sexta-feira, 4 de maio de 2018

Guilherme Boulos: Verdades e mentiras sobre os sem-teto, FSP

Guilherme Boulos: Verdades e mentiras sobre os sem-teto

Se o edifício Wilton Paes de Almeida tivesse passado pelas reformas necessárias e requalificado para moradia popular, a tragédia poderia ter sido evitada

 
O desabamento do prédio no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, expôs ao país o crônico problema habitacional brasileiro.

São 6,35 milhões de famílias sem casa, de acordo com o IBGE. Na ausência de uma política pública, muitos não têm outra alternativa a não ser ocupar imóveis abandonados. Era o caso das 146 famílias que moravam no edifício Wilton Paes de Almeida.

Bastaram poucas horas depois do ocorrido para que alguns —na imprensa e nas redes sociais—, levianamente, apontassem os próprios moradores sem-teto como responsáveis pela tragédia.

É uma inversão cínica, que pretende culpar as vítimas. Além disso, difundiram fake news, buscando criminalizar os movimentos por moradia e atacar nossa pré-candidatura à Presidência da República pelo PSOL.

Em tempos como esses é importante reafirmar o óbvio: ninguém ocupa porque quer, mas por necessidade. Toda ocupação é resultado de um duplo abandono: o das famílias, que não têm assegurado o seu direito à moradia, e o de edifícios ou terrenos, que não cumprem sua função social.

O direito à moradia está expressamente garantido no artigo 6º da Constituição, que trata dos direitos sociais, assim como a educação, a saúde e a segurança. A mesma Constituição assegura o direito à propriedade, mas estabelece que ela precisa cumprir uma função social. Não se trata de um direito absoluto.

Hoje, no Brasil, temos mais de 7 milhões de imóveis —terrenos e construções, contando as áreas ​rurais— abandonados, enquanto o déficit habitacional é de 6,35 milhões de famílias. Isso representa cerca de 10% das famílias brasileiras. Temos mais casa sem gente do que gente sem casa.

Um quadro crítico, que vem se agravando com a crise econômica nos últimos anos e a desaceleração do programa Minha Casa, Minha Vida desde 2015.

Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), quase 85% das famílias sem moradia ganham até três salários mínimos e são as que mais sofrem com o gasto excessivo com aluguel. 

A verdade é que mais de 3 milhões de mães e pais de família precisam decidir todo mês entre pagar o aluguel ou sustentar seus filhos.

A luta por moradia é necessária e legítima. Há vários movimentos sociais, especialmente nos grandes centros urbanos, que realizam ocupações. Existem, contudo, grupos que adotam práticas oportunistas, buscando benefícios próprios. É preciso saber separar o joio do trigo, sem generalizações indevidas.
Oportunistas existem em toda parte. Aliás, seguramente há mais oportunistas por metro quadrado no Congresso Nacional do que nos movimentos sociais.

O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), em mais de 20 anos de atuação, nunca pediu nenhuma contribuição financeira a seus participantes.

Muitos deles hoje moram em residências que conquistaram depois de anos de luta. Entendemos que não é quem mais precisa que deve pagar.

E, ao contrário do que chegaram a difundir —outra fake —news, o MTST não era o responsável pela organização da ocupação do largo do Paissandu. Mas nem por isso deixamos de ser solidários ao drama das 146 famílias.
Estive no local, junto com militantes do movimento, e participamos de iniciativas para pressionar o poder público a assumir sua responsabilidade. É desumano que, depois de terem vivido a tragédia, as pessoas ainda sigam desabrigadas.
 
É inaceitável que se culpem as vítimas e se aproveite da situação para criminalizar a luta social, ameaçando inclusive uma onda de despejosnos prédios ocupados no centro de São Paulo.

Se esse edifício tivesse passado pelas reformas necessárias e requalificado para moradia popular, como os movimentos defendem há anos, a tragédia certamente poderia ter sido evitada. 

Esse é o caminho que deve ser seguido nas ocupações atuais, como parte de uma política pública de habitação social. Além da assistência às vítimas, é isso que se espera do Estado brasileiro.
Guilherme Boulos
Coordenador nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), é pré-candidato à Presidência da República pelo PSOL

Um falso problema, OESP


Muito se fala em déficit habitacional no País, mas o correto seria dizer que há um déficit de renda da população

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04 Maio 2018 | 03h00
Há muito tempo se convencionou dizer que o Brasil padece de “déficit habitacional”. A expressão voltou às manchetes em razão do desmoronamento, no centro de São Paulo, de um prédio que abrigava quase 150 famílias de sem-teto. Segundo se diz, essas pessoas, bem como os outros milhares que vivem nas ruas ou então em condições insalubres e perigosas nas chamadas “ocupações” de prédios vazios nas grandes cidades do País, não têm onde morar porque não há casas suficientes para todos. Mas isso simplesmente não é verdade. O que lhes falta é dinheiro para pagar o que se pede no mercado imobiliário, mesmo em regiões afastadas do centro. O correto, então, seria falar em “déficit de renda”.
Pode parecer mera questão semântica, mas não é. Quando se considera que há “déficit habitacional” onde não existe, demanda-se a adoção de políticas públicas que, no mais das vezes, são equivocadas e custosas. Todos os candidatos a prefeito, governador e presidente costumam prometer a construção de milhões de casas para acabar com o tal déficit. Ocioso salientar que tais empreendimentos, embora não resolvam problema algum, têm alto potencial eleitoreiro.
O maior exemplo disso é o famoso Minha Casa, Minha Vida. Cada inauguração de conjunto habitacional do programa, iniciado em 2009, foi transformada em comício tanto no governo de Lula da Silva como no de sua sucessora, Dilma Rousseff. O Minha Casa, Minha Vida adquiriu tamanha dimensão naquele período que se tornou o esteio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Afinal, é muito mais fácil e politicamente lucrativo construir casas e dá-las para os pobres do que investir, por exemplo, em infraestrutura, cujos projetos em geral envolvem prazos muito mais longos, que atravessam diferentes governos.
O caso do Minha Casa, Minha Vida é ainda mais escandaloso porque, nos governos petistas, se prestou a financiar, indiretamente, os grupelhos de baderneiros que dizem defender os sem-teto. Essas organizações ficaram responsáveis por uma parte do programa, escolhendo a dedo os beneficiários – sempre entre os militantes mais aguerridos. Com escasso controle oficial, essas entidades recebiam dinheiro público para tocar as obras, mas entregavam apenas uma fração do contratado, embolsando o restante da verba para bancar suas atividades delinquentes – como a recorrente invasão de prédios públicos. Felizmente, com a mudança de governo, essa farra acabou.
Ainda que não houvesse todos esses problemas, o princípio do Minha Casa, Minha Vida, como da maioria dos outros programas de habitação popular, permaneceria equivocado. Em geral, as casas desses programas são construídas em regiões distantes do centro da cidade, onde não há serviços públicos básicos, como transporte, saúde e educação. Logo, em muitos casos, é preferível viver em uma ocupação irregular no centro do que em uma casa própria a muitos quilômetros do local de trabalho.
Ademais, são frequentes os casos em que a qualidade das casas entregues por esses programas deixa muito a desejar. Não foram poucas as irregularidades constatadas pelos órgãos de controle nas residências do Minha Casa, Minha Vida construídas durante os governos petistas, realidade que se repete em outras iniciativas do gênero.
A solução para o problema da moradia popular passa, em primeiro lugar, por reconhecer que o assunto é hoje tomado por mistificações – e talvez a maior delas seja a de que é preciso dar às pessoas de baixa renda a propriedade de um imóvel, realizando o tal “sonho da casa própria”. Seria muito mais racional, por exemplo, generalizar o modelo de aluguel subsidiado para casas em áreas com melhor infraestrutura e melhores serviços, já adotado em algumas cidades do País. Com isso, mantém-se o nível de produção da indústria da construção civil e reduz-se consideravelmente o risco de formação de guetos, que é hoje no que se transformou parte dos empreendimentos destinados a acabar com o “déficit habitacional”.
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Os benefícios do Rodoanel, OESP

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04 Maio 2018 | 03h00
Com 132 km dos seus quase 180 km já construídos – e com sua entrega completa prevista para até o fim deste ano –, o Rodoanel Mário Covas vem correspondendo inteiramente ao que dele se esperava, tanto no alívio do trânsito como na redução da poluição na capital. Esses benefícios para a população receberam números precisos em estudo feito sobre o impacto do Trecho Sul, inaugurado em 2010. Eles constituem também uma base sólida para assegurar que São Paulo vai ganhar muito mais quando o Rodoanel estiver pronto.
Dados da operadora de pedágios SPMar, que serviram de base para o estudo, indicam que 20 mil caminhões movidos a óleo diesel deixaram de circular diariamente pela cidade com a abertura daquele trecho, de 57 km de extensão, como mostrou o Estado. Ele possibilitou o desvio daqueles veículos das Marginais do Tietê e do Pinheiros e da Avenida dos Bandeirantes e facilitou seu acesso ao Porto de Santos, sem ter de enfrentar os congestionamentos que eles próprios ajudavam a formar pelas vias da capital, despreparadas para esse tipo de tráfego pesado.
A circulação daqueles caminhões pelo Trecho Sul permitiu também uma redução de até 25% na poluição por óxido de nitrogênio (NOx), com reflexos na melhoria do meio ambiente e na saúde da população da capital, segundo especialistas médicos que participaram do estudo.
O fato de o trânsito ter voltado a ficar congestionado em vias importantes, como a Avenida dos Bandeirantes, por exemplo, depois do alívio produzido pelo desvio dos caminhões – principalmente em 2011, como mostra gráfico elaborado pelos pesquisadores –, pode criar a falsa impressão de que o ganho proporcionado pelo Trecho Sul foi passageiro. A ocupação, por veículos leves, do espaço deixado pelos caminhões já era perfeitamente previsível e esperada.
Como lembra o especialista em engenharia de tráfego Sérgio Ejzenberg, isso acontece em sistemas saturados como o do trânsito de São Paulo: “Quando todas as vias da cidade estão sendo usadas no seu limite, ou próximo disso, qualquer folga é preenchida rapidamente. Ainda mais agora, com os aplicativos que enxergam o trânsito em tempo real. Antigamente, isso demorava mais a acontecer, mas hoje os aplicativos dão essa opção imediatamente ao condutor”.
Pode-se acrescentar que o que demonstra ter o Rodoanel trazido um ganho importante e permanente – não apenas temporário como pode parecer à primeira vista – para a melhoria do trânsito é imaginar como seria a situação atual sem ele. Com a presença dos 20 mil caminhões pesados desviados pelo Trecho Sul, o trânsito na Avenida dos Bandeirantes e outras beneficiadas por ele estaria evidentemente muito mais congestionado.
Ejzenberg chama a atenção para outros aspectos que também demonstram o papel relevante desempenhado pelo Rodoanel. Um deles é a maior segurança para a população proporcionada pelo desvio dos caminhões. Isso, diz ele, dá mais estabilidade para o sistema viário, porque aqueles caminhões, quando se envolviam em acidentes, provocavam transtornos que podiam durar o dia todo. Outra vantagem, acrescenta, “é que estamos tirando cargas perigosas do meio da cidade”.
A única coisa a lamentar com relação ao Rodoanel é que sua construção demorou muito a se tornar realidade. A ideia de anel viário, destinado a interligar as rodovias que passam por São Paulo em direção a outros destinos, vem dos anos 1950 e só começou a sair do papel em 1998, no governo Mário Covas. Desde então, a construção de seus quase 180 km vem se arrastando, atravancada por questões ambientais e batalhas jurídicas provocadas por desapropriações, além de dificuldades devidas a seu alto custo. O Trecho Oeste foi entregue em 2002; o Sul, em 2010; e Oeste, em 2015.
É de esperar que a conclusão do último Trecho, o Norte, ocorra mesmo no fim de 2018, de acordo com as reiteradas promessas das autoridades. Sua construção terá demorado então 20 longos anos.