terça-feira, 24 de outubro de 2017

Em SP, morador dos Jardins vive 23,7 anos a mais do que o do Jardim Ângela, aponta Mapa da Desigualdade, G1


Área nobre da capital paulista apresenta maior qualidade de vida do que a Zona Sul. Trinta e três distritos não possuem nenhum leito hospitalar.

Por Tatiana Santiago, G1 SP
 
Mapa da desigualdade revela diferenças gritantes entre bairros de São Paulo
O morador dos Jardins, região nobre de São Paulo, chega a viver 23,7 anos a mais, em média, do que quem reside no distrito do Jardim Ângela, na Zona Sul da capital paulista, segundo o Mapa da Desiguladade, estudo realizado pela Rede Nossa São Paulo e divulgado nesta terça-feira (24).
O cálculo da média foi obtido a partir da divisão da soma das idades ao morrer pela quantidade total de óbitos em todas as idades, ocorridos em determinado ano e localidade. A pesquisa também mostra a desigualdade entre os bairros em temas como habitação, vagas em creches, mortalidade infantil, equipamentos esportivos e número de centros culturais.
Enquanto, o morador dos Jardins vive 79,4 anos, em média, o morador do Jardim Ângela vive 55,7 anos.
A qualidade de vida está diretamente associada a esses números. Podemos identificar as diferenças verificando dados sobre renda e acesso à saúde. Quem mora no Jardim Paulista (R$ 3.777,08) ganha quase o dobro de quem mora no distrito da Zona Sul (R$ 1.889,36).
O número de leitos hospitalares também apresenta grande discrepância. Enquanto o Jardim Paulista registra 34,7 leitos hospitalares públicos e privados disponíveis a cada mil habitantes, o Jardim Ângela apresenta apenas 0,76 leitos.
 (Foto: Arte/G1) (Foto: Arte/G1)
(Foto: Arte/G1)
“O que a gente percebe no mapa é que a desigualdade é cumulativa, ela não é apenas por renda. Tem desigualdade nos serviços de saúde, educação, segurança, saneamento, assistência social e isso acaba gerando um ambiente propício para que espaços sejam carentes e acabam trazendo indicadores lamentáveis em uma cidade como São Paulo”, afirmou Jorge Abrahão, coordenador-geral da Rede Nossa SP.
Quando o assunto são os leitos hospitalares disponíveis para internação, o que chama mais atenção é o fato de 33 distritos não possuírem nenhuma vaga para internação.
Bela Vista, no Centro, é o distrito que mais possui leitos hospitalares, com 46,4 vagas para cada mil habitantes. Já o bairro de Vila Medeiros, na Zona Norte, é o distrito com pior índice: 0,041 vagas a cada mil habitantes.
Tempo médio de espera para consultas com clínico geral varia em diferentes regiões da capital (Foto: Rede Nossa São Paulo/Divulgação)Tempo médio de espera para consultas com clínico geral varia em diferentes regiões da capital (Foto: Rede Nossa São Paulo/Divulgação)
Tempo médio de espera para consultas com clínico geral varia em diferentes regiões da capital (Foto: Rede Nossa São Paulo/Divulgação)

Saúde

A Sé o melhor distrito da cidade nas horas de atendimento básico dos profissionais cadastrados no SUS (Sistema Único de Saúde). A região apresenta um índice de 61,97 a cada mil habitantes, enquanto o Jardim Paulista aparece com índice de 1,47, considerado o pior da cidade.
A maior concentração de UBSs (Unidades Básicas de Saúde) a cada 10 mil habitantes é Marsilac (2,51), e Tatuapé (0,10) é o pior distrito.
A desigualdade entre o melhor e pior distrito pelo número de mortes pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) chega a 27,53. Nos Jardins, o melhor distrito, o índice é de 0,111; o pior é a República, com 3,07.
Já o índice de mortalidade infantil é 20,97 vezes menor em Perdizes (1,04), na Zona Oeste, do que na Sé (21,83).
A mortalidade por causas mal definidas na declaração de óbito é 16,92 vezes maior em Guaianases, que tem índice de 5,30 do que em Santo Amaro (0,313).
O número de óbitos por doenças no aparelho circulatório como AVC (Acidente Vascular Cerebral), também conhecida como derrame, doença isquêmica do coração e infarto do miocárdio, tem Água Rasa como o pior distrito (36,26) e Vila Andrade como o melhor (6,97).
A mortalidade por doenças do aparelho respiratório a cada 10 mil habitantes é de 1,91 no distrito Anhanguera e de 17,39 na Barra Funda.
Já a Barra Funda (260,83) é o distrito com maior número de mortes por câncer, enquanto Anhanguera (47,25) registra o menor número.
O Pari é o bairro com o maior registro de mortes de trânsito (16,37) enquanto a Vila Leopoldina é o mais tranquilo (2,13).
Marsilac, no extremo sul da capital, é o distrito com maior número de adolescente grávidas enquanto Moema, na Zona Sul, tem o menor (Foto:  Rede Nossa São Paulo/Divulgação)Marsilac, no extremo sul da capital, é o distrito com maior número de adolescente grávidas enquanto Moema, na Zona Sul, tem o menor (Foto:  Rede Nossa São Paulo/Divulgação)
Marsilac, no extremo sul da capital, é o distrito com maior número de adolescente grávidas enquanto Moema, na Zona Sul, tem o menor (Foto: Rede Nossa São Paulo/Divulgação)
A gravidez na adolescência, número de nascidos vivos de mães com até 19 anos, sobre o total de nascidos vivos de mães que moram em determinada região, registrou um "desigualtômetro" (índice que mostra a diferença entre o menor e o maior valor) de 25,79. Marsilac (22,88), no extremo da Zona Sul, é a região com o maior índice de adolescentes grávidas (22,88), enquanto Moema (0,887), região nobre da Zona Sul, apresenta o menor número de jovens grávidas.

domingo, 22 de outubro de 2017

O parto do STF - J. R. GUZZO


REVISTA VEJA

Durante um programa de entrevistas na televisão, pouco mais de um ano atrás, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, teve a ideia de perguntar a um dos entrevistadores, o jornalista José Nêumanne Pinto: “Você não acredita na Suprema Corte do seu país?”. Um ministro do STF não deve perguntar essas coisas hoje em dia. Se perguntar, arrisca-se a receber, como de fato recebeu, a resposta mais sensata para a indagação que tinha feito. “Não”, disse o entrevistador. “Eu não acredito.” E por que alguém haveria de confiar, Santo Deus?

Os onze ministros insultam-se publicamente entre si. Faltam ao serviço. Um deles levou bomba duas vezes no concurso para juiz de direito. Outro mantém negócios privados e julga causas do escritório de advocacia em que trabalha a própria mulher. Há um que conseguiu asilo no Brasil para um quádruplo homicida condenado legalmente pela Justiça da Itália, e outro que foi o juiz preferido do ex-governador e hoje presidiário Sérgio Cabral, réu em quinze processos de corrupção. Agora, em seu último feito, o STF decidiu que cabe ao Senado Federal punir ou perdoar o senador Aécio Neves — flagrado numa conversa gravada tentando extorquir 2 milhões de reais de um bilionário, réu confesso e atualmente domiciliado no sistema penitenciário nacional. Os ministros tinham decidido o contrário, tempos atrás, com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que por causa disso perdeu o cargo, o mandato e está preso até hoje. O que vale, então?

Nossa Corte Suprema parece ter conseguido, nesse tumulto, algo inédito no direito internacional: errou nas duas decisões. Perguntaram aos nossos magistrados máximos quanto dá 2+2; na primeira vez eles responderam que dá 5, e na segunda que dá 7. Erraram nas duas vezes porque em ambas se meteram a resolver coisas que não têm o direito de resolver — invadiram a área de outro poder, e uma vez feito isso não conseguem acertar mais nada. Com certeza o poder que invadiram, o Congresso Nacional, é uma espécie de Monga, a Mulher-Gorila, ou alguma dessas aberrações exibidas no circo; mas é o eleitorado, e não o STF, quem tem de consertar isso. Com sua intromissão, os ministros pariram Mateus; agora têm de embalar a criatura, dar de mamar, levar ao pediatra e esperar mais uns dez ou doze anos para ver qual o sexo que ela prefere. Enquanto o STF cria a criança que não podia ter parido, os brasileiros ficam sem saber o que está valendo. As decisões finais sobre corrupção no Poder Legislativo são do Congresso? São do Poder Judiciário? Vai saber. Talvez fique valendo o que resolverem na próxima vez.

O caso de Aécio é especialmente tenebroso. Começa que o grupo de ministros que queria punir o senador veio com uma punição de mentirinha — “afastaram” o homem do cargo e decidiram, com imensa coragem, proibi-lo de sair de casa à noite, como se alguém só começasse a roubar depois que escurece. É uma piada, para fazer bonito a preço de custo com intelectuais e artistas de novela, mas o foco da infecção não está no tipo do castigo. Está na pretensão de entregar o que não poderia ser entregue. O ministro Luís Roberto Barroso argumentou que seria uma injustiça deixar “três peixes pequenos” presos e o “peixe grande” solto. Mas Barroso não está lá para medir o tamanho dos peixes, e sim para cumprir a Constituição. Tem todo o direito de não gostar dela; mas não pode escolher quando vale e quando não vale o que está escrito ali. Aécio Neves não é peixe graúdo nem miúdo — é senador da República, por mais que isso se revele um disparate. É senador porque foi eleito. Se o povo votou errado, paciência — a lei não obriga o eleitor a votar certo. Mas obriga a todos, incluindo os ministros do STF, a obe­decer à regra segundo a qual um senador só pode ser punido com a autorização do Senado.

Sem Aécio, o Brasil seria um lugar mais justo, mais sadio e mais limpo — sem ele e todos os outros que vêm do mesmo saco de farinha, a começar por seus inimigos e todos os parasitas, mentirosos e ladrões que mandam no país e fingem ser diferentes entre si. Mas ele é membro do Congresso, e esse Congresso, que positivamente está entre os piores do mundo, é também o único que existe por aqui. Também só existe um STF e só uma Constituição, essa mesma do “Dr. Ulysses” — antes adorada de joelhos como grande fonte de “direitos populares” e hoje tida como um manual de estímulo à roubalheira. Fazer o quê? Acabar com tudo?

Ou dar ao STF o poder de decidir quem é punido e quem é premiado? Está garantido que não vai dar certo.

Seriedade gera emprego, mas quantos acreditam? - ROLF KUNTZ


ESTADÃO - 22/10

A economia reage com inflação baixa e aperto fiscal, mas a conversa eleitoral é outra



Seriedade, quem diria, pode gerar crescimento, emprego e renda, mas, segundo uma tese muito popular em Brasília, pode também atrapalhar uma eleição ou reeleição. A crença nessa tese é hoje, e provavelmente será na maior parte do próximo ano, a principal ameaça à recuperação da economia brasileira. A preocupação apareceu, mais uma vez, numa palestra da secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, em São Paulo. Depois de citar a melhora dos indicadores econômicos e os bons efeitos do esforço de arrumação das contas públicas, ela resumiu: “Disciplina fiscal rende, sim, crescimento sustentável”.

Mas será preciso, acrescentou, deixar essa mensagem mais clara para a sociedade em 2018, ano das próximas eleições. Falta saber quem se encarregará desse trabalho. Políticos em busca de votos para chegar ao Congresso ou lá se manter? Candidatos, ainda incertos ou desconhecidos, à Presidência da República? Provavelmente será muito mais fácil usar a linguagem populista, ou aparentada ao populismo, se a economia, como calculam muitos especialistas, ainda estiver crescendo na faixa, nada espetacular, de 1,5% a 2%. Muito mais trabalhoso será mostrar o avanço realizado a partir do fundo do poço e expor os fatos com racionalidade.

Os dados, no entanto, são simples e claros e têm sido divulgados, nem sempre com destaque, pelos meios de comunicação. Tome-se, por exemplo, a arrecadação federal de setembro. A parcela administrada pela Receita Federal chegou a R$ 103,89 bilhões, valor 8,68% maior que o de um ano antes, descontada a inflação. A soma foi levemente engordada por dois itens atípicos, a renegociação de dívidas fiscais em atraso, o chamado novo Refis, e o aumento do PIS/Cofins cobrado sobre combustíveis. Descartados esses componentes, sobraram R$ 98,26 bilhões, uma arrecadação 5,19% superior à de setembro de 2016.

Esse ganho é explicável, como indicou o relatório, por fatores como o aumento da massa de salários, o crescimento da produção industrial, o início de recuperação do varejo e a elevação das importações.

Todos esses dados são indicadores da recuperação econômica. A reação começou no primeiro trimestre, puxada estatisticamente pela agricultura, e em seguida ganhou impulso com a movimentação crescente da indústria. A reação do consumo tem sido moderada, mas suficiente para mostrar os primeiros efeitos da melhora da renda familiar. Essa melhora explica os aumentos de arrecadação do Imposto de Renda retido na fonte e das contribuições pagas à Previdência.

No exame dos fatos geradores da arrecadação os técnicos da Receita Federal discriminam alguns dados de agosto, comparados com os de um ano antes. A lista inclui, entre outros itens, variações positivas da produção industrial (+3,97%), das vendas do comércio varejista (+5,77%) e da massa de salários (+4,87%).

Para compreender mais amplamente o quadro é preciso ir além dos detalhes destacados no relatório da Receita Federal. O aumento real da massa de salários é atribuível em parte à criação de empregos e em parte ao recuo da inflação. Desde o segundo semestre do ano passado os preços de bens e serviços consumidos pelas famílias têm subido muito mais lentamente do que haviam subido até a transição de governo. Isso se explica parcialmente pela recessão e, é claro, pela dura política de juros do Banco Central, atenuada de forma gradativa a partir de outubro do ano passado. Desde esse momento os juros básicos caíram de 14,25% para 8,25% ao ano e ainda poderão cair mais um pouco, talvez até 7%.

Nos 12 meses terminados em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 2,54%, ficando pouco abaixo do limite inferior da margem de tolerância (3%). Além disso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado nos orçamentos de famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, subiu apenas 1,63%. Isso significa menor corrosão da renda familiar e maior espaço, no orçamento, para a diversificação de despesas. Obviamente esse detalhe se reflete em maior demanda de bens industriais e de vários serviços.

Em agosto, a produção da indústria geral foi 4% maior que a de um ano antes. De janeiro a agosto superou por 1,5% a de igual período de 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Houve condições, portanto, para a criação, de janeiro a setembro, de 81.523 empregos formais na indústria de transformação. O total gerado nos vários setores, em nove meses, chegou a 208.874 (diferença entre admissões e demissões). O acumulado em 12 meses continuou negativo (-466.654), mas esse buraco está sendo gradativamente fechado. O desemprego total continua muito alto, mas também tem diminuído, até mais velozmente do que se previa até há pouco.

A recuperação da economia tem ocorrido, em suma, com inflação declinante – e já quase civilizada – e enquanto o governo tenta arrumar as contas públicas, devastadas na administração anterior. O cenário desmente mais uma vez algumas velhas crenças da chamada heterodoxia – teses favoráveis ao desleixo orçamentário e à tolerância à inflação.

Disciplina fiscal, como disse a secretária do Tesouro, rende, sim, crescimento sustentável. O controle da inflação, acrescente-se, também favorece o aumento dos negócios e do emprego. Mas boa parte dos políticos mostra pouca ou nenhuma disposição para sustentar essa mensagem. Esse grupo inclui, naturalmente, muitos parlamentares da chamada base governamental.

Se esses decidirem deixar para depois a reforma da Previdência, o crescimento previsto para os próximos anos estará em risco. Na pior hipótese, os ganhos obtidos na área fiscal, na reativação econômica e no controle da inflação poderão ir pelo ralo. Os espertos arranjarão alguém para culpar, talvez os neoliberais ou os vilões do Império. Por que não?

*Jornalista