terça-feira, 19 de junho de 2018

José Ricardo Roriz Coelho: Procura-se gestor com sensibilidade social, FSP

Brasil não é empresa nem pode ser dirigido como tal

O Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, em Brasília
O Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, em Brasília - Daniel Marenco - 24.nov.10/Folhapress
O Brasil tem problemas reais e imensos. Não há necessidade, portanto, de descrevermos os obstáculos à nossa frente como se fossem ainda maiores do que realmente são. Em geral, tal amplificação desnecessária e artificial de nossos desafios serve mais a determinados interesses políticos.

Uma análise isenta, apartidária, há de reconhecer avanços recentes. A inflação está sob controle, tendo até ficado abaixo da meta. Os juros básicos foram reduzidos. E, por último, mas não menos importante, aprovou-se uma reforma trabalhista consistente, que já está dando conta de flexibilizar o mercado de trabalho, abrindo perspectiva para novas contratações.

Tendo dito isto, convém enfatizar que o Brasil ainda não criou uma agenda positiva, a fim de alcançar um crescimento substantivo e sustentável. O momento, no entanto, ao contrário do que querem demonstrar os pessimistas de plantão, é oportuno. Se há desafios à frente, há também soluções.

Neste ano teremos eleições particularmente importantes. Escolheremos não apenas o presidente, mas governadores e boa parte do Congresso. A renovação abre a possibilidade de termos no horizonte mudanças positivas no cenário político. Vamos às urnas sob uma nova lei eleitoral, que, entre outras mudanças, limita o financiamento das campanhas —algo que, se não justificou, pelo menos ajudou a explicar os inúmeros casos de corrupção que têm vindo à tona.

Tem-se dito com frequência que a pré-campanha aponta para a eleição com o maior grau de incerteza do período da redemocratização. Tudo indica mesmo que sim, mas o outro lado da moeda é que parte dessa incerteza decorre da grande probabilidade de renovação, o que, por natureza e definição, é algo essencialmente positivo.

Não se trata de querer ver o mundo com os óculos do doutor Pangloss. O otimismo sem fundamento é apenas inútil. Na realidade, acredito que os problemas e a complexidade do setor público sejam tão grandes que demandarão dos eleitos para cargos executivos um conjunto de características imprescindíveis para modernizar a administração pública.

Calcula-se, de modo conservador, que a administração pública no Brasil esteja 30 anos atrasada em relação às boas práticas de gestão necessárias para melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços públicos.

Que características seriam essas? Liderança, visão de futuro, capacidade e experiência administrativa, credibilidade, perfil agregador, disposição e coragem para mudar e enfrentar desafios são algumas delas.

Mas isso não é tudo, claro. O Brasil não é uma empresa, nem pode ser dirigido como tal. Além da capacidade de gestão, os candidatos a cargos públicos precisam ter sensibilidade social para implementar políticas públicas que tenham como objetivo melhorar o padrão de vida da população e dos indicadores sociais.

A renovação levará para Brasília e para os Executivos dos estados pessoas que, embora sem experiência legislativa ou de governo, podem contribuir com ideias e ações que melhorem as políticas públicas.

Para que as novas lideranças tenham um ambiente propício para promover essa mudança, será necessário que o atual governo faça o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Alguns avanços foram feitos; outros, não. Precisamos ainda, apenas para citar dois exemplos, induzir a redução do spread bancário e destravar o crédito para investimento e consumo.

A eleição deve ser encarada como promessa de mudança, e não como desculpa para procrastinação.
José Ricardo Roriz Coelho
Presidente em exercício da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico)

    Despesa invisível, FSP



    O esgotamento das finanças do Estado brasileiro tornou inadiável a revisão dos generosos incentivos tributários concedidos no país.
    Abre-se mão de receitas expressivas como se houvesse dinheiro de sobra. Pior, a maior parte dos benefícios é criada à margem do Orçamento, por meio de mudanças legislativas patrocinadas por grupos de interesse, sem nenhuma avaliação de impacto e eficiência.
    Em 2018, estima-se que a União deixe de arrecadar R$ 283,4 bilhões, cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) —o dobro da média mundial, segundo afirmou a esta Folha o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.
    Decerto que as cifras devem ser relativizadas. Não é nada líquido e certo que tal montante ingressaria de imediato nos cofres públicos em caso de eliminação dos incentivos, dado que alguns negócios fechariam suas portas ou adotariam estratégias diferentes.
    Ainda assim o valor se mostra exorbitante para um governo que acumula déficit primário (a diferença entre receitas e gastos, excluindo encargos da dívida pública) na casa de 1,8% do PIB.
    De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), nada menos que 85% do valor das benesses diz respeito a programas sem data para acabar, impondo custo permanente para a sociedade.
    A principal rubrica é o Simples Nacional, que, segundo dados oficiais, consumirá R$ 62,8 bilhões neste ano. O programa reduz a tributação para empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões anuais. 
    Se a maior parte dos países adota algum mecanismo de favorecimento para pequenos empreendimentos, poucos o fazem nas dimensões vigentes no Brasil.
    Outro exemplo, mais grave, é o da Zona Franca de Manaus, que custa R$ 25 bilhões anuais e beneficia algumas centenas de empresas instaladas na cidade.
    À diferença de políticas regionais do gênero em outras partes do mundo, que visam criar polos de exportação e inovação, no caso brasileiro não há avanço tecnológico digno do nome, apenas incentivos a importações que atendem ao mercado interno.  
    Que o Congresso tenha aprovado em 2014 a extensão da ZFM em mais 50 anos, até 2073, só demonstra a ausência de qualquer lógica econômica e social na aprovação dos incentivos —também chamados de gastos— tributários.
    A busca pelos favores também decorre da complexidade da legislação nacional e do peso excessivo dos impostos. Proliferam, assim, regimes especiais, que tornam o sistema ainda mais intrincado.
    Avançar na simplificação, portanto, é essencial. Tanto quanto possível, regras gerais válidas para todos; eventuais subsídios e isenções devem estar discriminados com transparência no Orçamento.

    Eliezer Batista, "o construtor da Vale", morre aos 94 anos, Valor

    Para uns, um "visionário", para outros um "guru" da infraestrutura e da logística, que combinava a visão estratégica com o saber do engenheiro. Assim era Eliezer Batista, figura polêmica e celebrada no país e no mundo, responsável pela transformação da Vale na gigante que ela é hoje. Homem modesto, de hábitos simples, como bom mineiro que era, da cidadezinha de Nova Era, da Zona da Mata, gostava mesmo era de prosear e de se cercar de mapas para realizar os estudos geopolíticos. Batista morreu ontem, aos 94 anos, no Rio, sem ver realizado seu maior sonho: a integração das economias do continente sul americano.
    "Juntos [os países da região] somos mais respeitados e somamos as maiores riquezas minerais e agrícolas do mundo, além de ser a nossa região a que detém as maiores reservas de água do planeta. A água será o grande problema do milênio." Batista gostava de realçar as riquezas da região. Além da água em abundância, chamava a atenção para a biodiversidade local, a mais rica do mundo. A América do Sul era vista por ele como o celeiro da humanidade. "Nossa riqueza mineral é colossal, temos minério de ferro, cobre, bauxita, ouro. Vivemos num continente que uma vez interligado com logística econômica vai ter uma influência no mundo muito superior a que tem hoje. O que é preciso é tocar projetos. Desamarrar sinergias."
    Antes de se tornar personalidade cultuada e procurada por dirigentes de grandes empresas e pelos mais diversos governos, Batista foi funcionário da Vale e, em 1961, aos 36 anos, se tornou o primeiro presidente saído dos quadros da mineradora. Entre 1962 a 1964 foi também ministro das Minas e Energia do governo João Goulart. Durante o golpe militar de 1964, teve cassado seus direitos políticos e foi preso por ter sido encontrado em sua casa uma fita contendo gravação onde conversava em russo com o Marechal Tito, herói de guerra e presidente da antiga Iugoslávia. "Acharam que eu era comunista porque tratava bem os operários e falava russo."
    Perseguido político, deixou a Vale. Retornou como presidente em 1979, cargo que exerceu até 1986. Nesse período, transformou a companhia. Mas, sua contribuição à mineradora começou muito antes de ser vítima dos militares. No início dos anos 60, ainda na presidência da empresa, Batista projetou a construção do porto de Tubarão (ES), para escoar o minério das minas de Itabira (MG) através da ferrovia Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Ele ajudou a projetar e a construir a ferrovia, antes dos anos 50.
    Depois de fazer o ginásio no colégio dos padres franciscanos, em São João del Rey, de onde foi expulso no fim do curso porque era considerado um "iconoclasta", Batista viveu parte da juventude em Curitiba, onde além de ser um pioneiro da cultura hyppie, como gostava de lembrar, se formou engenheiro civil e arquiteto. "Eu só pensava em trabalhar em engenharia. Eu gostava de engenharia ferroviária... Depois fui ver isso mais tarde nos Estados Unidos, onde estagiei." Quando voltou ao Brasil, se envolveu na construção da EFVM, porque os americanos, por ocasião da segunda guerra, precisavam do minério de ferro de Itabira, onde controlavam as minas.
    Batista foi convidado por Antonio Dias Leite, que assumiu a mineradora entre 1967/1968, para trabalhar no exterior, ajudando a construir o mercado europeu para receber o minério da Vale. Eliezer aproveitou bem a recuperação dos países do velho continente e do Japão, após a guerra. "A ideia era dar um salto qualitativo". E para chegar lá, juntou o interesse japonês de reerguer sua siderurgia com a necessidade do Brasil de ter mercado para seu minério de ferro.
    A concretização desse relacionamento custou-lhe um alto preço. Sua saúde ficou abalada para sempre, em decorrência das 178 viagens de avião que fez a Tóquio, em várias das quais permanecia somente dois dias lá. Eram voos de mais de 20 horas, em Constellations (aviões que apresentavam grandes variações de pressão nas cabines), que lhe renderam quatro tromboses.
    A relação de confiança do Japão com o Brasil resultou na entrega da medalha do Sol Nascente e gerou, para o lado brasileiro, as siderúrgicas da Usiminas, da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), as usinas de pelotização com os japoneses, Albrás, Alunorte, Cenibra e o desenvolvimento e exploração da maior província mineral do continente, a de Carajás, no Pará.
    Para fortalecer a mineradora, Batista criou a Vale Internacional, abrindo uma sede da empresa em Dusseldorf. Na sua segunda gestão à frente da mineradora, no governo João Figueiredo, tocou o projeto do Grande Carajás. "Tomei um pau danado, diziam que eu era louco, que aquilo não ia dar certo. Com Carajás, inibimos uma série de projetos que seriam construídos fora do Brasil. Terminamos o projeto um ano antes do previsto e economizamos US$ 1 bilhão, o que deu a Vale a reputação que permanece até hoje, de empresa séria, que faz coisas corretas."
    Nos anos 90, Batista chefiou a Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Collor, onde começou a dar luz ao projeto do gás da Bolívia, o que implicava na construção do gasoduto, outra ousadia do "visionário". No fim da vida, se dedicou a formular políticas de infraestrutura e logística para governos e empresas. Com 80 anos, ainda frequentava diariamente seu escritório do 6º andar da Federação do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
    Nos anos mais recentes, voltou à cena com a carreira empresarial de um dos sete filhos que teve com a alemã Juta Fuhrken, o empresário Eike Batista. Alçado ao posto de homem mais rico do Brasil e um dos mais ricos do mundo, Eike foi dono de empresas de petróleo, mineração, logística e construção naval, que juntas formaram o que se convencionou chamar de Grupo X. No auge do sucesso, Eike não poupou elogios ao pai, citado sempre como grande exemplo de empresário e homem de negócios com visão de longo prazo. Mesmo com a derrocada de Eike nos negócios, o prestígio de Eliezer Batista seguiu intocado no mundo empresarial.
    A Vale divulgou uma nota na noite de ontem lamentando a morte de Batista. "Eliezer Batista, que um dia recebeu a alcunha de 'Engenheiro do Brasil', bem que poderia ser conhecido por: O construtor da Vale", destacou em sua nota a mineradora.