domingo, 26 de julho de 2015

Brasil, Grécia e o superávit, por Gustavo Franco , in OESP

26 Julho 2015 | 03h 00
Estamos cada vez mais parecidos com a Grécia no campo das finanças públicas, e os eventos recentes apenas consolidam mais essa triste conquista da presidente Dilma Rousseff.
A primeira e mais perturbadora das semelhanças já existia na conta de juros que cada governo paga anualmente a seus credores: o Tesouro Nacional do Brasil pagou 5,6% do PIB em juros em 2014, mais do que Grécia e Itália, que pagaram 4,2% e 4,5% do PIB respectivamente.
A dívida grega é quase o triplo (na faixa de 175% do PIB), mas é bem mais barata e longa que a brasileira, que está em cerca de 65% do PIB. Como os juros praticados no Brasil se aproximam do triplo do que paga a Grécia, fica explicada a semelhança na conta final.
Os juros são muito mais altos no Brasil porque os gregos são bem mais ricos que os brasileiros. É simples. Estimativas para a riqueza (ou o capital) se popularizaram com o trabalho de Thomas Piketty, e permitem supor que a riqueza dos gregos está entre três e quatro vezes o seu PIB, talvez mais, de modo que seria necessário que algo como 50% dela estivesse investida em papéis do próprio governo, para que os gregos carregassem uma dívida de 175% do PIB.
O mesmo vale para Itália, Japão e outros países ricos, para os quais dívidas grandes, relativamente ao PIB, não se mostram tão pesadas.
Já no Brasil, onde a riqueza deve estar na faixa de um PIB, dificilmente mais, uma dívida na faixa de 65% do PIB significa que cerca de dois terços da riqueza dos brasileiros estaria alocada em papéis do governo, o que é bem mais pesado do que se observa na Grécia. 
A patologia brasileira é conhecida como “dominância fiscal” e apenas se cura, abstraída a feitiçaria, reduzindo dívida via superávit primário. No Brasil, como na Grécia, é preciso haver algo como 3% do PIB de superávit primário, ou algo parecido, para que a razão dívida/PIB se estabilize, ou entre em declínio, tanto mais acentuado quanto maior for o crescimento.
O Brasil já seguiu a receita durante toda uma década depois de 1998, quando firmou seu acordo com o FMI (que foi mantido até 2005). Nesses anos, o superávit primário médio foi de 3,34% do PIB e o crescimento médio anual foi de 3,15%. 
É difícil entender as razões pelas quais os gregos tanto esperneiam para produzir esforços fiscais dessa ordem, a serem constituídos gradualmente até 2018, senão pela preguiça em fazer o dever de casa. A lógica parece semelhante à que presidiu o anúncio da semana passada, pelo qual o governo brasileiro desistiu de um superávit primário de 1,2% do PIB e fixou uma meta de 0,15% para 2015. Antes dessa decisão, era possível dizer que o Brasil seguia o bom senso e as recomendações que a Europa fazia à Grécia. Agora, inesperadamente, recuamos para a posição grega.
É verdade que a economia está em recessão, e que isso atrapalha as metas fiscais, mas o fato é que não há nada mais patético que um doente que não quer se tratar, ou que quer debater medicina com o médico.
No Brasil, como na Grécia, as eleições tiveram um papel essencial no curso dos eventos. No nosso caso, parece até que a irresponsabilidade que se praticava era de quem imaginava perder, e ganhou. No caso deles, inventou-se um plebiscito que o governo ganhou e foi a pior coisa que podia ter acontecido. Em ambos os casos foram “Vitórias de Pirro”, aquelas onde os custos da vitória são piores que os da derrota. 
Para o Brasil, a política fiscal praticada após 2009, e com especial ênfase na reta final do primeiro governo Dilma Rousseff, entrará para os anais do estelionato eleitoral na mesma cava do inferno onde se localiza o praticado nas eleições de 1986, com o prolongamento do congelamento de preços fixado pelo Plano Cruzado. As únicas diferenças estão em que o truque foi fiscal, praticado mediante “pedaladas”, e não diretamente nos preços, e se deu em câmara lenta. 
Uma vez esgotada a mágica desse “neochoque heterodoxo”, tudo começou a dar errado e os níveis de aprovação do governo despencaram: ninguém gosta de ser feito de trouxa. As revelações sobre os escândalos apenas agravaram o quadro, e a presidente se encontra diante de um risco muito concreto de perder o seu mandato não por incompetência econômica, mas por desrespeitar uma lei. Nem o presidente, e principalmente ele, ou ela, pode fazer isso.
Na Grécia, a democracia teve o seu santo nome invocado de forma meio torta quando o primeiro-ministro Alexis Tsipras malversou a ideia de consulta popular com sua “jogada” de convocar um plebiscito sobre o que fazer sobre a negociação com a Europa. Não há sentido em se fazer uma “decisão democrática” sobre o dinheiro dos outros. 
O fato é que a esmagadora maioria dos gregos quer ficar na união monetária, e ficou confusa com a pergunta do plebiscito. Tentou-se que a consulta se tornasse uma espécie de embate internacional entre a austeridade e o desenvolvimento, ou uma reafirmação da soberania grega. Mas não era mais que uma esperteza mal concebida e que saiu pela culatra. O governo precisou fazer uma forte campanha pelo “não”, que acabou prevalecendo, mas o “voto” mais importante foi o executado com o bolso, pelo qual os gregos correram aos bancos para tirar seu dinheiro antes que o governo resolvesse mesmo recriar uma moeda nacional grega. Em consequência da corrida, o governo se viu forçado a implementar algo semelhante ao nosso Plano Collor e a criar para si uma sinuca de bico de proporções trágicas.
Tsipras volta “vitorioso” para a Europa que lhe informa que a porta da saída é serventia da casa e que as condições negociais ficaram piores, enquanto que, em casa, os bancos estão fechados e a população em pânico. Que trapalhada!
Sem dúvida, a ideia de “Vitória de Pirro” é interessante afinidade entre Tsipras e Dilma Rousseff. A verdade sobre a economia não apareceu com clareza nas eleições brasileiras de 2014, mas mesmo antes de consumada a vitória eleitoral, Dilma já estava refém de seus erros anteriores, e avançou em negociações com bom senso ao demitir seu ministro heterodoxo e trazer Joaquim Levy. Agora parece hesitar. 
Os gregos não querem voltar para a dracma, pois não são malucos, assim como os brasileiros não querem inflação via esse keynesianismo vagabundo da escola Mantega-Varoufakis. Ambos os países tiveram o bastante em matéria de invencionices, e agora querem caminhos convencionais, receitas confiáveis e padrões internacionais. É isso o que Levy representa, e enfraquecê-lo será outro tiro no pé, talvez mortal.

As mortes de Lulinha - IGOR GIELOW


FOLHA DE SP - 25/07

BRASÍLIA - Em 2008, o diário "Extra" flagrou um menino negro nadando numa poça resultante de um vazamento na favela onde morava em Manguinhos, zona norte do Rio.

Consta que o então todo-poderoso presidente Lula se comoveu com a cena e resolveu transformar o local em vitrine de regeneração sob a bandeira do PAC, programa que tinha uma "mãe", Dilma Rousseff.

O menino, Christiano Pereira Tavares, foi levado ao palanque das autoridades para as devidas fotos e a promessa de construção de uma piscina na "comunidade", o eufemismo do politicamente correto para esses lugares esquecidos pelos políticos depois dos comícios.

Agora, o mesmo "Extra" informa que Lulinha, como o garoto foi apelidado após encontrar Lula, morreu aos 15 anos sob suspeita de overdose na unidade de saúde que ostenta sua foto sorridente na parede.

Manguinhos segue pobre, e a piscina, segundo o relato, abandonada. A família de Lulinha melhorou um pouco de vida, mas o quadro de desagregação segue inalterado.

Além de tragédia, a morte do garoto, se confirmada pelos motivos apontados, encarna um retrato da decadência do legado da era PT no poder. O investimento no combate à miséria, prioridade digna mesmo que tenha sido só eleitoreira, é tisnado pela realidade -do petrolão que já grassava à época ao desastre de gestão que atolou o país sob Dilma.

Sem bonança externa e com o sorriso de Levy, a classe que emergiu pela via perversa do consumo vai voltando para seu nicho anterior; brilha solitária na ruína a TV de tela plana na qual a irmã de Lulinha, grávida aos 14 anos, vê desenhos animados.

Não morre apenas Lulinha. Morre uma ilusão que teve, como toda farsa, lampejos de euforia. Morre o país cujo futuro radiante, para quem quis acreditar, havia chegado. A construção da realidade, ainda mais com os atores à disposição, será dolorosa.

Lulinha não verá nada disso.

Um filme de horror a que ninguém quer assistir - ALBERTO DINES


GAETA DO POVO - PR - 25/07

Uma das primeiras apostas de Hollywood para levar mais gente aos cinemas utilizou um truque psicológico extremamente simples: pavor. Há mais de um século, tal como antes na literatura, as pessoas eram atraídas pelo que deveriam abominar e, graças a esta contradição, surgiram os Frankensteins, os Dráculas, médicos loucos, fantasmas, almas do outro mundo, lobisomens, monstros importados do passado, do fundo do mar, do espaço, do futuro.

No Brasil, talvez por força da infantilização das grandes audiências – para as quais medo não tem charme –, um filme de horror chamou a atenção de um dos mais importantes jornais do mundo sem provocar grande frisson, apesar de nosso protagonismo na película.

“Recessão e suborno: a crescente podridão no Brasil” foi o título do editorial desta quinta-feira no secular Financial Times, o jornal cor-de-salmão que raramente pisa em falso quando dá opinião (sobre música, vinho, política ou macroeconomia) e, por isso, foi vendido no mesmo dia por mais de R$ 4 bilhões de reais aos japoneses da Nikkei. “Incompetência, arrogância e corrupção tiraram do Brasil seu encanto mágico (...) Não é de admirar que o país hoje seja comparado a um infindável filme de horror.”

Que o governo não reagisse ou reagisse no estilo inglês – glacialmente – era o esperado. Designado para responder, Jacques Wagner, ministro da Defesa, contestou com o argumento de veterano cinéfilo: “não é filme de horror, mas de superação”. A surpresa veio da repercussão – quase nenhuma. Por solidariedade e/ou despeito, nossa mídia enfiou a viola no saco e saiu de fininho. Para não ser denunciada como alarmista ou golpista, talvez por sentir-se absolutamente desamparada diante de uma crise tão disseminada e ameaçadora, a verdade é que a retórica e o racionalismo anglo-saxônico se impuseram aos floreios da prosa neolatina.

Ao associar de forma direta, impiedosa, o fenômeno macroeconômico da recessão à esfera criminal onde se encaixa o suborno, o jornal escancara a natureza da nossa desgraça. Para não deixar dúvidas quanto à gravidade do que está sendo investigado, adiciona dois penosos ingredientes raramente utilizados nas avaliações sobre o que aconteceu na Petrobras: incompetência e arrogância.

Para coroar o diagnóstico, o arrasador substantivo – podridão – que nos remete a Shakespeare e ao inconformado Hamlet, ao reconhecer que “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Na injusta metáfora, o Bardo não se referia apenas ao casal regicida (mãe e padrasto de Hamlet), mas à sociedade desmoralizada, corrompida, desprovida de senso moral que permitiu a consumação e a ocultação do crime.

Entende-se por que o editorial não foi transcrito e traduzido na íntegra em nossa imprensa: por pudor e autoestima. Verdadeira bomba arrasa-quarteirão, espalha estilhaços, fere a todos que, mesmo de longe, percebem o enredo. O interminável filme de horror do qual somos personagens e espectadores, ao contrário do que apregoam os mestres no gênero, parece condenado ao insucesso. Ninguém faz questão de vê-lo, o desfecho ainda demora. Nossas plateias são impacientes, se resignam às longas e artificiosas telenovelas, mas quando se trata de crises exigem soluções imediatas, no atual mandato.