sábado, 6 de outubro de 2018

Epopeia democrática, André Singer FSP

Vitória de Bolsonaro neste domingo (7) poderia representar um tiro nas liberdades civis

A elevação das intenções de voto em Jair Bolsonaro (PSL) nesta semana criou um compreensível sobressalto nos círculos democráticos do país. Uma vitória sua no primeiro turno neste domingo (7) poderia representar um tiro nas liberdades civis.
Tendo passado de 28% para 35%, segundo o Datafolha, o capitão reformado ganhou chances de tornar-se presidente já  —embora não pareça, no momento em que escrevo, o mais plausível. O extremista de direita teria que obter, em dois dias, uma vez e meia o que conquistou em uma semana.
Da mesma maneira que as manifestações do #elenão, de sábado passado (29), podem ter ocasionado uma reação conservadora que explica, em parte, os ganhos atuais de sua candidatura, agora está em curso uma corrente voltada para lhe tirar apoios, reforçar outras postulações e desestimular a opção pelo branco e nulo. 
Quanto maior o número de votos válidos, menor a chance de a parada se resolver de imediato. Apenas a segunda volta deverá revelar de que lado está a maioria absoluta dos eleitores (excluídas abstenções, brancos e nulos).
Confirmado o prognóstico acima, podem-se prever três semanas de intensa divisão social. 
A recente subida de Bolsonaro colocou-o em situação de virtual empate com Fernando Haddad (PT), o seu oponente provável, quando a pergunta se refere à escolha final. Lulismo e antilulismo, protagonistas dos grandes embates desde junho de 2013, vão se defrontar em situação de equilíbrio.
O vaivém das sondagens de opinião nos últimos dias mostra que, apesar dos prognósticos em contrário, a democracia brasileiracontinua viva. 
Machucada por atos arbitrários, como o do juiz Sergio Moro ao novamente divulgar excertos de uma delação politicamente explosiva às vésperas de um pleito, como já havia feito em 2014, mas ainda respirando. 
No final dos anos 1980, quando o Brasil se preparava para a primeira eleição presidencial direta em quase três décadas, circulou por aqui um artigo preciso do cientista político Adam Przeworski. Nele, o polonês radicado nos EUA afirmava que a mola propulsora da democracia era a incerteza. Se fosse possível prever com segurança os resultados eleitorais, o sistema não funcionaria.
O problema é que, desta feita, o que está em questão não é apenas a próxima Presidência, mas a própria continuidade da democracia. 
As incessantes denúncias de corrupção da Lava Jato, o fracasso do plano econômico do governo Temer e um ambiente internacional de corte fascista deram musculatura a propostas liberticidas, que chegam fortes à etapa conclusiva do processo. 
Salvar o Estado democrático de Direito vai transformar o segundo turno numa verdadeira epopeia nacional.

HÉLIO SCHWARTSMAN, Voto por amor, FSP

HÉLIO SCHWARTSMAN
O paradoxo salta aos olhos. Os dois candidatos com mais chances de chegar à Presidência são também os mais detestados, o que não apenas é sinal de encrenca para a próxima administração como também indica que estamos diante de uma anomalia eleitoral.
Com efeito, parece ter havido uma antecipação do segundo turno, com Bolsonaro aglutinando os votos antipetistas, e Haddadamalgamando os sufrágios antibolsonaristas. O problema desse tipo de movimento é que ele esvazia os votos a favor que o cidadão quisesse dar.
Para este ano, já era. A regra de eleição para presidente é clara, antiga e não há nada de essencialmente errado no voto estratégico. A democracia, contudo, é uma obra em andamento e nada nos impede de discutir aperfeiçoamentos.
 
Existem vários sistemas de votação preferencial que evitam esse tipo de situação. Um deles é a contagem de Borda, à qual o colunista Marcelo Viana aludiu recentemente. Nela, o eleitor ordena os candidatos segundo sua preferência. O postulante que ficar em último lugar na lista recebe um ponto, o penúltimo, dois, e assim por diante. Aí é só somar as pontuações dadas por todos os eleitores.
É um pouco mais complicado que o sistema atual e, obviamente, só se torna prático com urnas eletrônicas. A vantagem é que o eleitor pode exprimir ao mesmo tempo o seu voto e o seu veto. Imaginemos que Marina, que desidratou ao longo da campanha, fosse a segunda opção da maioria. Num pleito à la Borda, ela estaria vivíssima na disputa, porque as rejeições a Bolsonaro e a Haddad seriam computadas.
Parece-me um sistema melhor, mas não devemos nutrir ilusões. Ele também tem seus pontos fracos. Aliás, a crer nas interpretações mais correntes do teorema da impossibilidade de Arrow, nenhum método de votação é justo e a própria ideia de escolha social sai chamuscada. Ainda assim, o bonito desse sistema é que, mesmo sem abrir mão do ódio, podemos votar por amor.