domingo, 9 de dezembro de 2018

De Manchinha@auau para Todo Mundo, Elio Gaspari ,FSP

O segurança do Carrefour acabou com minha vida de cachorro, mas vocês devem pensar mais nos bípedes

Amigos,
Estou aqui com o “Juquinha”, ele era o cachorro do Sérgio Cabral, gostava da casa de Mangaratiba, mas morria de medo quando era posto no helicóptero do governo do Rio. “Juquinha” veio para cá em 2015, antes que seu poderoso dono fosse para a cadeia.
Eu era um cachorro de rua, vivia em Osasco e comia o que me davam num supermercado Carrefour. Um bípede me atacou com uma barra e acabei morrendo quando me levaram para uma unidade de atendimento de bichos. A empresa culpa os agentes da prefeitura e eles culpam o segurança. Não me meto, pois isso é briga de gente grande.
Em nome dos animais agradeço comovido a solidariedade que recebi. Milhares de pessoas manifestaram-se, a polícia abriu inquérito, o Ministério Público está investigando o caso e a Secretaria da Segurança lastimou a minha morte. O Carrefour informou que “repudia qualquer tipo de maus-tratos contra animais”. Cão que ladra não morde. E vocês?
O Juquinha ouvia todas as conversas de Sérgio Cabral. Ele dizia que as favelas do Rio eram fábricas de marginais, era aplaudido, eleito e reeleito. Conselho de cachorro: direcionem melhor suas indignações.
Faz tempo, os seguranças de um supermercado Carrefour do Rio entregaram a bandidos de Cidade de Deus duas senhoras flagradas roubando protetores solares. Elas foram espancadas até que uma
patrulha da PM as salvou.
Naquele episódio o Carrefour divulgou uma primeira nota informando que afastou os seguranças e abriu uma sindicância. Só. Repúdio, nem pensar. (Qualquer cão sabia que empresas recorriam a milicianos associados a bandidos para proteger seus negócios. Deu no que deu.)
Vira e mexe, vocês leem que agentes da segurança pública entraram em bairros de pessoas pobres, confrontaram-se com bandidos e mataram “suspeitos”. Nossa inteligência canina não entende o que seria um “suspeito”. De quê? Em casos extremos, dois “suspeitos” de portar armas foram abatidos. Um carregava uma furadeira e o outro, um guarda-chuva.
Cachorro não vive de atacar cachorro. Sou um vira-lata e convivi bem com os outros quadrúpedes. Nós somos amigos dos bípedes e o mundo viu o “Sully” deitado junto ao caixão do George Bush, pai.
Vocês é que atacam os outros.
Reclamem sempre que um bicho for maltratado, mas eu o “Juquinha” sugerimos que cuidem também dos bípedes. Saudações caninas.
Manchinha
Manifestantes protestam no estacionamento do supermercado Carrefour, em Osasco, onde morreu o cachorro Manchinha - Taba Benedicto/Folhapress
Frituras
Em qualquer país e em qualquer governo, as semanas que antecedem a formação de um ministério são aquelas em que acontecem as grandes frituras.
O senador Magno Malta fritou-se em óleo quente. Algum dia Bolsonaro dirá quais foram os critérios em que o seu “vice dos sonhos” não se “enquadrou”.
O advogado Gustavo Bebianno, soldado de Bolsonaro desde a primeira hora, poderia ter sido chefe da Casa Civil e ministro da Justiça, mas tornou-se Secretário-Geral da Presidência, com um general da reserva na secretaria-executiva.
O deputado Onyx Lorenzoni, outro veterano da campanha, foi para uma Casa Civil fatiada, com outro general da reserva na Secretaria de Governo.
Caos trumpesco
Donald Trump usa sua conta numa rede social para centralizar a voz do seu governo. A turma de Jair Bolsonaro usa as suas para articular o caos.
Falta menos de um mês para a posse e os bate-bocas do pessoalsuperam, de muito, os ataques da oposição.
Nem o PT com suas facções fazia tanto barulho com o fogo amigo.
Gatilho rápido
Jair Bolsonaro precisa ser rápido no gatilho no caso do PM que foi motorista de seu filho e movimentou R$ 1,2 milhão em 12 meses (R$ 100 mil por mês). Um cheque de R$ 24 mil foi para Michelle, sua mulher.
Mão de Moro
Tem gente convencida de que o futuro ministro Sergio Moro tentará colocar o procurador Deltan Dallagnol na Procuradoria-Geral da República quando terminar o mandato de Raquel Dodge.
Um mestre
Sergio Moro deveria dar uma olhada na atuação do procurador Robert Mueller, que está infernizando a vida de Donald Trump.
Ele dirigiu a Polícia Federal americana por 12 anos. Excedeu o prazo permitido por lei e foi mantido por decisão especial e unânime do Congresso.
Como Moro, ele gosta de botar delinquentes na cadeia, mas enquanto esteve no FBI só abriu a boca para louvar seus agentes. Agora, não diz nem bom dia à imprensa.
Essa conduta tem uma explicação: o FBI foi criado e dirigido por 48 anos por J. Edgar Hoover, um mastim que emparedava presidentes e manipulava a imprensa com a destreza de um bailarino.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e pediram-lhe para julgar a atitude do ministro Ricardo Lewandowski ameaçando prender um cidadão que lhe disse ter vergonha do Supremo Tribunal Federal.
Foi carteirada ou defesa da instituição? O cretino refletiu, analisou os últimos julgamentos do Supremo e decidiu pedir vista.
Eremildo acredita que se aquele projeto de maio de 1888 fosse mandado ao STF, algum ministro teria pedido vista.
Sábio
De um parlamentar que conhece o chão do Congresso e os salões do governo, ao ouvir falar das virtudes e consistência da “bancadas temáticas”:
“Não adianta você oferecer remédio para quem acha que não está doente”.
Parlamentares experientes ficam na arquibancada durante os primeiros meses de novos governos e de novas legislaturas. Dali estudam as equipes em campo.
Delírio
Antes da instalação de um novo governo os poderosos da ocasião podem tudo, inclusive delirar.
Do entorno de Jair Bolsonaro saiu a informação de que o juiz Marcelo Bretas poderia ser nomeado para o Superior Tribunal de Justiça. Podem até querer que ele voe, mas para o STJ não podem mandá-lo.
Bretas é um juiz federal da primeira instância. A Constituição prevê que o STJ seja composto por desembargadores federais, estaduais, procuradores e advogados de militância privada.
Todos precisam entrar em listas tríplices saídas do próprio STJ. Só então é que o caso se resolve com a caneta do presidente.
Às vezes, é mais fácil nomear um desembargador para o Supremo do que para o STJ. Foi o que ocorreu com Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie.
Mais uma tunga
Enquanto alguns livreiros e editores tentam tabelar o preço dos livros, proibindo descontos superiores a 10% no primeiro ano das vendas, apareceu uma nova tunga, desta vez vinda da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. Foi aprovado um projeto obrigando as editoras a oferecer de graça as versões eletrônicas dos livros aos compradores das obras impressas.
Uma coisa nada tem a ver com a outra. Os ebooks geralmente são mais baratos, mas suas edições implicam em custos adicionais. São dois mercados diferentes e a proposta serviria apenas para encarecer os livros.
O que parece uma ideia que favorece o consumidor acaba sendo o oposto. Quem quer um livro de papel acaba obrigado a pagar mais, para receber uma coisa que não quer. E quem quer só ebook acaba pagando pelo volume de papel, que não lhe interessava.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

    AI-5 atingiu pelo menos 1.390 pessoas nos dois primeiros anos, FSP


    Rubens Valente, Naief Haddad, Marco Rodrigo Almeida e Laíssa Barros
    BRASÍLIA E SÃO PAULO
    Por volta das 23h de 13 de dezembro de 1968, no Palácio das Laranjeiras, no Rio, Gama e Silva, ministro da Justiça, e o locutor Alberto Curi anunciaram o texto do Ato Institucional nº 5, o AI-5. Minutos antes, Gama e Silva tinha participado de reunião com o presidente da República, Costa e Silva, e os integrantes do Conselho de Segurança Nacional, formado pelos ministros e pelos principais chefes militares.
    Nesse encontro, o governo federal havia sacramentado as medidas do decreto. Quatro anos e oito meses depois do golpe, começava o período mais duro da ditadura.
    O AI-5 conferia ao presidente poderes quase ilimitados, como fechar o Congresso Nacional e demais casas legislativas por tempo indeterminado e cassar mandatos.
    Também poderia suspender direitos políticos e demitir ou aposentar servidores públicos. Suspendia-se ainda a garantia de habeas corpus em casos como crimes políticos.
    Nenhuma dessas medidas estava sujeita à apreciação da Justiça. "Foi uma radicalização que elevou em muito o patamar de arbítrio do regime", diz o historiador José Murilo de Carvalho. "O AI-5 representou uma vitória da linha dura militar, cujas medidas afetaram profundamente direitos civis e políticos considerados básicos numa democracia."
    No dia 13 de dezembro de 1968, no Palácio Laranjeiras, é editado pelo então presidente Artur da Costa e Silva o Ato Institucional nº 5. Com o AI-5, o regime militar passava a ter o poder de fechar o Congresso. Credito Arquivo / Folhapress
    No dia 13 de dezembro de 1968, no Palácio Laranjeiras, reunião comandada por Costa e Silva sacramenta o AI-5 Foto: Folhapress
    Documentos produzidos pelos militares e relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV) mostram que o endurecimento promovido pelo AI-5 atingiu pelo menos 1.390 brasileiros até 31 de dezembro de 1970 em diversos setores e diferentes escalões da vida pública no país.
    De três ministros do Supremo Tribunal Federal (Vitor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), aposentados à força, a dois auxiliares de portaria do Ministério do Trabalho (Gumercindo Libório Morais e José Zacarias da Silva), que foram demitidos sumariamente.
    De cinco senadores (Aarão Steinbruch, João Abrahão Sobrinho, Arthur Virgílio Filho, Mário de Souza Martins e Pedro Ludovico Teixeira), cujos mandatos foram cassados, a um encanador demitido pelo Exército (Aloisio Rocha).
    Em relação aos documentos militares, a Folha compilou os dados que constam de papéis guardados no Arquivo Nacional, em Brasília, e produzidos pelo extinto CSN (Conselho de Segurança Nacional), órgão de assessoramento direto do presidente da, e pelo Ministério da Aeronáutica.
    Ao longo desse período, foram atingidas 80 mulheres, incluindo professoras, advogadas, deputadas, militantes da esquerda armada e até duas militares das Forças Armadas. Elas representam 6% do total.
    Os efeitos do ato envolvem diversas patentes, de soldados do Exército a um almirante da Marinha (Ernesto de Mello Baptista), transferido de unidade. Além dos ministros do STF, outros 27 magistrados foram atingidos, incluindo oito da área trabalhista e o ministro do STM (Superior Tribunal Militar) Pery Constant Bevilacqua (1899-1990), aposentado à força por ser considerado adversário do governo.
    Em 1976, o ex-ministro disse a escritores que o entrevistaram: "O AI-5 foi o maior erro jamais cometido em nosso país e comprometeu os ideais do movimento de 31 de março [de 1964]. Os fatos a que nos referimos levam à conclusão de que será sempre preferível suportar um mau governo a fazer uma boa revolução".
    Em janeiro de 1969, a jornalista e dona do "Correio da Manhã", Niomar Moniz Sodré Bittencourt (1916-2003), teve os direitos políticos suspensos e foi presa. Além dela, que estava à frente de um jornal crítico da ditadura desde o golpe militar, em 1964, seis jornalistas foram afetados nos dois primeiros anos da vigência do AI-5.
    Também em 1969, em abril, os direitos políticos de um dos mais importantes jornalistas e romancistas do país Antonio Callado (1917-1997) foram suspensos. O autor de "Quarup" também acabou sendo preso -a cassação foi revogada posteriormente.
    O poeta e compositor Vinicius de Moraes (1913-1980) foi aposentado à força no Itamaraty em abril de 1969, no mesmo dia em que foi punido, com a aposentadoria na USP, Caio Prado Júnior (1907-1990), político, historiador e considerado um dos principais intelectuais do país.
    DECISÕES SUMÁRIAS
    Os expurgos ocorriam em ondas, após decisões sumárias tomadas pelo CSN a partir de processos administrativos que não abriam espaço para defesa e duravam poucos dias ou semanas.
    Para provar que a pessoa merecia ser punida, o CSN se valia de todo tipo de informação produzida pela repressão, como informes confidenciais produzidos pelo SNI (Serviço Nacional de Informações), peça da máquina de espionagem criada logo após o golpe de 1964.
    Os informes eram feitos sem o conhecimento da pessoa sob investigação e podiam ser alimentados com meros boatos não confirmados, distribuídos por adversários do político.
    As listas dos punidos eram publicadas no Diário Oficial e anunciadas pela imprensa. Em 15 divulgações de dezembro de 1968 a abril de 1969, 452 pessoas foram atingidas de alguma forma, incluindo 93 deputados federais em exercício do mandato. A maioria teve os direitos políticos suspensos por dez anos, o que implicava a perda imediata do cargo.
    "Na fase inicial do AI-5, havia muito improviso na organização do sistema repressivo. Era um trabalho por espasmos", diz à Folha David Lerer, à época deputado federal do MDB paulista. O nome de Lerer, 81, apareceu na primeira lista de cassações após a decretação do ato.
    O AI-5 também abriu caminho para o recrudescimento da repressão militar contra opositores à ditadura e integrantes dos grupos de esquerda que haviam adotado o caminho da guerrilha.
    Guerrilheiros trocados em 1969 pelo embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, posam para foto em frente ao avião Hércules 56, da FAB. Foto: Divulgação
    Guerrilheiros trocados em 1969 pelo embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, posam para foto em frente ao avião Hércules 56, da FAB. Foto: Divulgação
    Sete meses depois do ato, em julho de 1969, o 2º Exército e o governo de São Paulo criaram, com apoio financeiro de empresas privadas, a Oban (Operação Bandeirante), unidade formada por policiais civis e militares para perseguir militantes da esquerda.
    A ditadura ainda estava abalada pelo ataque, em janeiro, liderado pelo capitão Carlos Lamarca (1937-1971) ao quartel de Quitaúna, em Osasco, na Grande São Paulo, de onde levou armas e munições.
    No ano seguinte, em outubro de 1970, o modelo criado pela Oban foi difundido pelo interior do país, mas agora sob o guarda-chuva do próprio Exército, com a criação de unidades do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), que deu sequência à caçada aos integrantes da esquerda armada, com muitos episódios de tortura e execução de presos já dominados.
    Da edição do AI-5 a dezembro de 1970, ao menos 44 militantes de esquerda foram mortos, incluindo um dos nomes mais procurados pelos militares, Carlos Marighella (1911-1969), abatido a tiros em São Paulo, e outros 11 foram presos e dados como desaparecidos.
    O total de 55 em dois anos corresponde a 13% de todos os mortos e desaparecidos nos 21 anos de ditadura militar, segundo o número da Comissão Nacional da Verdade.
    Fusca com vidros quebrados por tiros em que foi encontrado o corpo do guerrilheiro Carlos Marighella após ação da polícia em 1969
    Fusca com vidros quebrados por tiros em que foi encontrado o corpo do guerrilheiro Carlos Marighella após ação da polícia em 1969 - Reprodução
    Como se sabe, o ano de 1968 foi um período marcado pela contestação política e comportamental em todo o mundo. No Brasil, a resistência civil também exibia um fôlego crescente.
    O enterro do estudante Edson Luís, assassinado por policiais no Rio, atraiu dezenas de milhares de pessoas a um protesto contra o regime militar, em março. Três meses depois, ocorreu a manifestação contra o governo e a violência policial, que ficou conhecida como a Passeata dos Cem Mil.
    Os movimentos estudantis e operários ganhavam força ao longo do ano.
    No campo oposto, a chamada linha dura (os militares mais radicais) defendia medidas enérgicas para fazer frente ao que via como uma "guerra revolucionária".
    "Havia em 1968 um movimento gigantesco de contestação nas ruas. Era um ambiente de grande tensão", diz Delfim Netto, à época ministro da Fazenda do governo Costa e Silva. Entre os 24 membros do Conselho de Segurança Nacional que participaram da reunião no Rio, Delfim, 90, é o único que está vivo.
    O ex-ministro critica a linha dura ("extremamente nacionalistas, de uma visão muito curta"). No entanto, ele pondera que a situação do país naquele momento era "bastante complicada".
    Para o ex-deputado David Lerer, a tensão poderia ter sido contornada. "O limiar do ponto de ebulição dos militares era extremamente baixo. Ferviam com qualquer coisa."
    De qualquer modo, o atrito entre o Planalto e os parlamentares da oposição cresceu em 12 de dezembro com a decisão da Câmara de negar a licença pedida pelo governo para processar o deputado Marcio Moreira Alves (1936-2009).
    Pouco mais de três meses antes, em discurso na Câmara em 3 de setembro, Moreira Alves (MDB-RJ) havia protestado contra a violência dirigida a estudantes e a outros ativistas da oposição e convocado a sociedade a boicotar os desfiles militares de Sete de Setembro. "Quando o Exército deixará de ser um valhacouto de torturadores?", indagou.
    075801_0.tif. Policiais prendem 920 estudantes durante congresso clandestino da UNE, em Ibi?na (SP), em 11 de outubro de 1968. (Folhapress)
    Policiais prendem 920 estudantes durante congresso clandestino da UNE, em Ibiúna (SP), em 11 de outubro de 1968. Foto: Folhapress
    Para Delfim, "foi uma provocação inteiramente despropositada". O discurso "caiu muito mal entre os militares. Foi a gota d"água para o endurecimento do regime", recorda-se David Lerer, colega de partido e amigo de Moreira Alves.
    Em uma sessão marcada pela fala do deputado Mário Covas (1930-2001) em defesa da autonomia do Poder Legislativo, o pedido pela punição de Moreira Alves foi rejeitado por 216 votos a 141.
    Era a pior derrota política do regime militar desde a tomada do poder em 1964. Mais de 90 parlamentares do partido governista, a Arena, votaram a favor de Moreira Alves.
    No plenário, a vitória foi celebrada ao som do Hino Nacional e com vivas à democracia. Estava criada uma crise institucional, opondo o Congresso às Forças Armadas.
    No dia seguinte, uma sexta-feira 13, o presidente Arthur da Costa e Silva (1899-1969) convocou a reunião do Conselho de Segurança Nacional. Surgiram poucas objeções, mesmo que veladas, às medidas propostas pelo ato.
    "O que me parece, adotado esse caminho, o que nós estamos é [...] instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura", afirmou o vice-presidente, Pedro Aleixo, o único integrante da mesa a revelar uma preocupação clara com as novas propostas.
    É preciso "acabar com estas situações que podem levar o país não a uma crise, mas a um caos de que não sairemos", declarou Augusto Rademaker, ministro da Marinha.
    Delfim, que também apoiou enfaticamente as medidas durante a reunião do conselho, diz não se arrepender da posição tomada 50 anos atrás.
    "Quando o futuro virou passado, você adquire uma outra visão. Com a situação que eu via naquele instante e com o conhecimento que tinha, eu repetiria o fato", afirma Delfim, colunista da Folha.
    "Mais tarde, eu assinei a Constituição de 1988, com todos os direitos do artigo 7º [abrange direitos dos trabalhadores urbanos e rurais]."
    No texto do AI-5, Costa e Silva afirmava que seu governo resolvera editar o decreto em concordância com os propósitos da "revolução brasileira de 31 de março de 1964", que visavam dar ao país "autêntica ordem democrática".
    Era imperiosa, dizia, a adoção de medidas que impedissem que tal ordem e a tranquilidade fossem comprometidas por processos subversivos.
    No livro "A Ditadura Envergonhada", primeiro dos cinco volumes de série sobre o governo militar, o jornalista Elio Gaspari assim resume o encontro no Laranjeiras:
    "Durante a reunião falou-se 19 vezes nas virtudes da democracia, e 13 vezes pronunciou-se pejorativamente a palavra ditadura. Quando as portas da sala se abriram, era noite. Duraria dez anos e 18 dias."
    O Congresso Nacional foi fechado e só reabriu em 21 de outubro de 1969.
    Manifestantes fazem protesto contra a ditadura, no centro do Rio, em ato conhecido que ficou conhecido como Passeata dos 100 Mil, em 1968.
    Manifestantes fazem protesto contra a ditadura, no centro do Rio, em ato conhecido que ficou conhecido como Passeata dos 100 Mil, em 1968. - AJB
    Três meses depois da decretação do AI-5, permitiu-se a encarregados de inquéritos políticos prender quaisquer cidadãos por 60 dias, 10 dos quais em regime de incomunicabilidade. Segundo Gaspari, colunista da Folha, esses prazos se destinavam a favorecer o trabalho dos torturadores.
    Há registros de tortura desde os primeiros dias da ditadura militar, mas a repressão ganhou intensidade após o AI-5, sobretudo no governo de Emílio Médici (1969-1974).
    Rompia-se, a partir daí, parte expressiva do apoio civil ao regime. "O AI-5 aumentou a repressão e fez com que setores da oposição recorressem também a ações armadas. Criou-se um círculo vicioso de violência, tortura e assassinatos de dimensão nunca antes vista no país", afirma o historiador José Murilo de Carvalho.
    Em artigo recém-publicado pela Revista Brasileira de História, Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, examina as origens do ato.
    De acordo com ele, a perda de prestígio e o isolamento político da ditadura, materializados na derrota na Câmara no caso Moreira Alves, estimularam a resposta autoritária dos agentes militares.
    Pressionado à esquerda e à direita, vendo ruir os pilares de seu governo, Costa e Silva aceitou a demanda dos grupos militares mais radicais.
    O governo já dispunha de instrumentos para reprimir revolucionários de esquerda. O novo ato autoritário, conclui Sá Motta, se prestava sobretudo a enquadrar dissidentes da própria ditadura, segmentos da elite (Congresso, Judiciário, imprensa, universidades) que apoiaram o golpe de 1964, mas se distanciaram em seguida.
    "Se havia ainda dúvida de que o regime era uma ditadura governada por militares, isso cai em 68. Os militares foram ainda mais preponderantes no governo, e os parceiros civis tiveram papel mais apagado. A Arena, que servia para dar algum verniz democrático ao regime, entrou em ostracismo nos anos seguintes."
    O AI-5 teve seu fim em 31 de dezembro de 1978, no governo Ernesto Geisel, em meio ao processo de abertura política. A ditadura, porém, resistiu por mais seis anos.
    Colaborou EDMIR FARIAS

    Militares falharam em não combater comunismo, diz Olavo de Carvalho em 1ª Cúpula Conservadora, FSP

    Anna Virginia Balloussier
    FOZ DO IGUAÇU (PR)
    Caro conservador, não se engane: a esquerda pode estar cambaleante em tempos que consagraram o americano Donald Trump, o brasileiro Jair Bolsonaro (PSL), o britânico Brexit e os franceses “coletes amarelos”.
    Mas quem é vivo sempre aparece, e, da mesma forma que não foi sepultado com a queda do Muro de Berlim, o marxismo pode voltar à cena se a direita não ficar esperta. Eis a tônica da primeira Cúpula Conservadora das Américas, promovida neste sábado (8) sob batuta do deputado reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente eleito.
    O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, sedia a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu (PR), em 8 de dezembro de 2018
    O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, sedia a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu (PR) - Anna Virginia Balloussier/Folhapress
    Ícone máximo do dia, Olavo de Carvalho aparece no telão acendendo seu cachimbo de praxe, assoa o nariz, toma o gole do que parece ser um trago alcoólico e discorre sobre os pecados da esquerda, pelo que dá para entender de um discurso picotado por problemas técnicos.
    [ x ]
    Pouca gente compreende o que diz, a começar pela intérprete de Libras, que parece perdida em vários momentos. Em dado momento, sua esposa o informa que o público do outro lado do planeta não está escutando direito o que diz. Ele continua.
    O que dá para ouvir: que Olavo, um dos totens do conservadorismo anabolizado no Brasil com a vitória de Jair Bolsonaro, autor de “O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota”, está preocupado.
    Reaviva o fantasma do comunismo: “Vocês não têm ideia do que é KGB, da magnitude do inimigo. É capaz de fazer picadinho de qualquer partido [conservador] em dez minutos”.
    Para ele, que vive nos EUA, o regime militar pecou ao não investir nas chamadas guerras culturais. Não produziu, por exemplo, cartilhas anticomunistas, afirma Olavo enquanto sua mulher prepara coquetéis no fundo da cena.
    O escritor e jornalista Olavo de Carvalho durante participação por meio de videoconferência na Cúpula Conservadora das Américas - Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Folhapress
    O problema, segundo Eduardo, admirador do coronel condenado por tortura Carlos Alberto Brilhante Ustra, é que a ditatura só se ocupou de dar cabo da guerrilha. “O outro lado continuou solto.”
    “Ai, deixa eu tirar uma fotinho bem bacana”, diz uma monarquista de Cascavel (PR) que se identifica como Nani Napoleão, idade não revelada. Com uma camisa onde se lê “direita concentrada” nas costas (na frente, os rostos de Bolsonaro e seu vice, o general Antonio Hamilton Mourão) empolga-se ao avistar um legítimo herdeiro da família real brasileira.
    Deputado eleito pelo PSL, o “príncipe” Luiz Philippe de Orleans e Bragança, outrora possibilidade de vice de Bolsonaro, está no rol de palestrantes que falarão no primeiro debate do dia: ele, Olavo de Carvalho, Orlando Gutierrez, um doutor em filosofia que está ali para representar os exilados cubanos nos EUA, e Roderick Navarro, venezuelano do grupo Rumbo Libertard, oposição a Nicolás Maduro.
    A maioria ali, como Nani, se diz se saco cheio de anos de monopólio esquerdista no campo intelectual. Há o momento oficial para formar filas e tirar foto ao lado de Bolsonaro, em frente ao painel do evento patrocinado pela Fundação Índigo, do PSL.
    Entusiasta da monarquia, Nani Napoleão participa da Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu (PR), em 8 de dezembro de 2018
    Entusiasta da monarquia, Nani Napoleão participa da Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu (PR) - Anna Virginia Balloussier/Folhapress
    O coaching e historiador Marcelo Frazão, 50, conta que abandonou a carreira universitária por se sentir perseguido por causa de sua ideologia destra. Exemplo: acha que o conceito de ditadura de direita é balela. Há, isso sim, “movimentos militares que reagem à expansão do socialismo”, argumenta.
    “Todas as ditaduras são de esquerda marxista”, afirma, incluindo nesse pacote do italiano Benito Mussolini ao espanhol Francisco Franco. “Mussolini era um marxista desde que nasceu.”
    Ora, argumentam os ali presentes: se a esquerda tem o Foro de São Paulo, o Fórum Social Mundial e toda a sorte de antro comunista, estava mais do que na hora dos conservadores criarem seu próprio espaço de pensamento, com “pessoas de bem”, dispostas a abraçar o slogan bolsonarista por excelência: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
    “A América Latina está junta para dizer não ao socialismo, não ao Foro de São Paulo. Não seremos a próxima Venezuela”, diz Eduardo Bolsonaro na abertura do evento, realizado no salão de um hotel de Foz do Iguaçu (PR), sua mãe, Rogéria Bolsonaro, na primeira fila com um imponente penteado loiro.
    A cidade é famosa por suas cataratas e agora, brincam na plateia, por outro tipo de enxurrada, a conservadora. Na rede de wi-fi, uma das conexões foi batizada de “petista não é gente”. Numa arara, produtos da marca Camisetas Opressoras (do irônico mote “muito mais opressão”) à venda, uma delas com os dizeres “Olavo tem razão”.
    Também estão lá o presidente do PSL, Luciano Bivar, o advogado do partido Gustavo Kfouri e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), deputado reeleito com apoio do pastor Silas Malafaia. Outras mesas previstas para mais tarde contariam com um senador paraguaio sequestrado por guerrilheiros de esquerda, Fidel Zavala, o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e Miguel Angel Martín, que já presidiu a corte suprema venezuelana e hoje está exilado nos EUA.
    Bivar avisa que tem “apenas uma coisa a dizer”: “Esse encontro está um pouco atrasado, mais ou menos 28 anos”. Afinal, eis “a grande verdade”: “Falar de liberalismo era algo fora de contexto, sobretudo para cientistas sociais da América Latina”. Tem que mudar isso aí, tá ok?
    Antes da mesa inaugural, a plateia assiste a um trecho de um documentário, “As Raízes do Problema”, que joga no colo da Escola de Frankfurt, que reuniu pensadores como Theodor Adorno, a responsabilidade de atacar a educação aprendida em casa, com os pais, e na igreja, por exemplo. Tudo em nome da “utopia comunista”.
    Solo fértil para Jacques Derrida e sua teoria desconstrutivista. Dá para ressignificar da Bíblia (transmutado num livro para impor a superioridade de uma raça ou de um sexo) a William Shakespeare (misógino). Seria a praga do relativismo cultural, que atende a uma agenda política de esquerda, conforme a tese do filme.
    No filme, o escritor David Horowitz, um conservador convertido após atuar por anos como ponta de lança da Nova Esquerda americana, define o embate entre progressistas e conservadores como uma luta entre Godzilla e Bambi. “Nos chamam de racistas, sexistas, homofóbicos, imperialistas. Nós os chamamos apenas de… liberais [nos EUA, selo para progressistas]”.
    Do Brexit aos protestos dos “coletes amarelos” na França, e obviamente a eleição de Donald Trump, são muitos os sintomas de uma onda conservadora, afirma Orleans e Bragança —alguém que, “como eu, carrega um sobrenome indissociável”, brinca Eduardo Bolsonaro.

    “O comunismo fere a natureza humana”, diz Gutierrez, que parece contente ao ouvir Eduardo dizer que adoraria que o Brasil sediasse um tribunal para crimes cometidos pelo regime cubano.
    Navarro diz que “a verdadeira oposição venezuelana é uma resistência composta por civis e militares”. E uma frente por excelência anticomunista e conservadora em seus valores. Hermana, portanto, do movimento que saiu fortalecido das urnas brasileiras.
    “Vira e mexe a gente escuta alguém falando em regulamentação da internet”, diz o filho de Bolsonaro, eleito presidente com uma campanha sob suspeita de usar uma oferta ilegal de mensagens deWhatsApp.
    Seria um “tema temerário”? Joga a pergunta para Orleans e Bragança.
    “Completamente contrário”, responde o “príncipe”, que atenta ao “direito fundamental da liberdade de expressão”. Ele lembra de Cuba, China e Coreia do Norte, uma trinca que controla com mão de ferro o acesso de sua população à internet. “É muito fácil bloquear textos seletivos, internacionais.” Assim o pensamento divergente sufoca, diz.