sábado, 8 de julho de 2017

Cotas na USP: tiro errado no alvo certo, Fernado Reinach OESP (definitivo)



Solução covarde e simplista de quem não acredita que o ensino público pode ser melhorado






Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
08 Julho 2017 | 03h00
A Universidade de São Paulo (USP) é a melhor universidade da América Latina e um dos melhores exemplos de injustiça distributiva. O ensino na USP é pago. Ela recebe 5,03% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido no Estado. Quando você compra um saco de arroz está pagando o ensino oferecido pela USP. Como é pago por todos os cidadãos, a USP não cobra diretamente dos alunos.
O público da USP são os estudantes que terminam o ensino médio. O censo escolar do Estado de São Paulo (2014) mostra que existiam aproximadamente 530 mil alunos cursando o terceiro ano do ensino médio, potenciais candidatos a seguir estudos na USP. Desse total, 444 mil (83%) estudam em escolas públicas e 86 mil (17%) em escolas privadas. Portanto, se a chance de ingressar na USP fosse igual para alunos de escolas públicas e privadas, 83% dos 11 mil alunos que ingressaram na USP em 2014 seriam de escolas públicas e 17% de escolas privadas. 
Mas a realidade é muito diferente. Em 2014 somente 32% dos ingressantes vieram de escolas públicas, 68% vieram de escolas privadas. Dos 444 mil potenciais candidatos da escola pública, somente 3.520 foram contemplados com uma vaga na USP (0,79%). Por outro lado, dos 86 mil alunos da escola privada, 7.480 foram contemplados (8,6%). Alunos de escola privada tem 11 vezes mais chances de entrar. Sem os pontos bônus recebidos pelos alunos da escola pública essa diferença seria ainda maior. É isso que se chama injustiça distributiva: todos pagam, mas só alguns ficam com o benefício.
O processo de seleção da USP não discrimina alunos da escola pública. A prova é exatamente igual. Na inscrição e na correção das provas, a informação sobre a origem do aluno, sua raça, cor, ou renda familiar não é levada em conta. A única razão para essa enorme injustiça distributiva é o pior preparo dos alunos da escola pública. É simples e óbvio: o ensino público no Estado de São Paulo é pior que o ensino privado. Dada a diferença de poder aquisitivo, os pobres só têm a opção da escola pública e acabam fora da USP. Uma forma indireta de discriminação.
Essa injustiça distributiva precisa ser corrigida. É correta a meta de incluir mais alunos da escola pública na USP. Existem duas formas de corrigir essa distorção. A escola pública pode melhorar sua qualidade, garantindo que seus alunos passem no vestibular, ou a universidade pode discriminar favoravelmente os alunos da escola pública, dando pontos extras ou garantindo uma fração das vagas para esses alunos.
Esta semana, a USP decidiu pela segunda estratégia: vai garantir um número de vagas crescente para alunos da escola pública até que esse número chegue a 50% em 2021. Não explicou por que não adotou a meta de 83% que seria o matematicamente justo.
Foi uma decisão populista. A universidade optou pela solução fácil e rápida, baixou a régua para os alunos da escola pública, transformou um sistema meritocrático em discriminatório. A partir de agora, dois grupos de alunos ingressarão. Os que sabem mais e os que sabem menos. Se o ensino continuar calibrado para os que sabem mais, os que sabem menos serão abandonados à própria sorte. É difícil ensinar os dois grupos simultaneamente. No longo prazo, a USP será obrigada a segregá-los em classes distintas. O suprassumo da discriminação. Outra opção é abaixar o nível do ensino, o que seria indesculpável, pois a USP determina a altura do sarrafo para todas as universidades brasileiras.
A meta de aumentar a participação dos alunos das escolas públicas deveria ter sido colocada no colo de quem tem culpa pelo problema: os gestores do ensino médio. A sociedade deveria exigir desses gestores uma taxa crescente de aprovação no exame de ingresso da USP. Esse desafio ajudaria a melhoria do ensino público, colocando uma meta concreta, de fácil apuração. De quebra evitaria os problemas de discriminação intrínsecos ao sistema de cotas.
A verdade é que os envolvidos preferiram uma solução que não exige esforço, a dos preguiçosos. Essa decisão, que em última análise é responsabilidade do governo de São Paulo, gestor da USP e das escolas, é um testemunho da descrença na possibilidade de melhorar o ensino público no curto prazo.
Essa descrença não tem razão de ser. Os melhores alunos das escolas públicas são capazes de ingressar na USP. Um experimento que demonstra cabalmente o potencial desses alunos são os resultados do Instituto Acaia no seu programa Sagarana. Faz 12 anos o Acaia seleciona 36 alunos ao fim do segundo ano do ensino médio de escolas públicas da zona oeste de São Paulo. Oferece a eles um ano de curso intensivo com o objetivo de ajudá-los a entrar nas universidades públicas. 
As aulas são à noite e aos sábados. Não é cursinho, são três anos de ensino médio em um. Os alunos são selecionados com base em seu interesse, motivação e desempenho escolar. Apesar da carga didática alta, a taxa de desistência não chega a 10%. E agora você vai se espantar. A taxa de aprovação dos alunos do Sagarana nas universidades públicas é de 62,61% (quase 80 vezes maior que os 0,79% de todos os alunos das escolas públicas). Se a esse número você acrescentar as universidades privadas de primeira linha (como a FGV), a porcentagem chega a 73%, e inacreditáveis 94% se incluirmos todas as universidades privadas. O Acaia já colocou 468 alunos nessas universidades, incluindo a Faculdade de Medicina da USP. Imagine a autoestima desses alunos que não dependeram de cotas.
A cada ano entram na USP aproximadamente 3.500 alunos das escolas públicas. Para dobrar esse número bastaria oferecer um programa semelhante a 5 mil alunos da escola pública (1% do total de alunos do terceiro ano). Caso 70% fossem aprovados, dobraríamos em um ano o ingresso de alunos da escola pública na USP. Para atingir essa meta bastariam 100 programas semelhantes ao Acaia Sagarana espalhados pelos municípios do Estado de São Paulo, com 50 alunos em cada programa. Ao longo dos anos esse programa poderia ser estendido a todos os alunos. Ninguém vai me convencer que isso não é factível, falta vontade. 
É por isso que acredito que as cotas são uma solução covarde e simplista de quem não acredita que o ensino nas escolas públicas pode ser melhorado e sequer tem a coragem de tentar. Um tiro errado no alvo certo.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Alesp prevê orçamento de 2018 com garantia de emendas parlamentares, FolhaPress

GABRIELA SÁ PESSOA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O orçamento de 2018 do governo paulista poderá levar em conta uma novidade: a garantia legal de que emendas parlamentares propostas pelos deputados estaduais serão atendidas.
Aprovado nesta quarta (5) pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias institui o orçamento impositivo —isto é, uma fatia de 0,2% das previsões estaduais para transferir recursos a municípios a pedido dos parlamentares. Serão cerca de R$ 3 milhões ao ano por deputado, uma verba que pode ser utilizada para reformas de creches e escolas ou compra de ambulância e melhorias em postos de saúde.
Ainda cabem vetos ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), mas segundo o tucano Barros Munhoz, líder do governo na Assembleia, o Palácio dos Bandeirantes está de acordo com as novidades da lei.
O congelamento de emendas, que caíram 82% nos últimos três anos, detonou uma crise entre os parlamentares da base alckmista, que passou a barrar votações de projetos do governo para pressionar o Executivo.
O Bandeirantes liberou os recursos nas últimas semanas e a Assembleia votou os textos em questão —como um que facilita a alienação de imóveis do Estado e outro que refinancia dívidas de ICMS e IPVA.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias, relatada por Edmir Chedid (DEM), foi aprovada com 65 votos. Votaram contra: Leci Brandão (PC do B), Carlos Giannazi e Raul Marcelo (PSOL), e os petistas Alencar Santana Braga, Ana do Carmo, Enio Tatto, José Américo, Luiz Fernando, Teonilio Barba.
O PT é favorável ao orçamento impositivo e vê um "avanço" na resolução, segundo nota divulgada pelo partido.
Politicamente, a garantia das emendas no orçamento pode dar mais independência aos deputados de votar contra os interesses do governo. Segundo Munhoz, a medida "valoriza a Casa".
No entanto, a legenda afirma que o orçamento não destinará recursos suficientes à educação. Também pede mais verbas para o Centro Paula Souza e transparência nos investimentos estaduais no Metrô e na CPTM.
Outra novidade do orçamento é a destinação dos royalties de exploração do petróleo do pré-sal para pagar as aposentadorias de servidores das universidades paulistas. Serão R$ 200 milhões anuais para essa finalidade.
Fonte: Folhapress

Álvaro dos Santos: O arrasador componente tecnológico da corrupção das funções de Estado, OESP


06 de julho de 2017 às 08h10

  
A ARRASADORA COMPONENTE TECNOLÓGICA DA CORRUPÇÃO DAS FUNÇÕES DE ESTADO
por Álvaro Rodrigues dos Santos, especial para o Viomundo
Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo o preclaro ex-ministro Delfin Neto afirma que “o setor privado anulou a única força que controla o capitalismo, que é o Congresso”.
Um ponto culminante da eterna guerra entre o Mercado e a Política. Há que se ver, no entanto, que o fenômeno da privatização do Estado brasileiro, ou seja, do domínio do Estado, em todas suas instâncias, por interesses privados, é velho conhecido dos estudiosos da realidade brasileira.
O que talvez não fosse tão claro à população, e que somente veio à tona com os desdobramentos da operação Lava Jato, é a dimensão do referido domínio.
Ou seja, hoje o Estado brasileiro, abandonando por completo sua figura republicana de representação operacional dos interesses gerais da sociedade, expressa e representa, na pessoa de seus membros e instituições, fundamentalmente interesses privados, empresariais e corporativos.
Há que se ver, entretanto, que a expressão maior dessa disfunção republicana do Estado brasileiro não se traduz somente nos generalizados atos de corrupção ora trazidos em abundância à tona e ao conhecimento público.
Ou seja, a equação mais conhecida, composta por financiamentos privados de campanhas eleitorais, propinas pagas a membros da administração pública direta e indireta para arranjos licitatórios, sobrepreços, aprovação de leis e decisões de interesse empresarial, financiamentos facilitados, etc., etc., não é a única existente. E talvez não seja até a mais danosa ao país.
Muito mais grave, as próprias funções de Estado foram corrompidas. Vamos entender um pouco o que isso significa.
O fenômeno de corrupção das funções de Estado ocorre em todos os ramos da ação estatal, desde a engenharia de obras de infraestrutura aos programas de saúde pública, mas vamos nos ater ao primeiro ramo como exemplificador dos processos a que estamos submetidos.
Bom entender, ao início, que um empreendimento de engenharia, seja uma obra viária, uma barragem, um porto, uma linha de metrô, uma plataforma marítima, um programa de combate às enchentes, um programa de combate às secas, etc., admite várias opções tecnológicas para a concepção de seu projeto e para a execução de sua implantação.
É dentro desse leque de opções tecnológicas que o Estado contratador concebe e escolhe, ou deveria conceber e escolher, aquela de maior interesse estratégico para o país, seja no que diz respeito a aspectos financeiros, seja no que diz respeito às características fisiográficas (clima, geologia, geotecnia…), seja no que diz respeito à capacidade de mobilização e uso das vantagens comparativas regionais ou do país, e por aí segue.
Ou seja, cabe ao Estado contratante a missão de fixar, já nos termos licitatórios, as linhas e concepções tecnológicas básicas que mais interessarão à sociedade brasileira. Perde-se a autonomia dessa decisão quando se perde a competência técnica para defini-la.
O atual, e quase total, domínio do Estado brasileiro pelos interesses empresariais privados e pelos interesses corporativos é, assim, fruto de um longo e programado processo de esvaziamento desse Estado em competência política, gerencial e tecnológica.
O objetivo era óbvio: um Estado incapaz de conceber (projetar), de ter idéias próprias, de exercer capacidade tecnológica crítica, de bem contratar e de bem fiscalizar.
Do ponto de vista da capacitação tecnológica da administração pública contratante, cumpre lembrar que nos órgãos da Administração Direta o processo de enfraquecimento tecnológico, no caso dentro de uma outra, mas também perversa lógica, iniciou-se ainda nos anos 50, e de sua decorrência órgãos públicos que no passado constituíram-se em verdadeiras escolas da engenharia, hoje não são mais que meras estruturas burocráticas contratantes sem nenhuma consistência técnica.
No âmbito da administração indireta, ou seja, das empresas públicas, tivemos um período de ouro que se estendeu, com naturais nuances, dos anos 1950 ao início dos anos 1980, quando o país apresentou crescimentos médios do PIB em torno de 7%/ano.
Nesse período prevaleceu uma orientação governamental estratégica calcada no desenvolvimentismo e no fortalecimento da empresa nacional. Foi dessa época a criação de inúmeras empresas estatais federais e estaduais, as quais constituíram equipes técnicas permanentes de excelência, o que refletiu e induziu a formação de equipes técnicas permanentes no mesmo patamar de excelência em um enorme elenco de empresas de consultoria e projetos criadas e estimuladas a atender as demandas públicas e privadas que se multiplicavam na área de infraestrutura.
Institutos de Pesquisa e Universidade, de sua parte, investiram pesadamente na pesquisa e nos serviços de apoio tecnológico a todo o parque empresarial público e privado que vinha sendo criado. Foi um período de intensa efervescência tecnológica, que guindou nossa engenharia ao mais alto nível de reconhecimento nacional e internacional.
Essas equipes técnicas foram responsáveis pelo desenvolvimento de uma engenharia nacional aplicada às características econômicas, sociais e fisiográficas próprias do país e de suas diferentes regiões, compondo uma abordagem tecnológica associada à visão estratégica de um país nação.
Em período subsequente, que se estendeu de meados dos anos 1980 ao ano de 2004, o país entrou em período econômico recessivo, o que resultou em dificuldades enormes e grande número de extinções para as empresas privadas de consultoria e projetos.
Paralelamente, obedecendo novas orientações para a economia, é implementado um amplo processo de privatização de empresas públicas nas áreas de energia, telecomunicações, transportes e infra-estrutura que implicou na dissolução de equipes técnicas de altíssima capacitação e experiência, constituídas nessas empresas ao longo de décadas, assim como uma temerária fragilização tecnológica de toda uma cadeia empresarial privada mobilizada por contratação das estatais e implicada na produção de estudos e projetos, na implantação dos empreendimentos e no fornecimento de insumos gerais, equipamentos e componentes.
As consequências foram terríveis: dissolução das equipes técnicas permanentes no setor público, enfraquecimento orientado dos Institutos de Pesquisa e da Universidade. Estava sendo ferido de morte o Estado com competência tecnológica e gerencial para conceber, contratar e fiscalizar.
São agora as grandes empresas empreiteiras de obras que definem o conteúdo tecnológico das obras licitadas pela administração pública, via pré-definição de seus editais de licitação. E esses conteúdos tecnológicos, como também a própria escala de priorização dos empreendimentos a serem contratados, ou seja, o que e quando deve ser contratado, são pensados invariavelmente para atender exclusivamente os interesses específicos das empresas envolvidas, naquilo que poderão potencializar seus lucros.
O Estado pensante e assegurador dos interesses nacionais e da sociedade brasileira foi radicalmente desarmado.  Em linguagem mais vulgar, o galinheiro foi entregue à responsabilidade das raposas.
De 2005 a 2013/14, refletindo políticas nacionais e uma boa situação da economia mundial, houve, com a retomada de investimentos, com um forte ensaio de recuperação do país e da engenharia brasileira.
Nesse curto período observou-se também um início de reorganização do setor de consultoria e projetos com o advento do protagonismo de empresas de tamanho médio.
Entretanto, no período que se estende de 2014 aos dias atuais, com o retorno de aguda recessão econômica e circunstâncias onde pontuam três graves ingredientes, a falta de recursos para investimentos em obras de infraestrutura, o empobrecimento geral da população e, em especial, a obsessão neoliberal do atual governo em internacionalizar a economia nacional e demonizar tudo que se refira à administração pública, o domínio privado do estado se expande e se consolida.
O fato resultante é que na área pública vivemos um cotidiano marcado pela execução de obras e empreendimentos não exatamente prioritários frente à nossa ordem de necessidades, mal concebidos tecnologicamente frente às características da região onde se instalam, não utilizadores de nossas vantagens comparativas, não conseguindo via de regra resolver os problemas para os quais foram propostos e comumente entrando em deterioração precoce, o que vai exigir do Estado uma sobre-manutenção não prevista.
Os prejuízos advindos desse maquiavélico processo de corrupção das funções de Estado são de uma ordem inimaginável para a sociedade brasileira. É de se esperar que uma eventual oportunidade histórica de reconstrução ética e patriótica de nossa realidade os considere em sua verdadeira e dramática dimensão.
Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia. É ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”.
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