quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

As raivosas redes sociais, Juca Kfouri, FSP

As raivosas redes sociais

Se no futebol o clima sempre foi quente, o da política é ainda mais beligerante

Quem faz jornalismo esportivo está mais que acostumado com a intolerância entre torcedores rivais, que se tratam como inimigos.
Jornalistas que assumem seu clube de coração, então, apanham por ter cão e por não ter.
“Ah, ele escreveu que foi pênalti para o Corinthians? É claro, ele é corintiano!”.
Ou, “até ele que é corintiano reconheceu que não foi pênalti”.
Nunca se admite que “ele” disse que foi ou não foi pênalti porque assim lhe pareceu, independentemente do time dele.
O que antes estava restrito aos estádios, ou às cartas para redação, hoje está facilitado e disseminado pelas redes cada vez mais antissociais.
Acrescente ao time do coração do jornalista a sua posição política e o caldo explosivo para a barbárie está pronto.
Se o dito cujo tiver um blog, então, os ataques passam a ser diretos, sem censura, embora, em regra, com pseudônimo, artimanha inútil porque basta querer para, com mais ou menos trabalho, identificar os valentões.
Como se sabe, tenho um blog no UOL, do Grupo Folha.
Em passado recente, identifiquei um professor universitário, do norte do Paraná, que insistia com xingamentos por detestar um determinado cartola que ele achava ser de meu agrado. Não era, ao contrário, o que esclareci pelo próprio blog. Em vão. 
Um belo dia resolvi escrever para ele anunciando que publicaria seus comentários com nome e sobrenome para que seus alunos tivessem uma ideia de quem era seu professor.
Nunca mais apareceu. 
Outro, já por motivação política, passou dos limites e logo descobri que era dono de uma pousada no litoral paulista.
Também escrevi para ele dizendo que deveria se preocupar com seus hóspedes.
Foi outro a tomar doril.
Na semana passada, no entanto, apareceu um que extrapolou todos os limites.
Ameaçava, alardeava a volta dos tempos da ditadura, dos porões, anunciava que havia servido no Pelotão de Operações Especiais (Pelope), no Paraná, que me acharia onde quisesse (como se fosse difícil). Loucuras tamanhas que a moderação do blog se limitava a jogá-las no recipiente adequado. 
Mas, provavelmente enraivecido por não ver suas barbaridades publicadas, e encorajado pela imaginada impunidade sob a alcunha JConselheiro, exagerou: mandou um comentário sugerindo que meu fim seria o mesmo dos que foram jogados ao mar pelos helicópteros da ditadura. “Cuidado com as postagens contra Bolsonaro! Acho que seu nome já está na lista daqueles passageiros dos famosos helicópteros dos tempos áureos da Ditadura, onde (sic) sobrevoavam mares distantes!(...)boa viagem e até nunca mais!!!”, escreveu.
Logo o identifiquei, apesar de usar o email da esposa, atleticano paranaense e corretor de imóveis.
José Emílio Joly Júnior, 56, estava lá, todo pimpão em sua rede antissocial, com fotos até do tempo em que serviu o exército.
O caso foi entregue ao procurador de Justiça Paulo Marco Ferreira Lima, que comanda o Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público paulista.
Informado de que assim seria, Joly Júnior mandou singelo email ao blog: “Sabemos da lisura deste blog bem como da pessoa que assina, Juca Kfouri. Pedimos desculpas pelas veiculações, em respeito ao blogueiro (Juca Kfouri) bem como aos seus seguidores”.
Como se bastasse, como se fosse suficiente, para alguém que diz conhecer bastidores estarrecedores de tempos tão sombrios. E que até de pedófilo xingou o blogueiro.
É preciso denunciar tipos assim.
Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

Matias Spektor Duas direitas disputam futuro da democracia brasileira, FSP

Diversidade tende a ser disciplinada por uma clivagem fundamental

O campo da direita uniu forças para derrotar o petismo, mas a aliança nunca foi óbvia ou natural. Para acontecer, ela demandou que várias facções se resignassem ao peso eleitoral de Jair Bolsonaro
Com o governo empossado, a disputa entre esses grupos voltará à superfície. Mas, desta vez, toda a diversidade da direita brasileira tende a ser disciplinada por uma clivagem fundamental.
De um lado, a direita formada na esteira da globalização. Trata-se de um grupo de talho liberal. Em política, seu compromisso maior é com o constitucionalismo, o Estado de Direito e a garantia de liberdades individuais e das minorias. 
Na economia, essa turma vê no mercado e na abertura ao mundo os melhores mecanismos para lutar contra os grupos de interesse que inviabilizam o controle do gasto público.
Em relações internacionais, esse grupo advoga por instituições globais com peso suficiente para contrapor a força centrífuga dos nacionalismos. Para esse pessoal, o nacionalismo é usado por grupos que lutam para manter o Brasil arcaico como escudo de proteção de privilégios.
Do outro lado, está a direita conservadora. Hoje democrática, ela prega eleições livres e competitivas e dá provas de que pode ganhá-las com folga. Seu compromisso maior é com os ideais de nação, família tradicional e fé cristã. Ela rejeita o multiculturalismo, a normalização da família não-tradicional e a laicidade —marcas distintivas da direita liberal. 
Em política exterior, a direita conservadora rechaça organizações internacionais por vê-las como títeres de uma elite global comprometida consigo mesma, ao arrepio das maiorias eleitorais de cada país soberano. Para esse pessoal, o nacionalismo é condição necessária para um mundo mais estável, justo e afluente. 
A direita conservadora brasileira não é nova, é claro. Só que sua posição durante o longo condomínio tucano-petista foi periférica. Agora, ela volta com a autoconfiança de quem sabe ser parte de uma onda transnacional, da mão de Donald Trump (Estados Unidos), Viktor Orbán (Hungria) e Bibi Netanyahu (Israel). 
Se a direita liberal é cosmopolita e tecnicista, a conservadora é nacionalista e populista. Nos últimos 30 anos, ambas provaram ter capacidade de ganhar no voto. Também foram capazes de costurar uma aliança entre si. Mas seus propósitos são irreconciliáveis. 
Sua batalha agora é sentida na arena institucional do novo governo. Economia Justiça por um lado. Educação, Relações Exteriores e Direitos Humanos por outro.
O fiel da balança será o establishment militar, onde há liberais e conservadores.  
O resultado desse embate definirá o futuro da direita e da democracia brasileira, que poderá ser liberal ou não.
Matias Spektor