quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Bolsonaro deixa de exercer papel de líder diante de intolerância, FSP


Jair Bolsonaro afirmou que dispensa o apoio de quem pratica violência contra seus opositores. No lugar de uma condenação veemente, publicou uma mensagem com um esforço banal de se descolar de ataques com motivação política registrados nos últimos dias: “A este tipo de gente peço que vote nulo ou na oposição por coerência”.
A não ser que esteja concorrendo a vereador em Serra da Saudade (MG), Bolsonaro deveria estar mais preocupado. O próximo presidente vai assumir o comando do país num momento em que pessoas agridem e matam outras por razões políticas.
O presidenciável conhece como poucos a intolerância que esta eleição despertou. O bárbaro atentado que sofreu há pouco mais de um mês foi um sinal dramático de que a situação ameaçava sair do controle.
Na ocasião, seus adversários na disputa repudiaram o episódio, mas alguns deram de ombros. Embora tenha emitido um lamento, Dilma Rousseff disse que Bolsonaro plantou o ódio que se voltou contra ele. Recomenda-se que o candidato não reproduza a insensatez de seus rivais.
Quando o capoeirista Moa do Katendê foi morto com 12 facadas numa discussão política, Bolsonaro disse que o criminoso cometeu um “excesso”. A vítima declarava voto no PT. O assassino defendia o candidato do PSL e disse ter sido xingado. O presidenciável perguntou: “O que eu tenho a ver com isso?”.
A maioria dos eleitores de Bolsonaro obviamente reprova essa selvageria. É papel digno de um líder entrar em sintonia com seus apoiadores, manifestar repulsa e censurar qualquer comportamento agressivo.
Sem provas, o deputado diz suspeitar que alguns casos de violência são forjados para prejudicá-lo. Não custa demonstrar indignação enquanto aguarda as investigações.
O candidato conquistou apoio com uma retórica de desrespeito a adversários políticos e minorias. Um presidente não pode legitimar a intolerância. A panela foi destampada e há poucos indícios de que a temperatura vai cair após a eleição.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
TÓPICOS

Democracia boa não é só a nossa, não, Roberto Dias,. FSP

Há enormes razões para não votar em Jair Bolsonaro. O problema é que existem também imensos motivos para não votar no PT.
No bolsonarismo, a agressividade embala a tosquice de sempre. A novidade vem da esquerda, que jogou fora valores, justamente o que diz prezar, e caiu em armadilhas lógicas. ​
Mulheres realizam protesto contra o candidato Jair Bolsonaro (PSL) na Cinelândia, centro do Rio, em 29 de setembro
Mulheres realizam protesto contra o candidato Jair Bolsonaro (PSL) na Cinelândia, centro do Rio, em 29 de setembro - Vanessa Ataliba/Brazil Photo Press/Folhapress
A mais evidente é negar a democracia ao afirmar defendê-la. Dizer que votar em Bolsonaro é indefensável acaba sendo, esse sim, um argumento indefensável. Declarar que corrupção não é desculpa para votar no capitão embute premissa absurda: a de que um cidadão precisa de desculpa para exercer um direito.
A esquerda aponta (corretamente) o preconceito contra o Nordeste, que parou Bolsonaro. Mas ridiculariza SP por suas opções legislativas. 
O veto à entrevista de Lula para a Folha foi (acertadamente) chamado de censura. Mas quando se anunciou a entrevista de Bolsonaro à Record, a esquerda gritou por censura.
O autoritarismo do elenão começa no nome. Mas há um problema: pela lei brasileira, só a Justiça pode vetar alguém. Segundo ela, Bolsonaro pode se candidatar, e ele, Lula, não. Aliás, é possível encontrar vídeos com inúmeras barbaridades ditas por Lula. A diferença? Para Lula tudo virava piada de salão —e para ele, Bolsonaro, não (nem deveria).
A banalização do termo fascismo mostra que ignorância histórica não é monopólio da direita. A seguir a lógica de quem acha que qualquer eleitor de Bolsonaro é um torturador em repouso, seria o caso de proteger a carteira cada vez que se aproximasse um petista. Trata-se de raciocínio esgarçado até perder o sentido.
A esquerda apontava ameaça democrática no bolsonarismo sem interlocução com o Congresso. Enquanto essa crítica era repetida, o PSL fazia campanha para eleger a nova grande bancada da Câmara. Ficou mais difícil sustentar o ataque por aí.
Numa luta legítima por corações e votos, muita gente da esquerda foi perdendo a lógica pelo caminho. Democracia boa não é só a nossa, não.


Roberto Dias
Secretário de Redação da Folha.

Quem é quem?

Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante a votação no domingo (7)
Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante a votação no domingo (7) - Ricardo Moraes/Paulo Whitaker/Reuters