um movimento cívico que tem por único propósito a defesa dos valores fundamentais da nossa Carta Magna", diz Guimarães. 
"O que o governador João Doria e os dirigentes que cumprem suas ordens pretendem é perseguir todos os militantes históricos, progressistas, que verdadeiramente são social-democratas. Essa é a razão da sua obsessão em expulsar o PSDB Esquerda Pra Valer, movimento que é atuante no partido desde 1993. Ele quer um partido hegemônico, autoritário e uníssono ao seu projeto pessoal", completa. 
Carvalho, em nome do movimento "Direitos Já, Fórum pela Democracia", considerou a fala de Doria "inoportuna" e "uma demonstração inequívoca de o quanto ele é autoritário". 
"Mostra que ele está desconectado dos princípios do PSDB. Ele está desonrando a memória de democratas como Franco Montoro e Mário Covas", disse o advogado petista à Folha

'O desemprego é uma construção social', afirma Domenico de Masi, OESP , definitivo


O sociólogo italiano veio ao Brasil para lançar o livro 'Uma Simples Revolução' e concedeu entrevista ao 'Estado'

Carlos Eduardo Entini, O Estado de S.Paulo
25 de maio de 2019 | 16h00
O sociólogo italiano Domenico de Masi já nos propôs o ócio criativo e agora, em seu último livro, propõe uma revolução, sem pólvora, sem sangue. Mas com novos entendimentos. O principal deles é que vivemos em um sociedade pós-industrial na qual o trabalho é menos necessário para se produzir riqueza e é mais intelectual do que braçal. Consequentemente há o aumento do tempo livre. Portanto, o desemprego, que veio para ficar, é uma questão estrutural e deve ser encarado de outra forma: o trabalho “deve ser redistribuído, como deve ser a riqueza”, explicou De Masi na conversa que teve com o Estado quando visitou São Paulo este mês. Se assim fosse, prossegue o sociólogo, nascido na comuna de Rotello há 81 anos, todos os desempregados estariam ocupados imediatamente. 
Domenico de Masi
O sociólogo italiano Domenico de Masi, autor de 'Uma Simples Revolução' Foto: Hélvio Romero/Estadão
Parece tudo tão simples, certo? Pois para De Masi é assim que tem que ser, porque “o papel do intelectual é transformar as coisas complexas em coisas simples”. É esse o esforço do livro Uma Simples Revolução, recém-lançado no Brasil. Em 81 capítulos, De Masi trata de uma miríade de assuntos, mas sempre com o mesmo objetivo: dar ao leitor um panorama de onde estamos e como aqui chegamos. Segundo o autor, o momento em que vivemos não é o melhor mundo possível, mas certamente o melhor até hoje. 
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Além da redistribuição do trabalho reduzindo a carga horária, a simples revolução viria com o trabalho à distância, a maior presença de mulheres no mercado e de investimentos em todas “as tecnologias possíveis para libertar o homem do trabalho, sempre produzindo mais riquezas”. E, por outro lado, entender que o ócio é produção. Exercê-lo, explica De Masi, é fazer três coisas ao mesmo tempo: trabalho, produzindo riquezas; estudo, produzindo conhecimento e divertimento, produzindo bem estar. Leia trechos da conversa: 

Ensino superior

O problema hoje no mundo não é o PIB, mas a taxa de diplomados. Por exemplo, na Califórnia existem 66%; na Itália, 23%. Portanto A Itália é um país subdesenvolvido em relação à Califórnia. O problema hoje é como ter maior número do formados, porque a láurea hoje é como a quinta série de 100 anos atrás. Na sociedade pós-industrial é o título mínimo. Porque o diploma não serve só para trabalhar, serve para entender o telejornal, a política, saber como educar os filhos, entender a vida do cidadão.

Ócio criativo

A causa da globalização é sobretudo a causa do progresso tecnológico. Conseguimos produzir sempre mais, trabalhando sempre menos. Na Itália, em 1891, éramos 30 milhões e trabalhamos 70 milhões de horas. Em 2018, 61 milhões trabalharam 40 milhões de horas. E produzimos 20 vezes mais. Isso é o que em economia se chama jobless growth (crescimento sem trabalho). O primeiro problema: aumenta o tempo livre. Os nossos bisavós, trisavós viviam 300 mil horas e trabalhavam 150 mil. Hoje vivemos 700 mil e trabalhamos, no máximo, 80 mil. Essa é uma situação rara, não se tem o que fazer. Aumenta o tempo de ócio e ele se torna produção. Nós produzimos enquanto estamos no ócio. Por exemplo, se eu assisto à TV, há um aumento de audiência e cresce a publicidade. Nosso ócio agora é produção. O segundo problema é como mudar o trabalho. Na época de Marx, em Manchester, 94% dos trabalhadores eram operários braçais. Hoje, são 33%. Portanto, não somente foi reduzida a quantidade de trabalho, mas o que permaneceu é predominantemente intelectual. O trabalho intelectual, diferentemente do braçal, se caracteriza em trabalhar, aprender e se divertir. Esse é o ócio criativo. 

Trabalho de desempregado

Um desempregado trabalha mais do que um empregado. Porque para conseguir comer à noite deve fazer mil coisas para ter o mínimo de comida. O desempregado é o trabalhador mais intenso que existe. Ninguém trabalha como os desempregados, eles fazem os trabalhos que nós evitamos, carregam malas, são babás, lavam pratos. Porém os desocupados não têm um lobby, esse é o problema. 

Desemprego

O desemprego é uma construção social. Podemos ter todos os desempregados ocupados imediatamente. Por exemplo, um alemão trabalha 1.400 horas ao ano, em média. A ocupação é de 79%. O desemprego é de 3,8%. Na Itália trabalhamos 1.800 horas ao ano, veja que loucura! Os italianos trabalham 400 horas a mais que os alemães! E temos 58% de ocupação e 11% de desemprego. Se na Itália trabalhássemos 1.400 horas não existiria nenhum desempregado. O desemprego é uma construção social, não é uma fatalidade. Na Alemanha, com 1.400 horas, se produz 20% a mais que na Itália e, portanto, paga-se salários 20% maiores. E isso [redução das horas trabalhadas] incentiva a produtividade e ela se incentiva a si mesma. Hoje na Itália, finalmente, apresentamos um projeto de lei, do qual também participei, sobre a redução do trabalho para 34 horas semanais. Mas na Alemanha, desde 1 de janeiro deste ano, os metalúrgicos trabalham 28 horas e tiveram um aumento de 4,2% no salário. Isso porque a Alemanha entendeu quando menos se trabalha, mais se produz. 

Empresas

A empresa é a instituição mais atrasada que existe no mundo. São mais evoluídos o exército e a igreja do que a empresa. A empresa ficou com a mentalidade de Taylor e Ford em quase todo o mundo. Por exemplo, o papel da mulher nas empresas é ainda um papel de subordinada, enquanto na sociedade o papel da mulher é muito mais paritário. Não é ainda totalmente paritário, mas tem mais paridade na família e na sociedade do que na empresa. Outro exemplo é o trabalho à distância. A maioria dos trabalhadores é formada por intelectuais. Os trabalhadores físicos não podem ir para casa, porque se trabalham na linha de montagem devem ir à fábrica. Os trabalhadores intelectuais trabalham com a informação e graças à internet se recebe informação em qualquer lugar. Portanto, é totalmente inútil que um jornalista vá à redação para trabalhar. Pode trabalhar de casa. É totalmente inútil que milhares de pessoas saiam de manhã de casa, andem quilômetros, gastem gasolina, gastem dinheiro, poluam, tenham acidentes mortais para fazer no escritório aquilo que poderiam fazer em casa. Portanto, toda a organização do trabalho das empresas é ainda feita sob a base da fábrica, da linha de montagem que não existe mais. O resultado qual é? São Paulo, o maior manicômio do mundo. Porque as pessoas saem de casa de manhã para outro lugar. E todos poderiam trabalhar de casa, do bar ou de onde quiserem. O trabalho à distância é a revolução mais simples. Como é a situação de São Paulo hoje? Metade da cidade é vazia de dia, nesse momento existem milhares de apartamentos vazios porque os moradores estão no escritório. E metade da cidade é vazia à noite. Portanto é um manicômio onde os loucos se movem de uma parte a outra sem saber o porquê.

‘Síndrome de Clinton’

Os chefes, de qualquer nível, não querem mudar [para o trabalho a distância]. Eu chamo ‘Síndrome de Clinton’. Quem que não queria a estagiária longe da Casa Branca? Clinton. Cada chefe quer os dependentes abaixo de si. Entretanto existem países inteiros que vivem sob o trabalho à distância, como Holanda e Suécia. Na Itália, 5% trabalham à distância. Se em São Paulo 10% trabalhassem à distância, não existiriam problemas de tráfego. Não custaria nada e todos estariam mais felizes.  

Redistribuição do trabalho 

Os desocupados devem lutar pela redução de horário de trabalho. Não existe nenhuma outra solução para o desemprego. O trabalho deve ser redistribuído como deve ser a riqueza. Não é possível que no Brasil existam ricos e pessoas que morram de fome. Não é possível que no mundo existam 8 pessoas que tenham a riqueza da metade da humanidade. Uma disparidade que nunca existiu no mundo, um homem só que tem a riqueza de 10 estados. Warren Buffett tem sozinho a riqueza do Canadá. Lutem pela distribuição de trabalho, que dela também vem também a distribuição da riqueza. Reduzam o horário de trabalho, porque isso aumenta a produtividade. Empregados, aceitem a redução de horário de trabalho. Primeiro porque isso não reduzirá o salário. Segundo, porque aumentará o tempo livre. Terceiro, aumentando o tempo livre, aumentará a felicidade.  

 Índios e o homem pós-moderno

Como eram as vidas dos índios? Dissemos que pelo jobless growth se trabalhará sempre menos e haverá sempre mais bem-estar. Essa era a situação dos índios, sobretudo dos índios nas zonas quentes do Brasil. Eles não tinham necessidade de roupas, de trabalhar para comer, bastava pescar ou caçar. Portanto eles eram como o novo homem pós-moderno, tinham que trabalhar pouco, como um metalúrgico alemão que trabalha 28 horas semanais. Eu creio que um índio trabalhava ainda menos semanalmente. O que fazia um índio no resto do tempo? Eles se dedicavam acima de tudo à contemplação da natureza, porque eles dizem que existem três níveis na natureza: a floresta, que é a divindade, depois os animais e o homem. E eles tinham uma contínua contemplação da relação entre esses três. Depois tinham o problema de conservar a cultura de sua tribo, ou seja, contar aos outros, aquilo que hoje é um romance, as coisas que aconteceram antes, os mitos. A mais importante expressão era a estética. Qualquer parte do corpo era pintada, qualquer item que carregavam era belíssimo, qualquer presente que se fazia devia ser perfeito, porque a estética era a alma do ser humano. Como a estética era sublime, não podia ser feita num muro, numa folha, deveria ser feita sobre o corpo da pessoa amada e deveria morrer junto ao corpo. Essa é uma visão de vida que eu espero que se torne a visão pós-industrial. O maior tempo livre pode significar drogas, violência, porém pode se transformar nisso que podemos aprender com os índios.