Estamos cada vez mais parecidos com a Grécia no campo das finanças públicas, e os eventos recentes apenas consolidam mais essa triste conquista da presidente Dilma Rousseff.
A primeira e mais perturbadora das semelhanças já existia na conta de juros que cada governo paga anualmente a seus credores: o Tesouro Nacional do Brasil pagou 5,6% do PIB em juros em 2014, mais do que Grécia e Itália, que pagaram 4,2% e 4,5% do PIB respectivamente.
A dívida grega é quase o triplo (na faixa de 175% do PIB), mas é bem mais barata e longa que a brasileira, que está em cerca de 65% do PIB. Como os juros praticados no Brasil se aproximam do triplo do que paga a Grécia, fica explicada a semelhança na conta final.
Os juros são muito mais altos no Brasil porque os gregos são bem mais ricos que os brasileiros. É simples. Estimativas para a riqueza (ou o capital) se popularizaram com o trabalho de Thomas Piketty, e permitem supor que a riqueza dos gregos está entre três e quatro vezes o seu PIB, talvez mais, de modo que seria necessário que algo como 50% dela estivesse investida em papéis do próprio governo, para que os gregos carregassem uma dívida de 175% do PIB.
O mesmo vale para Itália, Japão e outros países ricos, para os quais dívidas grandes, relativamente ao PIB, não se mostram tão pesadas.
Já no Brasil, onde a riqueza deve estar na faixa de um PIB, dificilmente mais, uma dívida na faixa de 65% do PIB significa que cerca de dois terços da riqueza dos brasileiros estaria alocada em papéis do governo, o que é bem mais pesado do que se observa na Grécia.
A patologia brasileira é conhecida como “dominância fiscal” e apenas se cura, abstraída a feitiçaria, reduzindo dívida via superávit primário. No Brasil, como na Grécia, é preciso haver algo como 3% do PIB de superávit primário, ou algo parecido, para que a razão dívida/PIB se estabilize, ou entre em declínio, tanto mais acentuado quanto maior for o crescimento.
O Brasil já seguiu a receita durante toda uma década depois de 1998, quando firmou seu acordo com o FMI (que foi mantido até 2005). Nesses anos, o superávit primário médio foi de 3,34% do PIB e o crescimento médio anual foi de 3,15%.
É difícil entender as razões pelas quais os gregos tanto esperneiam para produzir esforços fiscais dessa ordem, a serem constituídos gradualmente até 2018, senão pela preguiça em fazer o dever de casa. A lógica parece semelhante à que presidiu o anúncio da semana passada, pelo qual o governo brasileiro desistiu de um superávit primário de 1,2% do PIB e fixou uma meta de 0,15% para 2015. Antes dessa decisão, era possível dizer que o Brasil seguia o bom senso e as recomendações que a Europa fazia à Grécia. Agora, inesperadamente, recuamos para a posição grega.
É verdade que a economia está em recessão, e que isso atrapalha as metas fiscais, mas o fato é que não há nada mais patético que um doente que não quer se tratar, ou que quer debater medicina com o médico.
No Brasil, como na Grécia, as eleições tiveram um papel essencial no curso dos eventos. No nosso caso, parece até que a irresponsabilidade que se praticava era de quem imaginava perder, e ganhou. No caso deles, inventou-se um plebiscito que o governo ganhou e foi a pior coisa que podia ter acontecido. Em ambos os casos foram “Vitórias de Pirro”, aquelas onde os custos da vitória são piores que os da derrota.
Para o Brasil, a política fiscal praticada após 2009, e com especial ênfase na reta final do primeiro governo Dilma Rousseff, entrará para os anais do estelionato eleitoral na mesma cava do inferno onde se localiza o praticado nas eleições de 1986, com o prolongamento do congelamento de preços fixado pelo Plano Cruzado. As únicas diferenças estão em que o truque foi fiscal, praticado mediante “pedaladas”, e não diretamente nos preços, e se deu em câmara lenta.
Uma vez esgotada a mágica desse “neochoque heterodoxo”, tudo começou a dar errado e os níveis de aprovação do governo despencaram: ninguém gosta de ser feito de trouxa. As revelações sobre os escândalos apenas agravaram o quadro, e a presidente se encontra diante de um risco muito concreto de perder o seu mandato não por incompetência econômica, mas por desrespeitar uma lei. Nem o presidente, e principalmente ele, ou ela, pode fazer isso.
Na Grécia, a democracia teve o seu santo nome invocado de forma meio torta quando o primeiro-ministro Alexis Tsipras malversou a ideia de consulta popular com sua “jogada” de convocar um plebiscito sobre o que fazer sobre a negociação com a Europa. Não há sentido em se fazer uma “decisão democrática” sobre o dinheiro dos outros.
O fato é que a esmagadora maioria dos gregos quer ficar na união monetária, e ficou confusa com a pergunta do plebiscito. Tentou-se que a consulta se tornasse uma espécie de embate internacional entre a austeridade e o desenvolvimento, ou uma reafirmação da soberania grega. Mas não era mais que uma esperteza mal concebida e que saiu pela culatra. O governo precisou fazer uma forte campanha pelo “não”, que acabou prevalecendo, mas o “voto” mais importante foi o executado com o bolso, pelo qual os gregos correram aos bancos para tirar seu dinheiro antes que o governo resolvesse mesmo recriar uma moeda nacional grega. Em consequência da corrida, o governo se viu forçado a implementar algo semelhante ao nosso Plano Collor e a criar para si uma sinuca de bico de proporções trágicas.
Tsipras volta “vitorioso” para a Europa que lhe informa que a porta da saída é serventia da casa e que as condições negociais ficaram piores, enquanto que, em casa, os bancos estão fechados e a população em pânico. Que trapalhada!
Sem dúvida, a ideia de “Vitória de Pirro” é interessante afinidade entre Tsipras e Dilma Rousseff. A verdade sobre a economia não apareceu com clareza nas eleições brasileiras de 2014, mas mesmo antes de consumada a vitória eleitoral, Dilma já estava refém de seus erros anteriores, e avançou em negociações com bom senso ao demitir seu ministro heterodoxo e trazer Joaquim Levy. Agora parece hesitar.
Os gregos não querem voltar para a dracma, pois não são malucos, assim como os brasileiros não querem inflação via esse keynesianismo vagabundo da escola Mantega-Varoufakis. Ambos os países tiveram o bastante em matéria de invencionices, e agora querem caminhos convencionais, receitas confiáveis e padrões internacionais. É isso o que Levy representa, e enfraquecê-lo será outro tiro no pé, talvez mortal.