segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Sonia Racy: Partido Novo





  • Fundador de um partido sem políticos, João Dionísio Amoedo diz que o Brasil só crescerá quando o governo deixar as pessoas e empresas crescerem. E, sobre os desafios do futuro: o importante "não é dar certo, é fazer o certo".
    Um cidadão sabe muito melhor do que o Estado o que fazer com seu dinheiro. Um governo que quer fazer coisas demais não fará nenhuma direito. O que o Brasil precisa hoje é de um Estado menor, que pare de ficar protegendo as pessoas - ele tem é que cuidar de tarefas essenciais e deixar de atrapalhar. Foi com ideias assim que, nos últimos três anos, o administrador e engenheiro carioca João Dionísio Amoedo - hoje com 52 - juntou amigos, viajou, correu as redes, reuniu 502 mil assinaturas e conseguiu, em setembro, registrar no TSE o 33º partido do País - o Partido Novo (depois dele, mais dois já se registraram).


    Engenheiro de formação, com carreira no mercado financeiro e passagens pelo Citibank e o BBA, Amoedo criou, de propósito, um "estranho no ninho" - um partido feito inteiramente por gente de fora da política. Mas, sem a experiência dos políticos, não corre o risco de não dar certo? "O importante não é dar certo, é fazer a coisa certa", pondera Amoedo. "Temos empresários, estudantes, profissionais liberais. No cadastro há 35 profissões. Político, nenhum", ressalta nesta entrevista a Sonia Racy eGabriel Manzano. A seguir, os principais trechos da conversa.


    Como lhe veio essa ideia de criar mais um partido no País e por que acha que ele vai ser diferente?

    A ideia apareceu entre 2008 e 2009. Em conversa com amigos, ficávamos agoniados de ver a quantidade de impostos que todos pagamos e o pouco que o governo nos dá em troca. Não é possível, dizíamos, que não se possa levar à vida pública as boas coisas da economia privada - boa gestão, meritocracia, transparência. E ao falar com alguns políticos percebemos que era preciso gente nova para fazer isso.


    E imaginaram que a solução seria criar um novo partido.

    Sim, e tudo dentro das instituições democráticas. Investigando as 27 ou 28 legendas que havia então, não vimos nenhuma que representasse de modo satisfatório a ideia de um Estado cuidando de áreas essenciais e que deixasse os cidadãos em paz. Em 2010, decidimos pôr esse negócio em pé.


    "Decidimos", quem?

    Um grupo de amigos no escritório, empresários, gente do mercado financeiro... Tivemos duas reuniões no Rio e uma em São Paulo e foram chegando estudantes, profissionais liberais. Nenhum político no grupo. A largada foi com 181 fundadores, de 35 profissões. A maioria era de São Paulo e do Rio, mas havia gente de 10 Estados. A lei eleitoral exige representantes de pelo menos nove.


    E como conseguiram as mais de 490 mil assinaturas?

    Foi bem mais difícil do que imaginávamos, demorou uns dois anos. Contratamos uma empresa que montou equipes de rua, essas equipes explicavam o partido e suas ideias básicas, pusemos ficha de inscrição no nosso site na internet. Chegamos a um milhão de eleitores, validamos pouco mais da metade. Vimos como foi difícil para a Marina (Silva, presidente da Rede Sustentabilidade) essa validação. Em julho entramos no TSE, que aprovou a sigla em setembro.


    No registro, o Tribunal mandou alterar um item que falava em cargos permanentes na direção. Qual o motivo? Um grupo pretendia ser dono do partido?

    Não foi assim. Falava-se em prazo indeterminado. O que houve foi que nossos advogados sugeriram que era preciso ter um controle da legenda, na fase inicial, até se garantir que a ideia original estava implantada, e de pé. Na mudança que foi pedida pelo tribunal, definimos um prazo para os membros do diretório.


    "ESTADO MENOR SIGNIFICA

    MENOS ESTRAGO E

    MENOR CORRUPÇÃO"


    Já dispõe de um perfil socioeconômico desses filiados? 

    Na média, eles estão pelos 40 anos de idade. O perfil de muita gente é do tipo "jamais imaginei estar filiado a um partido político". Temos hoje 17 núcleos, uns 50 mil cadastrados online, gente de muitas profissões, da Polícia Federal, do Ministério Público, contador, vigia noturno. O que não tem, mesmo, é político.


    Sem políticos, não se corre o risco de não dar certo? E quais as grandes causas do PN?

    Vamos começar com um esclarecimento: nosso propósito não é "dar certo", é "fazer a coisa certa". E sabemos que isso pode levar tempo. Quanto às causas, a principal é lutar para que se reduzam o papel e a presença do Estado na vida das pessoas e das empresas. O governo central não tem que ser um protetor da sociedade - o que é uma desculpa para ele controlar. Tem de cumprir tarefas essenciais e deixar os cidadãos viverem em paz.


    Quais tarefas essenciais?

    Saúde, educação, segurança, defesa, política externa. Uns cinco a sete ministérios, mais uma boa rede de proteção para pessoas na extrema pobreza. O que sabemos, todos, é que o Estado, como qualquer um de nós, não consegue fazer bem um montão de coisas ao mesmo tempo. Tem de fazer poucas, e bem. Além disso, num país como o nosso, um Estado menor significará menos estrago e menos corrupção.


    Já há um plano de candidaturas para prefeito em 2016?

    Temos um caminho ainda pela frente. Primeiro, estruturar o partido. Segundo, consolidar uma marca, como instituição. Isso é um ponto crucial. Terceiro, trazer pessoas novas para a política. Quarto, elegê-las. E quinto, promover um debate sério sobre mudanças estruturais. Quanto a 2016, a eleição já está muito perto. Gostaríamos de ter candidatos a vereador, a prefeito, é essencial para consolidar o nome. Mas não queremos cair nessa de eleger um "puxador de votos" para ganhar espaço. O compromisso é promover ideias. Difícil? Sim, mas é o que precisa ser feito. "Fazer o certo" é mais importante do que "dar certo".


    No atual momento, "fazer o certo" significa apoiar o impeachment da presidente Dilma?

    Depois das avaliações do TCU, quanto ao uso irregular de dinheiro nas pedaladas, e constatado o crime de responsabilidade, passamos a apoiar o pedido de impeachment.


    Qual a proposta do PN para o Brasil sair do atual buraco?

    Primeiro, precisa de alguém no comando que tenha credibilidade, coisa que nos falta no momento. Segundo, ter ideias corretas - como essa de que o Estado tem de estar menos presente. Terceiro, o governo tem de fazer uma redução séria dos gastos. E quarto, fazer as reformas estruturais - trabalhista, previdenciária, tributária, privatizar empresas...


    O eleitor tem ouvido esse tipo de análise há 20 anos...

    Mas alguém já pegou um plano assim e levou adiante? O discurso é sempre de que "eu vou fazer isto e aquilo por você..." O discurso do Novo vai ser "eu prometo não atrapalhar". O cidadão às vezes não percebe que quando um político lhe "paga" as promessas - isso quando paga... -, está aplicando dinheiro que é dele, cidadão. Não é favor nenhum.


    O PN deverá atrair um eleitorado identificado com o liberalismo, com as teses do Estado mínimo. O momento parece bom para defender essa ideia ao País? 

    Não gosto desse termo, não sei bem o que é o Estado mínimo. Mas a nossa aposta é que o Brasil só vai conseguir crescer se as pessoas tiverem liberdade para crescer, se o Estado estiver menos presente.


    "UMA BOA CAUSA SE VENDE

    POR SI, NÃO PRECISA

    DE TANTO DINHEIRO"


    O sr. já disse que o PN é contra a existência do Fundo Partidário. Do que então ele vai viver?

    Temos um sistema de contribuição que recebe de cada filiado 26 reais por mês - um valor equivalente a meio salário mínimo por ano. Vamos ampliar nossa interação em redes sociais. Pra se ter uma ideia, o PN está hoje só atrás do PSDB e do PT nas mídias. O PSDB tem 1,2 milhão de seguidores, o PT 950 mil. E nós, 920 mil. A Rede da Marina tem uns 60 mil. Mas a Marina, pessoalmente, tem uns 2 milhões. A Dilma, 2,7 milhões. O Aécio, 4,5 milhões. Isso comprova o que dissemos antes: que a nossa política é feita de pessoas, não de ideias.


    Mas um partido que sai do nada, que não quer puxadores de votos e terá horário mínimo na TV terá dificuldades para tornar os candidatos conhecidos.

    Sim, é uma missão difícil, mas não impossível. Muita gente já perguntou pelo Facebook se vamos ter candidato em 2016. Respondemos que sim e eles dizem: "Ótimo, vou votar nele, nem preciso saber quem é". Precisamos ter uma marca séria, conquistar essas pessoas. Sem essa de salvador da pátria. E também podemos aproveitar bem a tecnologia, as mídias sociais, fazer contato sem mobilização física. Veja os bancos: eles não saem mais abrindo agências por toda parte, fazem quase tudo online, para clientes do planeta inteiro.


    Como veem a questão do financiamento de campanha?

    Achamos que se você tem uma boa ideia e um bom produto, não precisa gastar um montão de dinheiro para "vendê-los" ao eleitor. Em 2008, o Fernando Gabeira, numa campanha modesta, quase boca a boca, perdeu por apenas 50 mil votos do Eduardo Paes na disputa pela Prefeitura do Rio. Daí a importância de se criar uma marca para o PN. Uma boa causa se vende por si. Fica bem mais barato.


    Muitos partidos nascem cheios de boas intenções e quando crescem fica difícil controlar os egos, os conflitos. O PN vai ser diferente?

    Há formas de minimizar isso. Nos estatutos do Novo criamos um item pelo qual quem é parte da diretoria não pode ter cargo eletivo. Ou seja, quem pensa o partido não atua na política diária. Nos partidos que estão aí, são justamente os cardeais que controlam os grandes cargos e os usam para obter o que desejam. Quem preside o PSDB? Um senador. Quem preside o PT? Um deputado. No Novo, quem negocia política diária não apitará nos debates sobre estratégias da legenda.


    Mas política é conversa, é assumir compromissos. É o que deixa marcas e define a imagem da sigla, não?

    Como disse antes, o que queremos é "fazer o certo". Não pretendemos entrar nessa de negociar cargos nem de controlar o que for. Queremos as ideias orientando as ações. Nos fixamos em poucas coisas, centrais. Como essa de que já despejamos muito dinheiro nas mãos do Estado, e não adianta criar uma ONG pra ajudar isto ou aquilo. Tem uma lógica, e pode dar certo. Em vez de ONG, vamos direto ao Estado, fazer o que não foi feito.


    Outros partidos, na história, têm sido fiéis a uma causa - PC do B, PSOL, PSTU, PV... - e são pequenos, sem grande peso na política. O PN vai mudar essa escrita?

    Acho que sim. O que a experiência nos diz é que partidos que flexibilizam muito sua atuação não criam identidade com o eleitor. O Novo chega de fora, vai lutar para ser protagonista, sem entrar em coligações, tendo candidatos próprios.


    FHC disse, recentemente, que finalmente há dois partidos com inovação, e citou Marina e vocês. O que achou?

    Achei bom saber, o FHC acompanha política há muito tempo, tem uma visão equilibrada. É bom que nos tenha reconhecido como um projeto sério.


    Que acha do Bolsa Família?

    Não sou contra, ele tem coisas importantes. O custo é baixo em relação a outros programas, como o seguro-desemprego. Depois, o governo repassa o dinheiro e o cidadão pode fazer as compras na rede privada. Escolhe por sua conta o que gastar e onde. O que falhou é que deveria levar as pessoas a uma situação melhor e isso não aconteceu. Virou puro assistencialismo, um remédio. E o governo ainda bate bumbo e diz que, em vez de mil pessoas tomando o remédio, agora tem duas mil! Não faz sentido.

domingo, 25 de outubro de 2015

Estrondo na selva, Aliás OESP


Há 85 anos, pedaços de cometa tingiam de vermelho o céu da Amazônia e atemorizavam pescadores e seringueiros

O fim do mundo surgiu de repente. Em plena manhã, o sol ganhou tom vermelho-sangue e uma poeira espessa cobriu de escuridão a floresta amazônica na região do Rio Curuçá, afluente do Javari. Cinzas finas se espalharam sobre árvores e cursos d’água e grandes bolas de fogo despencaram do céu, em meio a sibilos e trovões. Três diferentes explosões, uma mais forte que a outra, fizeram a terra tremer e estrondos alcançaram centenas de quilômetros. Apavorados, seringueiros largaram o que faziam para um último abraço na família enquanto pescadores caíam de joelhos nas margens de rios para encomendar a alma a Deus. Em Remate dos Males (atual Benjamin Constant) – onde a população não chegou a ver as bolas de fogo, mas ouviu explosões –, muitos pensaram que o Exército testava novos canhões no Forte de Tabatinga. Eram quase 8 horas de 13 de agosto de 1930.
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Quando o frade franciscano Fidelis D’Alviano chegou à região do Amazonas, cinco dias após o fenômeno, a população continuava aterrorizada. Se não fora o fim dos tempos, o que havia acontecido então? Não adiantou o religioso entendido em ciências cogitar que as bolas de fogo poderiam ser bólidos vindos do espaço, que, ao entrarem na atmosfera terrestre, provocam brilho intenso seguido por estrondo. A tese de bombas e gases venenosos despejados por aviões de uma inexistente guerra de brasileiros e peruanos era mais aceita.
O pesquisador Ramiro visitou a região em 1997: feras e 'caceteiros'
O pesquisador Ramiro visitou a região em 1997: feras e 'caceteiros'
Etnógrafo e linguista, frei Fidelis refutou explicações místicas para se concentrar em pesquisas in loco. Visitou comunidades ao longo do rio, entrevistou quase uma centena de pessoas e produziu um relatório objetivo do caso. Por mero acaso, o religioso responsável pela catequese de índios ticunas se tornaria o único emissário para o mundo de um dos mais importantes impactos do século 20, que agora, oito décadas depois, ganha sua descrição científica mais completa e detalhada. Escrito pelos pesquisadores Ramiro de la Reza, Henrique Lins de Barros e Paulo Roberto Martini, o artigo O Evento do Curuçá: A Queda de Bólidos em 13 de agosto de 1930 faz parte do primeiro de dois volumes da obra História da Astronomia no Brasil (Companhia Editora de Pernambuco – Cepe), organizada por Oscar Matsuura. Uma tradução para o inglês será publicada em revista internacional.
O relato de frei Fidelis foi reproduzido em 1931 pela agência Fides emL’Osservatore Romano, o jornal oficial do Vaticano. Logo abaixo do título – A queda de três bólidos no Amazonas: estranho e aterrador fenômeno –, aparecia o local de origem do texto: “São Paulo de Olivença (Amazonas, Brasil)”. O material serviu de base para uma notícia do jornal inglês The Daily Telegraph, que, em tom sensacionalista, falou do perigo que a civilização correra. O caso, porém, acabou esquecido e permaneceu inédito no Brasil até 1995, quando Ramiro, hoje professor emérito do Observatório Nacional, encontrou um artigo do astrônomo britânico Mark Bailey sobre o “evento do Curuçá”. Nele, o especialista inglês mencionava texto de cientistas russos sobre o caso acontecido em 1930 na Amazônia que lembrava o fenômeno do Tunguska, ocorrido 22 anos antes do outro lado do mundo, na Sibéria. Lá, um imenso objeto, com diâmetro entre 60 a 100 metros, explodiu na atmosfera causando violenta onda de choque que devastou 2 mil quilômetros quadrados de mata. Em 1923, o geofísico Leonid Kulik organizou uma expedição até o ponto de queda e descobriu que a população transformara a área em local sagrado. 
Logo após desenterrar a história do Curuçá, Bailey publicou artigo no jornal inglêsThe Observatory em que propõe a hipótese de que um cometa conhecido desde os tempos de Cristo, o Swift-Tuttle, teria sido o responsável pela sensação de fim do mundo no “Tunguska Brasileiro”. Entre 11 e 13 de agosto, quando na jornada em volta do Sol a Terra passa pela órbita desse cometa, ocorre no Hemisfério Norte a chamada Chuva de Perseidas, em que partículas cometárias que parecem vir da direção da constelação de mesmo nome caem na Terra como estrelas cadentes. Para alguns historiadores, esse fenômeno ajudou a popularizar a astronomia nos séculos 19 e 20. “Eu trabalhava em outra área, de pesquisa estelar, mas vi um paper escrito por esse inglês perguntando se alguém do Brasil sabia do assunto. Foi quando resolvi me dedicar a ele”, conta Ramiro.
Para começar, ele falou com Henrique, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que na época dirigia o Museu de Astronomia e Ciências Afins. Com ajuda do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), os dois conseguiram fotos de satélite da área onde teria ocorrido a queda, mas não viram nada que chamasse a atenção. “Penduramos as imagens na minha sala e, após semanas, notei pelo canto do olho uma pequena mudança numa delas”, conta Henrique. “Disse ao Ramiro que podia ser delírio, mas tinha enxergado um novo detalhe. Tiramos foto da foto, mudamos o contraste, determinamos os componentes e achamos o local do que seria a cratera.”
Ramiro então apurou no Observatório Sismológico de San Calixto, em La Paz, Bolívia, que às 7 horas de 13 de agosto de 1930, a 1,3 mil quilômetros de distância do ponto de impacto, foi registrado um tremor de 4,7 graus na escala Richter. O intervalo de uma hora deve-se à diferença de fuso entre os países. Ainda foram consultados especialistas em Botânica, que determinaram que a cobertura vegetal indicada pelas imagens de satélite era esperada porque a floresta ali leva em média 30 anos para se recompor e já haviam se passado 65. Em 1997, a tarefa mais difícil: Ramiro e outros pesquisadores, como Paulo Roberto, gerente do Projeto Pan-Amazônia do Inpe, fizeram uma expedição até o Vale do Javari e encontraram a cratera a 25 quilômetros do Rio Curuçá, na latitude 5.18 S, longitude 71.65 O.
Em companhia do sertanista Sidney Possuelo e de equipes de televisão da Austrália e do Brasil, o grupo saiu de Tabatinga, no Amazonas, e viajou dois dias e meio de barco pelos Rios Javari e Curuçá até a boca do Igarapé Esperança. Depois, com apoio de GPS, encarou 20 quilômetros de caminhada na floresta virgem até chegar ao astroblema – estrutura circular no solo terrestre causada pelo impacto. A região é terra dos temidos índios corubos, conhecidos como “caceteiros”, e dos não menos assustadores índios “flecheiros”. “Foi lindo, mas nunca mais volto lá. É um lugar onde homem branco não entra. Só tem animais e indígenas isolados e você pode morrer a qualquer momento”, conta Ramiro, rindo. 
A aventura durou 18 dias e possibilitou a coleta de algumas pedras redondas, enviadas para análise na Austrália. Elas são consideradas anormais para a região, na qual predominam argila e arenito. Segundo Paulo Roberto, ainda não foi feita análise do irídio, elemento químico que não existe na Terra e só aparece onde houve impacto. Mesmo assim, o Curuçá passou a integrar o seleto trio dos maiores eventos do século 20 – menor que o Tunguska e maior que outro fenômeno ocorrido em 1935 na Guiana Inglesa, do qual os cientistas têm poucas informações. “Fenômenos como o Curuçá são muito raros e registros desse tipo permitem estabelecer uma hipótese do que pode ocorrer nos próximos cem anos, por exemplo, além de esmerar o modelo com que se trabalha”, explica Henrique. “Também mostram que a ciência brasileira está ativa.”
O levantamento dos três especialistas traz, além de relato do frei Fidelis e da reportagem traduzida do jornal do Vaticano, um estudo dos diferentes aspectos físicos e sociológicos do Curuçá. Com explicações para o que os homens da floresta amazônica viram, ouviram e sentiram em 1930, como bolas de fogo no céu, queda de cinzas antes e depois dos estrondos e tremor de terra, bem como a ausência de menção a incêndio ou ondas de calor. Também diferencia os dois tipos de bólidos que podem atingir a Terra e, em tese, acabar com a humanidade dependendo do tamanho e da velocidade, como ocorreu com os dinossauros há muitos e muitos séculos. O primeiro são os cometas – compostos de gelo sujo e poeira vindos de regiões mais afastadas do centro do Sistema Solar e de órbitas mais conhecidas. O segundo são os asteroides – formados por rochas ou metais, provenientes em sua maioria de um cinturão entre Marte e Júpiter e potencialmente mais perigosos por não terem hora nem local para cair.
Mas o que frei Fidelis certamente teria gostado de saber está nas páginas finais: o motivo de terror de seringueiros e pescadores há 85 anos foi provavelmente um fragmento de cerca de 340 metros de um bólido extraterrestre formado por gelo e poeira que teria se separado do corpo principal do cometa Swift-Tuttle e caído na Terra no sentido Norte-Sul, compatível com o que se espera de um objeto vindo da direção de Perseidas. A uma altura entre 102 e 111 quilômetros do solo, ele se desintegrou com a pressão da atmosfera e partes mais densas que ainda resistiram atingiram a floresta a uma velocidade de 1,2 km/s, distribuindo-se por uma área de 5,5 quilômetros por 2,2. A maior delas formou a cratera de 400 metros de diâmetro e 50 de profundidade na área do Javari, hoje completamente coberta pela mata e só habitada por animais selvagens e índios “caceteiros” e “flecheiros”.

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Ronaldo Cesar
Ronaldo Cesar
Observação a redatora. A Latitude e Longitude está errada, se epsquisar verá que não é o local citado na reportagem, digite as reais coordenadas e encontrará o sinal do impacto na vale CURUÇÁ.  5º 04’ 28” S e 71º 49’ 10” O), no Google digite Evento curuçá e leia a material completo. abraços.

Contemplar o capim, Aliás, OESP


Lúcia Guimarães
12 Setembro 2015 | 16h 00
Folgo e convido minha alma, 
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deito-me e folgo à vontade vendo 
uma lança de capim no estio. 
(CANÇÃO DE MIM MESMO, POEMA DE FOLHAS DE RELVA, DE WALT WHITMAN)
Quem tem tempo de se espalhar na grama e admirar a lança de capim em vez de conferir a tela do smartphone? Em 1855, o poeta Walt Whitman não sabia nem precisava saber o que era ser multitarefas, mas já ensinava, em seu poema clássico, que a mente precisa vadiar. Vivemos uma era de aceleração de fontes de informação como nenhuma outra na história da humanidade. Mas o nosso cérebro tem a mesma capacidade fisiológica de enfrentar esse ataque de dados que tinha o cérebro do poeta. Em um livro best-seller escrito para você e para mim, não para cientistas, o celebrado autor Daniel Levitin oferece recursos para impedir que o leitor seja soterrado pela avalanche diária de informação. A Mente Organizadacombina a apresentação das descobertas recentes em estudos sobre o cérebro e sugere rotinas para assumir o controle do ecossistema de informação, e não ser controlado por ele. Levitin é um neurocientista, especialista em psicologia cognitiva e músico, autor de outro best-seller, A Música no Seu Cérebro.
Evolução do cérebro não acompanha o bombardeio de informações. Por isso, é preciso descanso
Evolução do cérebro não acompanha o bombardeio de informações. Por isso, é preciso descanso
Ele dirige um laboratório de percepção musical na McGill University, em Montreal, e é cofundador e diretor do programa de Ciências Sociais do Projeto Minerva, universidade fundada em 2012 em San Francisco. O Minerva é um programa de graduação com 120 alunos que visa a reformar a educação superior do século 21 para enfrentar as rápidas mudanças em vários campos de conhecimento. “Não achamos honesto cobrar altas anuidades de estudantes que, ao se formar em certos campos profissionais, não podem mais usar o que aprenderam porque seu conhecimento já está superado”, diz Levitin, em entrevista exclusiva ao Aliás. “Temos foco em pensamento crítico, solução de problemas e 25% do currículo é concentrado em promover a comunicação efetiva.” Engraçado: na era dos nerds esquisitões da tecnologia, uma escola de vanguarda privilegia o diálogo.
Em A Mente Organizada, Levitin observa o que têm em comum as pessoas bem-sucedidas e produtivas. Sugere estratégias de organizar a memória – esvaziá-la com exercício e instrumentos que chama de extensões do cérebro, como calendários eletrônicos, smartphones e cadernos de anotação. Curiosamente, ele notou, entre seus mais ocupados interlocutores, um apego físico a objetos analógicos, pequenos cadernos de anotação, fichas, canetas e lápis. E especula sobre as vantagens de manter esse hábito.
O cérebro precisa de resets neurais. São esses resets que nos tiram de situações como a de um carro atolado na lama. É frequente, depois de uma pausa de repouso, encontrar a solução para um problema que parecia fora de alcance. A neurociência, conta Levitin, comprova que contemplar a natureza oferece um poderoso reset – até mesmo olhar imagens da natureza. 
A eficiência em organizar a informação nos torna mais do que produtivos. É um instrumento de libertação para o ócio, para os momentos em que podemos contemplar a grama e ter grandes ideias. Como ter inspiração para escrever o maior clássico da poesia norte-americana.
Por que falamos em sobrecarga de informações?
Para os cientistas, a sobrecarga é a diferença entre a quantidade de informação com que somos bombardeados e a capacidade do nosso cérebro de lidar com ela.
O que é a obsolescência evolucionária, que o senhor aponta como parte do obstáculo para lidar com o excesso de informação?
Todos os organismos vivos estão constantemente se adaptando ao meio ambiente. A seleção natural exerce influência sobre essa adaptação. Por exemplo, nós nos adaptamos à erosão da camada de ozônio e pessoas que adquirirem maior resistência aos raios ultravioleta transmitirão aos descendentes o gene de sobrevivência a eles. Mas é um longo e lento processo. Nosso cérebro evoluiu para lidar com um ambiente que existia há 10, 20 mil anos. O genoma humano precisa de tempo para se adaptar. Para você ter uma ideia, em 30 anos quintuplicou a quantidade de informação que recebemos a cada dia. Pense nisso como o equivalente a ler 175 jornais de ponta a ponta diariamente. Outro número extraordinário: em 1976, nos Estados Unidos, havia cerca de 9 mil produtos únicos à venda num supermercado. Hoje, há cerca de 40 mil. O consumidor americano, que compra uma média de 150 produtos, tem que navegar entre uma quantidade muito maior de escolhas.
Embora a evolução do cérebro esteja “atrasada”, há duas gerações essa obsolescência era muito menos sentida, certo?
Vamos considerar um aprendizado que foi necessário para nossos avós. Eles tiveram que aprender a usar o telefone uma ou duas vezes – tiveram que fazer chamadas com ajuda de telefonistas e depois aprenderam a discar. Hoje, os smartphones não param de mudar. Você troca de modelo e tem que aprender inúmeras funções, que daqui a poucos anos serão trocadas.
Há um site chamado “Deixe eu googlar isto pra você” inspirado na exasperação que muitos sentem quando alguém faz uma pergunta que pode ser respondida online. Qual a importância de ter tanta informação disponível em poucos segundos?
Quando eu cursava a Universidade Stanford, na Califórnia, gostava de estudar dentro da enorme biblioteca principal. Havia ali respostas para tudo o que eu queria saber. Mesmo se eu me distraísse e quisesse conferir algo que não tinha ligação direta com o trabalho em questão, era preciso levantar, localizar um livro ou publicação num sistema de classificação. Hoje, a nossa atenção é desviada o tempo todo para novas fontes e isso afeta a possibilidade de recuperar o foco inicial. Há enorme variação na nossa capacidade de virar a chave da atenção. Mulheres e jovens tendem a ser mais rápidos do que homens e idosos. Mas varia muito. Se me distraio de algo, demoro uns cinco minutos para retomar a concentração.
A palavra multitarefas, executar várias tarefas ao mesmo tempo, é indissociável da rotina do século 21. Mas o senhor diz que multitarefas não passam de ficção.
Não existem multitarefas, é um mito. O cérebro simplesmente não comporta isso. A pessoa pensa que está lidando com várias coisas ao mesmo tempo quando, de fato, o cérebro está experimentando rápidas mudanças de foco que mal percebemos, o que resulta numa atenção fragmentada a várias coisas e nenhuma atenção sólida a uma que seja. Recentemente ficou provado que conseguimos prestar atenção a, no máximo, três ou quatro coisas de uma vez. O cérebro é eficaz em provocar autoilusão. Achamos que estamos no controle das coisas. Mas executar várias tarefas ao mesmo tempo libera um hormônio de estresse, o cortisol. O cortisol tem um papel evolucionário, mas também provoca ansiedade, nervosismo e afeta a clareza de pensamento. Comparo o ato de fazer várias tarefas ao mesmo tempo com uma espécie de embriaguez. Há trabalhos que exigem essa capacidade, como tradutor simultâneo ou controlador de tráfego aéreo. E não é à toa que, nessas funções, as pessoas são obrigadas a fazer várias pausas de descanso para recuperar a capacidade de se concentrar.
No entanto, há uma noção de que as pessoas bem-sucedidas, e o senhor entrevistou mais de 100 para escrever o livro, são as que têm o poder de acumular mais tarefas do que os outros.
Exato, mas a história e a ciência de laboratório nos provam o contrário. Estudos mostram que o trabalho de quem mantém o foco numa tarefa é mais criativo. Isso vale tanto para grandes empresários, atletas e inovadores como para artistas. Valia para Da Vinci e Michelangelo. Olhe para o alto na Capela Sistina, considere grandes conquistas como o cubismo, a 5ª Sinfonia de Beethoven, a obra de William Shakespeare – tudo é resultado de atenção sustentada ao longo do tempo.
Por que o senhor diz que as crianças devem aprender na escola, já aos 10 anos, a enfrentar a sobrecarga de informação?
Qualquer criança alfabetizada sabe que pode encontrar uma informação em segundos. Mas a maior parte do que está online é desinformação. Ficções mascaradas de fatos. Até estudantes universitários se deixam confundir. Recolhem informações sem perguntar quem está por trás. Como saber que a fonte é confiável? Na escola, os professores devem ensinar, para começo de conversa, que websites não são iguais. Devem incutir um questionamento crítico na pesquisa. À medida que os alunos crescem, vão adquirindo mais nuances para se informar. Por exemplo, se a criança quer um brinquedo, pode-se ensinar a ela que o website do fabricante não é a fonte mais confiável sobre a segurança do brinquedo. Antes, no ecossistema analógico, tínhamos curadores de informação, era mais fácil distinguir a credibilidade de fontes.
O senhor diz que as pessoas mais produtivas são as que melhor estabelecem prioridades.
A maioria de nós chega ao trabalho hoje em dia e é bombardeada com o “por fazer”. É como entrar cambaleando num ambiente em que há muitas exigências e começamos a atacar o que passa pela frente. Não fazemos um esforço consciente e deliberado de evitar que o ambiente em volta nos domine. Isso aumenta o cansaço e diminui a produtividade. Todas as pessoas altamente bem-sucedidas com quem converso têm em comum o fato de que elas anotam o que há por fazer e já começam a trabalhar cientes de prioridades.
O senhor diz que uma ferramenta útil para priorizar são os chamados exercícios de limpeza da mente.
Sim. O David Allen, um guru da produtividade e autor de A Arte de Fazer Acontecer, aponta para a importância de externalizar a informação. Recomenda anotar tudo o que está se passando na sua cabeça, coisas que têm a ver com a tarefa em questão e preocupações que podem distrair a pessoa. É um processo neurológico, porque o cérebro teme esquecer o que é importante. Quando o cérebro sabe que a informação foi arquivada externamente, nas anotações, e o efeito é de nos acalmar, é libertador. Retira o entulho mental que prejudica a atenção. 
A sobrecarga de informação se estende ao excesso de objetos. Por que o senhor defende uma gaveta de bagunça?
Um profissional precisa saber exatamente onde estão seus instrumentos. Pode ser um cirurgião, um dentista, um bombeiro. Este tipo de organização nos libera para pensar e tomar decisões. Mas excesso de organização é contraprodutivo, uma perda de tempo. O importante é deixar visíveis os objetos que utilizamos regularmente. Quantas vezes você encontra um parafuso, uma peça e não se lembra de onde vem? Jogue na gaveta de bagunça, a que tem objetos de utilidades diferentes. Isso é uma forma de fazer economia cognitiva, porque não é preciso classificar tudo.
O senhor aponta a correlação entre eliminar o excesso de informação e de pertences e a felicidade.
Se quiser destilar tudo o que se conhece sobre pessoas que se consideram felizes, a frase é a seguinte: elas se satisfazem com o que têm. E são as que querem conquistar algo, não receber prêmios e elogios. O que é diferente de não ter ambição pessoal ou criativa. O empresário Warren Buffett, o terceiro homem mais rico do mundo, com uma fortuna de mais de US$ 70 bilhões, mora na mesma casa há mais de cinco décadas. Ele inventou o neologismo “satisficing”, sobre as coisas que bastam. Não perde tempo com o que não lhe interessa e tem uma agenda diária de trabalho quase vazia, de poucas reuniões, que o deixa livre para ser produtivo.