domingo, 4 de junho de 2017

Um debate sobre Previdência - SAMUEL PESSÔA ( na conta do ridículo)


FOLHA DE SP - 04/06

Meu interlocutor argumentou que os benefícios previdenciários no Brasil são baixos. Que é muito difícil viver com dois salários mínimos.

Respondi que a renda per capita do país é baixa e por isso o benefício médio da aposentadoria é baixo. No entanto, nosso salário mínimo já corresponde a 70% do salário mediano do país.

Meu interlocutor respondeu-me que o Brasil não era um país pobre; era a décima economia do mundo.

Respondi que, para esse tema, é errado olhar o tamanho absoluto da economia –somos a décima economia porque nossa população é grande. Temos de olhar a nossa renda per capita. Nesse critério, estamos entre a 60ª e a 70ª posição. Estranho ter que fazer esse argumento para um economista formado.

Em seguida, argumentei que gastamos com Previdência –incluindo aposentadorias e pensões, setor privado e público, população urbana e rural e o benefício de prestação continuada– 14% do PIB (Produto Interno Bruto), despesa três vezes maior do que a de economias com a mesma demografia do que a nossa. Adicionalmente, a conta da Previdência responde por 55% do gasto primário da União, de um Estado com uma das maiores cargas tributárias entre os emergentes.

Meu interlocutor respondeu-me que ninguém olha a conta de juros e que essa conta é muito maior do que a previdenciária.

Argumentei que a conta de juros é salgada pois os juros reais são muito elevados no Brasil. O principal motivo de os juros reais serem elevados no Brasil é que nossa taxa de poupança é ridiculamente baixa, e taxa de poupança baixa é a contrapartida de um Estado que gasta muito com Previdência.

Adicionalmente, os juros pagos pelo Tesouro Nacional aos detentores de títulos da dívida pública –os poupadores ou os rentistas, tanto faz– são muito menores do que algumas contas sugerem. Vários erros são cometidos.

O primeiro é considerar que a amortização da dívida pública constitui um gasto público. Suponha que um inquilino tenha de deixar o apartamento em que vive, pois ele foi requisitado pelo senhorio. Entrega o imóvel e aluga outro. Ninguém em sã consciência considera que ao entregar o imóvel a pessoa gastou o valor do imóvel. O imóvel nunca lhe pertenceu. Analogamente, amortização da dívida pública é a devolução de um recurso que nunca pertenceu ao Tesouro. Não constitui uma conta do gasto público.

Outro erro comum é considerar que a correção monetária da dívida pública corresponde a um item do gasto público. A correção monetária não é renda para o poupador (ou rentista, tanto faz), pois somente repõe a perda de valor da poupança pelo aumento dos preços; logo não é gasto para quem paga.

A conta de juros reais pagos sobe ou desce de acordo com a política monetária. Ao longo do tempo, é de aproximadamente 3% a 4% do PIB. A conta é salgada, mas bem menos do que se pensa.

Meu interlocutor afirma que o baixo crescimento da produtividade no Brasil precisa ser enfrentado como os asiáticos fizeram: estímulo à indústria.

Não nota que no leste asiático os juros são baixos. Juros baixos favorecem a indústria e o investimento em infraestrutura física, ambos intensivos em capital. O crescimento será bem maior.

Os juros são baixos pois lá a poupança é elevada. Esta, por sua vez, é elevada pois a Previdência é considerada um tema privado. O Estado pouco gasta com Previdência, e a carga tributária é baixa.

O círculo se fechou.

A procissão que ainda não terminou, OESP


São João del Rei expressa seu sentimento sobre acusações contra neto de Tancredo

Gilberto Amendola, enviado especial, O Estado de S.Paulo
04 Junho 2017 | 05h00
SÃO JOÃO DEL REI e CLÁUDIO (MG) - Em abril de 2014, Aécio Neves repetia o gesto do avô, Tancredo Neves, e carregava a chama da lanterna de prata pelas ruas da cidade histórica de São João del Rei (Minas Gerais) – durante as duas cerimônias mais emblemáticas da Semana Santa, o descimento da cruz e a procissão do enterro. Na época, a participação de Aécio foi considerada o lançamento “emocional” da campanha que, meses mais tarde, quase o transformaria em presidente da República. “Sabe que tudo nessa cidade tem um caráter religioso muito forte. As coisas têm significado. Aquela procissão foi diferente. Ela não terminou ainda...”, disse a professora Marta Rezende, de 52 anos, antes de ser interrompida pelo dobre fúnebre de um sino.
Em São João del Rei ninguém acredita no acaso. A vida dos moradores é revestida pela presença do mistério divino. Seus menos de 90 mil habitantes se dividem entre as 35 igrejas e uma série de confrarias religiosas – que não demoram a ensinar aos forasteiros e turistas o quão importante é aprender a ouvir aquilo que os sinos de São João falam.
Na quarta-feira passada, os dobres e repiques vieram da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, mantida e administrada pela confraria da Nossa Senhora da Boa Morte. Dois dias depois, Aécio foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após ser afastado do mandato de senador por decisão do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
O sineiro Luiz Carvalho de Freitas, de 27 anos, é quem escala a torre da catedral para tocar aquele que é considerado o sino mais perigoso da cidade. “Ele é pesado. E não está bem balanceado. É preciso muita experiência”, conta Freitas que desde os tempos de coroinha sonhava em tocar os sinos da catedral. “Antigamente, os sinos avisavam às pessoas o que estava acontecendo. Avisavam se era um dia de festa ou de tristeza”, explica. “Hoje os sinos ainda significam muito aqui. A cidade anda um pouco triste. Esse é um toque de reflexão e busca por entendimento. Acho que é por tudo o que está acontecendo...”, completa.
Dessa vez a notícia ou “o tudo que está acontecendo” não chegou por meio dos sinos. Veio pela internet, pelos smartphones, televisão ou pela conversa do vizinho que acabou de ler o jornal. O Aécio, neto de Tancredo, foi gravado pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista, dono da JBS.
Nascido na cidade, Tancredo tem status de figura religiosa em São João del Rei. Sua importância se impõe, até mesmo, a de outro nascido por lá, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira. Não por acaso, ao menos em São João del Rei, o 21 de abril é mais lembrado pela morte que ocorreu em 1985, a morte do quase presidente Tancredo.
Personagens folclóricos da cidade gostam de recordar do dia 21 de abril de 1985 como o dia que São João parou. O pipoqueiro Oscar Godofredo Amorim, de 67 anos, fala que “era um mar de gente”. “Foi o dia que eu mais vendi cana de açúcar.” A reverência à figura de Tancredo é tanta que o pipoqueiro recorda que, “se ele dissesse, ‘hoje ninguém come feijão em São João’, ninguém comia”.
Outro personagem da cidade, João Aureliano, o João Mão de Onça, ficou conhecido nacionalmente por ter sido o coveiro que enterrou o corpo de Tancredo e, principalmente, ter ficado com a colher (pá) usada na ocasião. “A cidade inteira chorou. Ele mandava aqui, mas era muito generoso”, conta Mão de Onça – que guarda a colher até hoje na própria residência. “Ela é minha. Já tentaram me roubar. Tentaram colocar em museu. Nada disso, ela é minha. Na época ofereceram 28 mil cruzeiros. Hoje deve valer uns 50 mil”.
Mão de Onça diz que sempre desconfiou de Aécio e a população nunca deu o mesmo crédito para ele como dava para o avô. “Eu mesmo votei na Dilma Rousseff”, revela. O coveiro tece uma série de comentários contra o suposto ato de corrupção envolvendo o neto de Tancredo para depois insinuar a cobrança de uma taxa para que a reportagem pudesse fotografar a colher com que ele enterrou Tancredo. A reportagem reclinou.
O emblemático solar dos Neves, no centro histórico de São João del Rei, está fechado. Apenas uma camareira atende o interfone e avisa que o local certo para visitação é o “Memorial” e não o casarão – e “no mais nós estamos instruídos para não falar nada”.
Assim como as críticas são feitas em “baixo tom”, quase não se vê pichações contra Aécio na cidade. A única encontrada pela reportagem estava quase na saída do município e dizia “Fora, Aécio e Cia.” Só isso.
A cidade já apoiou muito Aécio. Em festas em que ele comparecia era comum ver o povo o seguindo e ele retribuindo com beijos e demonstrações de carinho. “A cidade respeita muito a família Neves. E essas coisas (denúncias) são muito difíceis de acreditar”, comentou Dalva Neves Vieira, de 76 anos – que apesar do sobrenome não tem parentesco com o político. “Antes as pessoas brincavam com meu sobrenome e eu até gostava. Agora, a brincadeira já não é tão legal”, completa.
A bordo de uma Brasília. Uma boa lembrança que Aécio tem da sua juventude era o caminho feito entre São João del Rei e a cidade de Cláudio a bordo de uma Brasília velha. A viagem dura pouco mais de três horas – por uma estrada por vezes perigosa e com grande trânsito de caminhões.
A cidade, que tem pouco mais de 25 mil habitantes, foi onde nasceu a avó de Aécio, dona Risoleta Neves. O local ficou ainda mais conhecido depois da polêmica envolvendo o aeroporto da cidade (construído em um terreno de um parente de Aécio) e da ação da Polícia Federal nas fazendas do próprio Aécio e do primo dele Frederico Pacheco – que está preso por suspeita de lavar dinheiro da JBS em favor de Aécio.
O centro de Cláudio não lembra em nada São João del Rei. É possível encontrar prédios e até algum trânsito na área mais central. Na praça, aposentados e taxistas jogam truco usando tampinhas de refrigerante como se fossem dinheiro. Ao serem interrompidos pela reportagem, vão logo avisando: “Em São Paulo, vocês ainda votam no Aécio, né?”, ri o aposentado Antônio Silveira Filho, de 69 anos.
Questionada pelo Estado sobre as críticas ao senador afastado, a assessoria de imprensa afirmou que Aécio “tem laços familiares e históricos com as cidades de São João del Rei e Cláudio” e “luta, pelos meios legais, para que a injustiça cometida contra sua irmã e sua família seja reparada”. “As investigações demonstrarão a fraude das denúncias feitas, sobre às quais não existem provas”. Anteontem, Aécio foi denunciado por Janot por corrupção passiva, acusado de receber R$ 2 milhões de Joesley, e obstrução de Justiça.
Em meio às denúncias, há quem prefira pelas terras de Aécio falar de outros assuntos. O aposentado Otávio Loureiro, de 67 anos, discute, por exemplo, a qualidade da cachaça. “Aqui não tem disso. A gente malha o Aécio, mas tem respeito à memória da dona Risoleta”, afirmou, depois de dar um gole na ‘Sapezinha’, o destilado de cana mais consumido na região.

'O Eu Diário' - HÉLIO SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 04/06

Quando você acessa alguma rede social em busca de notícias, acaba lendo um "jornal" que poderia muito bem receber o nome de "O Eu Diário". É que quem se informa apenas pelas redes acaba adquirindo um conteúdo ultrafiltrado, que exclui tudo o que o titular da conta não aprecia. O "noticiário" esportivo fala apenas do seu time; o político, do partido com o qual você se identifica; e as páginas de opinião trazem justamente as opiniões com as quais você já concorda.

Para alguns, essa poderia ser a definição de vida perfeita: um filtro que elimina tudo aquilo de que eu não gosto. Mas, como o mundo não é tão simples, a prática tem alguns efeitos colaterais deletérios. É esse o tema central de "#republic", de Cass Sunstein. Para o autor, as câmaras de eco em que as redes sociais nos colocam acabam reforçando a fragmentação e a polarização da sociedade. Sunstein analisa com competência a literatura psicológica que mostra por que e em quais condições isso ocorre. Para ele, as redes tratam as pessoas como consumidoras e não como cidadãs, e a diferença é importante para a democracia.

Se, no registro do consumo, podemos perfeitamente nos pautar apenas por nossos gostos e idiossincrasias, no da cidadania, precisamos nos expor a assuntos e ideias que não fazem parte de nossa pauta favorita. É preciso até ouvir e avaliar argumentos com os quais não concordamos.

Sem isso, os aspectos mais deliberativos de nossa democracia, que só funcionam em condições muito específicas, entram em colapso. E não é só. Sem uma base comum de problemas e ideias que valem a pena discutir, não temos nem sequer uma linguagem que possa ser usada -e compreendida- por todos.

Para Sunstein a questão não é se devemos ou não regular a internet e a liberdade de expressão, mas como fazê-lo para preservar ao máximo as vantagens da rede, as liberdades civis e a saúde da República.