Muito se fala em déficit habitacional no País, mas o correto seria dizer que há um déficit de renda da população
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04 Maio 2018 | 03h00
Há muito tempo se convencionou dizer que o Brasil padece de “déficit habitacional”. A expressão voltou às manchetes em razão do desmoronamento, no centro de São Paulo, de um prédio que abrigava quase 150 famílias de sem-teto. Segundo se diz, essas pessoas, bem como os outros milhares que vivem nas ruas ou então em condições insalubres e perigosas nas chamadas “ocupações” de prédios vazios nas grandes cidades do País, não têm onde morar porque não há casas suficientes para todos. Mas isso simplesmente não é verdade. O que lhes falta é dinheiro para pagar o que se pede no mercado imobiliário, mesmo em regiões afastadas do centro. O correto, então, seria falar em “déficit de renda”.
Pode parecer mera questão semântica, mas não é. Quando se considera que há “déficit habitacional” onde não existe, demanda-se a adoção de políticas públicas que, no mais das vezes, são equivocadas e custosas. Todos os candidatos a prefeito, governador e presidente costumam prometer a construção de milhões de casas para acabar com o tal déficit. Ocioso salientar que tais empreendimentos, embora não resolvam problema algum, têm alto potencial eleitoreiro.
O maior exemplo disso é o famoso Minha Casa, Minha Vida. Cada inauguração de conjunto habitacional do programa, iniciado em 2009, foi transformada em comício tanto no governo de Lula da Silva como no de sua sucessora, Dilma Rousseff. O Minha Casa, Minha Vida adquiriu tamanha dimensão naquele período que se tornou o esteio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Afinal, é muito mais fácil e politicamente lucrativo construir casas e dá-las para os pobres do que investir, por exemplo, em infraestrutura, cujos projetos em geral envolvem prazos muito mais longos, que atravessam diferentes governos.
O caso do Minha Casa, Minha Vida é ainda mais escandaloso porque, nos governos petistas, se prestou a financiar, indiretamente, os grupelhos de baderneiros que dizem defender os sem-teto. Essas organizações ficaram responsáveis por uma parte do programa, escolhendo a dedo os beneficiários – sempre entre os militantes mais aguerridos. Com escasso controle oficial, essas entidades recebiam dinheiro público para tocar as obras, mas entregavam apenas uma fração do contratado, embolsando o restante da verba para bancar suas atividades delinquentes – como a recorrente invasão de prédios públicos. Felizmente, com a mudança de governo, essa farra acabou.
Ainda que não houvesse todos esses problemas, o princípio do Minha Casa, Minha Vida, como da maioria dos outros programas de habitação popular, permaneceria equivocado. Em geral, as casas desses programas são construídas em regiões distantes do centro da cidade, onde não há serviços públicos básicos, como transporte, saúde e educação. Logo, em muitos casos, é preferível viver em uma ocupação irregular no centro do que em uma casa própria a muitos quilômetros do local de trabalho.
Ademais, são frequentes os casos em que a qualidade das casas entregues por esses programas deixa muito a desejar. Não foram poucas as irregularidades constatadas pelos órgãos de controle nas residências do Minha Casa, Minha Vida construídas durante os governos petistas, realidade que se repete em outras iniciativas do gênero.
A solução para o problema da moradia popular passa, em primeiro lugar, por reconhecer que o assunto é hoje tomado por mistificações – e talvez a maior delas seja a de que é preciso dar às pessoas de baixa renda a propriedade de um imóvel, realizando o tal “sonho da casa própria”. Seria muito mais racional, por exemplo, generalizar o modelo de aluguel subsidiado para casas em áreas com melhor infraestrutura e melhores serviços, já adotado em algumas cidades do País. Com isso, mantém-se o nível de produção da indústria da construção civil e reduz-se consideravelmente o risco de formação de guetos, que é hoje no que se transformou parte dos empreendimentos destinados a acabar com o “déficit habitacional”.
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