sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O desprezo pelo conhecimento - JOSÉ PIO MARTINS


GAZETA DO POVO - PR - 19/01

Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou



Diante de projetos absurdos apresentados por parlamentares no Congresso Nacional, Roberto Campos afirmou certa vez: “O mal do parlamento é que todos que vêm para cá querem fazer alguma coisa”. Em campanhas eleitorais no Brasil, é comum os candidatos à reeleição elogiarem a si mesmos em função da quantidade de projetos de lei por eles apresentados. Também é comum criticar os adversários que, durante o mandato, não tenham apresentado nem um projeto. Como ninguém é cobrado sobre a qualidade e a viabilidade das propostas, fica a impressão de que parlamentar bom é aquele que apresenta muitos projetos de lei.

Atualmente, há muitas propostas paradas nas gavetas do parlamento, as quais vão do absurdo ao ridículo, do inviável ao desnecessário, do jocoso ao trágico. Até aí, se não andarem nem forem aprovadas, não há maiores problemas, além de desperdício de tempo e dinheiro público para sustentar uma máquina de fabricar bobagens. O problema fica sério quando algum projeto de lei absurdo escapa do hospício propositório e vira lei.


O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens 

Vale relembrar alguns projetos apresentados na Câmara dos Deputados, dignos de serem esquecidos. Heráclito Fortes (PSB-PI) propôs que os ventos sejam patrimônio da União, para esta cobrar royalties sobre a geração de energia eólica. Silvio Costa (PSC-PE) propõe que todo ciclista seja obrigado a emplacar sua bicicleta e pagar licenciamento. Pastor Franklin (PTdoB-MG) quer que mulher ou marido traído possam pedir indenização em caso de violação de deveres conjugais – uma espécie de bolsa-adultério.

O povo latino tem enorme disposição para emitir opinião e verdadeiro desprezo pelo conhecimento. Por aqui, há grande apreço por título, cargo, crachá, além da mania de opinar sobre tudo. É comum ver alguém opinando sobre o que não conhece, não estudou e não pesquisou, mesmo que o assunto seja complexo e fora de sua área de conhecimento. São pessoas que falam com a certeza e a convicção que a ignorância confere. É como dizia Will Rogers: “Todos somos ignorantes, apenas em assuntos diferentes”.

Lendo os debates e entrevistas sobre temas como a reforma tributária, reforma da Previdência, tratados internacionais de comércio e regulação do sistema bancário, é assustador o grau de desconhecimento que muitos parlamentares apresentam. Se fosse conversa de boteco, seria apenas perda de tempo sem consequências. O problema é que esses senhores vão tomar decisões e votar as matérias. O que salva o Brasil de aprovar leis ruins são as gavetas do Congresso, onde morre a maior parte das bobagens.

Um ex-presidente, em entrevista quando no exercício do mandato, disse: “Eu não consigo ler muitas páginas por dia, dá sono. Vejo televisão, e quanto mais bobagem, melhor”. Quem chega a presidente de uma nação de 208,5 milhões de habitantes deveria no mínimo se envergonhar de dizer que não lê e não gosta de ler. Mas não: isso é dito sem constrangimento, como se fosse um hábito exótico (ressalva: não importa a que partido pertença, qualquer presidente que diga isso merece reprovação).

Para alguém intelectualmente honesto, a ignorância sobre um assunto deveria levar a duas consequências: uma, a humildade para dizer “não sei” e abster-se de opinar; outra, dar-se ao trabalho de consultar, pesquisar e adquirir conhecimento, principalmente sobre matéria que tenha de votar e impor seus ônus sobre a sociedade. A leitura, a educação e a cultura não existem apenas para fins utilitários, como arrumar emprego ou ganhar dinheiro, mas como meio de o ser humano se elevar acima dos animais e fazer jus à linguagem, consciência e inteligência.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

Os carrascos de hoje podem ser facilmente as vítimas de amanhã - JOÃO PEREIRA COUTINHO, FSP


FOLHA DE SP - 19/01

Saio do cinema depois de assistir a "Roda Gigante", o filme mais recente de Woody Allen. Então penso, aterrorizado com minhas próprias dúvidas: será que eu fiz a escolha acertada? Assistir a um filme de Woody Allen é contribuir para o seu sucesso como diretor?

Por que motivo não fui solidário com as vítimas de agressão sexual, repudiando Woody e a sua obra?

Mentira, leitor. Não pensei nada disso. Melhor, pensei. Mas depois dei instruções à família para que me internem na eventualidade de um dia eu pensar mesmo isso.

Eis o problema: em 2014, em carta para o "New York Times", Dylan Farrow, a filha adotiva de Woody Allen, acusou o pai de a ter molestado sexualmente na infância.

A história era conhecida desde 1992. Mas também era conhecido o veredito da justiça: Woody Allen estava inocente.

Pior: o irmão de Dylan acusou Mia Farrow, então em pleno divórcio litigioso com Woody, de ter manipulado a filha para que esta acusasse o pai desse repugnante crime.

Fim de história?

Longe disso: Hollywood descobriu agora que Woody Allen, 25 anos depois, tem lepra. Perdi a conta aos atores —passados e presentes— que rasgam as vestes em público e mostram arrependimento por terem trabalhado com ele.

Outros, preventivamente, declararam que jamais trabalharão com o diretor. Desse coro, Alec Baldwin foi uma exceção: depois de relembrar que Woody Allen foi ilibado das acusações, o ator declarou que ter trabalhado com ele foi das melhores coisas da sua carreira. (E foi, Alec.)

Entenda, leitor: a questão não está em saber se o abuso de crianças é coisa séria. Claro que é. Mais: é um crime invulgarmente repugnante, que deve ser punido com uma dureza exemplar.

A questão é outra: será que devemos abandonar os princípios básicos de um Estado de Direito e linchar em público alguém que foi acusado por outro de uma conduta reprovável?

Cuidado com a resposta. Se ela é afirmativa, esse é um mundo em que eu não quero viver. Até porque eu conheço esse mundo: é o mundo típico dos regimes totalitários, que executava "dissidentes" sem provas, sem julgamento, sem nada.

É um mundo destrutivo, sim. Mas também é um mundo autodestrutivo: faz parte da dinâmica totalitária devorar os seus próprios filhos.

Os jacobinos souberam disso durante o Terror da Revolução Francesa. Os bolcheviques também com as purgas de Stálin na década de 1930.

Por outras palavras: os carrascos de hoje podem ser facilmente as vítimas de amanhã. Basta que alguém, algures, siga os mesmos métodos duvidosos.

E, quando esse momento chegar, a que tipo de defesa terão direito? "Presunção de inocência"? Mas como, se eles aboliram essa presunção com seus comportamentos histéricos?

Tentar acabar com o abuso reinante na indústria de cinema é um objetivo meritório. Um objetivo que, convém lembrar, vem com anos de atraso, depois do secretismo covarde e provavelmente criminoso de muitos puritanos de agora.

Mas ao lado dessa luta ergue-se uma outra guilhotina: uma lâmina sinistra que cai sobre qualquer cabeça só porque alguém soltou um grito.

Só mais uma coisa: "Roda Gigante" é excelente. E bastante apropriado ao tema em análise: às vezes, o pior castigo que pode existir é a roda dar uma volta completa para nos apanhar no final.

A agropecuária precisa pedir desculpas?, OESP


Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e perdas

*João Martins da Silva Junior, O Estado de S.Paulo
19 Janeiro 2018 | 03h06
Nos primeiros dias deste ano tomamos conhecimento de um fato inusitado: o presidente do Banco Central (BC) teve de enviar uma carta ao ministro da Fazenda para se explicar pelo fato de a inflação de 2017 ter ficado um pouco abaixo do piso da meta. Desde que o regime de metas de inflação foi adotado entre nós, é a primeira vez que isso se verifica. Deveria ser motivo de celebração, e não de explicações.
Depois de muitos anos de inflação elevada e crônica, a sociedade brasileira deveria ter horror à alta de preços, como a população alemã, que mesmo em tempos de recessão reluta em admitir qualquer flexibilização monetária. Mas somos um povo fascinado pelo presente e esquecemos, com facilidade, nossas piores experiências.
É sempre bom recordar que durante muito tempo houve entre nós uma clara divisão ideológica acerca do combate à inflação, o que explica, em parte, sua presença persistente em nossa História. As esquerdas “progressistas” denunciavam as políticas anti-inflacionárias como um programa conservador, contrário ao crescimento e a serviço do capitalismo internacional.
Muito recentemente vimos outra vez esses “progressistas” desdenharem as políticas de equilíbrio e deixarem a inflação ultrapassar os dois dígitos, mesmo diante da maior recessão de nossa História. Felizmente, esse tempo parece ter passado, se é que os encantos do populismo irresponsável não vão, mais uma vez, iludir o nosso povo nas eleições do final do ano.
A inflação de 2017 traz algumas lições. Como disse o presidente do BC, inflação baixa é boa, não ruim, e não há nada de errado em estar abaixo do piso prometido. Inflação de quase 3% não é nada fora da curva. A inflação norte-americana em 2017 estará em 2,1% e a da zona do euro, em 1,5%. Estamos só caminhando em direção a um ambiente civilizado e mais justo.
O desvio da inflação em relação ao centro da meta, de 4,5%, é quase totalmente explicado pelo comportamento dos preços dos alimentos, que tiveram durante o ano deflação de 4,85%. Se excluirmos do IPCA o subgrupo alimentação, a inflação de 2017 teria sido de 4,54%.
Mais uma vez a agropecuária brasileira é um fator virtuoso na economia do País. Primeiro, produziu os saldos comerciais que nos livraram das restrições históricas da nossa capacidade de importar. Agora, melhora a qualidade de vida das populações mais pobres e joga a inflação para baixo. Mas, tal como na história das “explicações” devidas pelo BC, estamos sempre precisando nos explicar. Somos acusados de ser um segmento privilegiado pelo governo e pelo Congresso, de sermos predadores do ambiente e fator de desigualdade e injustiça social, devendo, portanto, estar sempre pedindo desculpas aos setores “iluminados” da nossa elite política e intelectual.
Nem sempre se reconhece que tudo o que fazemos envolve risco, sacrifícios e, também, perdas. Atrás dos números frios da deflação dos alimentos há a realidade de numerosas atividades que não estão gerando retorno econômico e algumas em que as margens se tornaram negativas. Os custos da produção – salários, combustíveis, fertilizantes, defensivos – seguiram subindo e os preços declinantes dos produtos significam prejuízo para agricultores e pecuaristas.
Em 2017 os preços do feijão carioca caíram 46%, os do açúcar cristal, 22% e do arroz, 11%. De modo geral, seja no mercado doméstico, seja nas exportações, a maioria dos nossos preços caiu. No conjunto, o grupo dos cereais, legumes e oleaginosas teve, no ano, uma queda nos preços de 25% e as frutas, 16%. O mesmo na pecuária: o preço do leite para o produtor fechou 2017 com valor 6% menor que a média de 2016 e o da arroba do boi teve queda de 10%. Os consumidores ganharam, mas os produtores perderam.
Os dois anos de recessão e encolhimento da renda por habitante provocaram forte diminuição da demanda de consumo das famílias, principalmente as de renda mais baixa, e a agropecuária brasileira, apesar de ser uma máquina exportadora muito eficiente, destina a maior parte de sua produção ao mercado interno. Quando a economia vai mal, nós vamos pelo mesmo caminho.
Vivemos um paradoxo. Os níveis de produção e produtividade de nossa agropecuária crescem a cada ano, salvo algum desvio causado por condições climáticas. Os investimentos para aumentar a produção, introduzir novas tecnologias e assegurar maior sustentabilidade ambiental têm se mantido sem interrupções, apesar das incertezas da economia. Mas a situação econômica dos produtores rurais está longe de ser brilhante. Se a agropecuária vai muito bem, o mesmo não se pode dizer da maioria desses produtores.
As margens de retorno econômico para o produtor são influenciadas por fatores que estão fora do seu controle, em especial os custos logísticos, que oneram a produção e capturam boa parte dos preços finais de venda aos consumidores. São investimentos que o País não realizou e cujo impacto afeta desproporcionalmente os produtores rurais, que tiveram a audácia de ocupar nosso imenso território, colonizando-o com grandes sacrifícios, para proveito de toda a sociedade.
Organizações internacionais atestaram, recentemente, que a produção rural no Brasil era a menos subsidiada entre as grandes nações produtoras. Agora, com a queda da Selic, os juros do crédito rural não envolvem mais custos de equalização para o Tesouro.
Tudo isso somado, penso ter passado da hora de certas elites urbanas fazerem as pazes com a verdade e abandonarem representações mentais da economia rural brasileira que já não correspondem ao mundo real, mas continuam sobrevivendo nas mentalidades, como uma cortina que não deixa passar a luz.
O começo do ano é sempre um tempo de esperanças. Espero que daqui para a frente nem o presidente do BC precise mais pedir desculpas pela inflação baixa nem os produtores rurais precisem pedir desculpas pelo bem que realizam.
*Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)