domingo, 21 de setembro de 2014

Onde pobre é rico e rico é pobre

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JULIANA DIÓGENES E LUCAS DE ABREU MAIA - O ESTADO DE S. PAULO
20 Setembro 2014 | 16h 00

Enquanto a elite de Fernando Falcão, Maranhão, ganha em média R$ 505 mensais, a classe baixa de Westfália, Rio Grande do Sul, recebe R$ 724


Em Westfália, na região central do Rio Grande do Sul, pobre, quando não tem carro, pega táxi. Em Fernando Falcão, no sudeste maranhense, onde só há 14 carros e nenhum deles é taxi, rico não é quem tem muito dinheiro. É quem pode fazer empréstimo no banco para comprar a primeira moto. Lá, a elite ganha, em média, R$ 505 por mês, segundo dados do Censo de 2010 corrigidos pela inflação. Os pobres de Westfália recebem cerca de R$ 724 mensais.

Comparando famílias de baixa renda das demais cidades brasileiras, em Westfália mora o pobre mais rico do País. Entre os endinheirados de todos os municípios do Brasil, o fernandense é o mais pobre.
Para Ricardo Antunes, sociólogo da Unicamp, o movimento contrário entre os dois municípios tem raízes sociais. “É curioso que uma cidade tenha nome de coronel (Fernando Falcão foi político destacado na região) e a outra, Westfália, um nome que remete ao passado cultural de imigração.”
No interior do Maranhão, o dinheiro é tão curto que é raro ter ao mesmo tempo banheiro dentro de casa e máquina de lavar. Na cidade com o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal no ranking brasileiro, desconsidere supermercado, Banco do Brasil, casa de show, salão de beleza e pracinha. Impossível ostentar em Fernando Falcão, lugar com 10 mil habitantes e nove ruas, cinco de terra batida. “É difícil até dizer quem é rico”, constata coçando a cabeça o pastor da Assembleia de Deus Rafael Borralho, de 40 anos, pego de surpresa com a questão.
Mesmo em um cenário improvável, há quem se diferencie. Entre os mais ricos de Fernando Falcão, está a família de Valdecir Araújo. Ele e a mulher, Aldarlete Reis, ambos de 39 anos e com três filhos, ganham juntos R$ 3 mil mensais. Concursados do município, Valdecir é agente administrativo da Secretaria de Saúde; Aldarlete dá aulas de ciência e filosofia para o ensino fundamental. A família vive no Bairro Novo, que concentra grande número de casas em construção, uma escola instalada há dois anos e um hospital ainda sem data para ser inaugurado. No terreno onde moram, duas motos dividem espaço com um pequeno pomar, uma criação de galinhas e uma máquina de lavar nova. Dentro de casa, uma suíte, sala com TV, o quarto dos filhos, um banheiro menor, a cozinha com geladeira, freezer, fogão e micro-ondas e uma sala de jantar.

TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO
Valdecir e família: moradores de Fernando Falcão (MA) representam os ricos mais pobres do País


Do lado de fora, anexa à entrada, funciona a lanchonete da família, bastante frequentada. O lucro do negócio ainda não engorda os bolsos do casal. Além de instável, é revertido na quitação de empréstimos recentes. Ao todo, devem R$ 20 mil. Foram pelo menos sete empréstimos para comprar as motos e os eletrodomésticos usados no comércio, além da ampliação da casa e da construção da casinha de veraneio em Barra do Corda, a 90 km.
“Só começamos a fazer empréstimo quando passamos no concurso; aí podíamos pagar”, diz Valdecir. O mais recente foi para investir em uma piscina de bolas, um tobogã e uma cama elástica e montar um parque infantil no galpão, erguido também com dinheiro emprestado, cujo aluguel a família negocia com a prefeitura.
O lazer da família se assemelha à diversão do restante da cidade: o banho no balneário nos fins de semana, as festas da igreja, a janta na lanchonete. A diferença é que Valdecir e Aldarlete costumam fugir, uma vez por mês, para a casa em Barra do Corda.
Valdecir morou nessa cidade antes de virar empreendedor. Dividia o tempo entre cortar grama por R$ 120 e as aulas do Ensino Médio. A estratégia de buscar em Barra do Corda educação mais qualificada deu certo. E deve ser repetida com os filhos. 
Mas poucos conseguem bancar essa empreitada em outra cidade. O isolamento de Fernando Falcão é agravado por uma estrada de terra avermelhada e precária que liga o município à Barra do Corda num percurso que leva três horas. O asfalto deve chegar em 2016. Por enquanto, o deslocamento é feito por parturientes equilibradas na garupa de motos; motoristas com carros fretados por comerciantes, que preferem se abastecer na cidade-mãe; profissionais da saúde que voltam para casa nos finais de semana; e policiais que encaminham casos de delito à delegacia de Barra do Corda.
Questionada sobre a ausência de serviços fundamentais em Fernando Falcão, a secretária de Administração, Rosângela Cavalcante, irmã do prefeito Adailton Cavalcante (PMDB), repete: “Não temos ainda, mas há projeto”. É o caso do calçamento das ruas, já licitado, e da construção de uma praça, ainda no papel. Esgoto não tem, mas segundo Rosângela, todas as casas são abastecidas por água encanada. “O problema é o desperdício. Além disso, não há água todo tempo, por isso precisam de caixa d’água para armazenar.”
Na residência de Valdecir, a caixa d’água não impede restrições. O reservatório só enche por 30 minutos e em três momentos – às 6h30, 10h30 e 14h. No restante do dia, se acabou a água, ninguém toma banho ou lava louça até a manhã seguinte. O agente administrativo sabe que, fora de Fernando Falcão, a cidade é conhecida pela baixa qualidade de vida. Ele discorda. “Não somos pobres. Se fosse a cidade mais pobre, não teria água, nem gado, nem terra para trabalhar. Mas todo mundo vive bem. Quer dizer, quase todo mundo. Todos têm sua casa. Você não vê gente morando na rua.”
Antes da viagem do Aliás ao Maranhão, o especialista em Desenvolvimento Socieconômico João Gonsalo de Moura, professor da UFMA, comentou: “Em Fernando Falcão você não vai encontrar ninguém reclamando da vida porque a situação que conhecem é aquela. A miséria não leva as pessoas à infelicidade. Muitos nem sequer têm a noção de que aquela vida é miserável. A miséria é enxergada por quem está de fora”.
O economista Ely José de Mattos, da PUC-RS, reforça que, no contexto das disparidades regionais, pobreza e riqueza são relativas. “Num município com um grau de desenvolvimento como o de Fernando Falcão, mesmo quem está no topo da distribuição de renda provavelmente não se vê como rico.” Em um país com as dimensões do Brasil, o modo mais eficiente de diminuir o abismo entre as diferentes regiões é garantir que as políticas públicas se adaptem às realidades locais. “Em um município como Fernando Falcão, em que a terra é árida, o financiamento à agricultura provavelmente terá impacto pequeno”, diz Mattos.
Já na gaúcha Westfália, o crédito para pequenos agricultores é o motor da economia. Quase todo o município está dividido em propriedades com área média de 9,5 hectares. A produção rural é coletada pelas cooperativas dos próprios agricultores, responsáveis por revender a produção, sobretudo frango, ovos e leite. Um quarto do lucro fica com os cooperados. O resto é reinvestido.
“A cooperativa dá tudo que a gente precisa”, conta Matheus Magedauz, de 20 anos, que cria galinhas no sítio de 9 ha em que vive com os pais, o irmão de 9 anos e o avô, de 87. “Ela traz os pintos com dois dias pra gente criar, dá a ração e busca os frangos quando estão prontos para o abate.”
A família de Matheus é uma das mais pobres de Westfália, embora o termo “pobre” não pareça adequado a uma cidade de 3 mil habitantes em que as casas, todas de alvenaria, contam com água encanada, esgoto e luz. Os Magedauz vivem com R$ 3 mil da propriedade, somados ao salário-mínimo que o pai de Matheus ganha como motorista da prefeitura. Têm, no entanto, um carro e duas motos, e moram numa casa de dois quartos com os eletrodomésticos básicos.
Hoje, Matheus passa o dia checando o moderno aviário nos fundos da casa para garantir que os animais recebam a quantidade adequada de ração e luz. Mas não foi sempre assim. Há três anos, ele passava o dia recolhendo ovos em uma outra fazenda por um salário mínimo por mês. A família tinha só uma moto; carro, nem pensar.
A mudança começou em maio de 2011. Os pais de Matheus, Elton, de 47 anos, e Noeli, de 46, pegaram um táxi até a prefeitura em busca de um empréstimo de R$ 10 mil. Queriam comprar uma carreta agrícola, espécie de contêiner sobre rodas. “Quando eles vieram aqui, tinham só seis vaquinhas leiteiras”, diz o agrônomo Marcelo Müller. Ele é funcionário da Emater, associação que desde a década de 1950, em parceria com o governo do Estado, presta assistência técnica a agricultores familiares. É função dele visitar as cerca de 400 propriedades de Westfália e traçar um plano de desenvolvimento conforme as necessidades da família. É ele também quem negocia os empréstimos para os produtores com juros subsidiados pelo governo federal.

EVELSON DE FREITAS/ESTADÃO
Empresários. Os Magedauz, como todos os moradores de Westfália, não recebem Bolsa Família


Foi assim que, quando Elton e Noeli chegaram à prefeitura, onde fica o escritório da Emater, Müller os recebeu com uma contraproposta: em vez da carreta, por que não adquirir um aviário?. Em um ano, a família tinha recebido os R$ 240 mil para comprar o aviário em que hoje são criados 25 mil frangos. O empréstimo deve ser pago nos próximos cinco anos.
Quando a reportagem esteve na cidade gaúcha, no início de setembro, ninguém recebia o Bolsa Família. Além do trabalho no campo, há também emprego no frigorífico da Cooperativa Languiru, que processa o frango produzido localmente para vender no Brasil e fora dele. Existem ainda na cidade duas metalúrgicas, que empregam cerca de 50 funcionários cada uma.
Só 20% da população de Westfália vive no minúsculo núcleo urbano. Quase não há comércio local, já que em 20 minutos nas excelentes estradas da região se chega a qualquer uma das maiores cidades próximas: Teotônia (25 mil habitantes), Estrela (30 mil) e Lajeado (72 mil).
O desenvolvimento de Westfália acelerou-se há 14 anos, quando foi eleito o primeiro prefeito. “A população tinha sede de desenvolvimento, mas esse desenvolvimento nunca vinha”, explica Marcelo Müller. “Nosso trabalho aqui é com a família. A gente analisa o que tá acontecendo com o pai, o que a mãe precisa, o que os filhos querem. Antes, cada pessoa era só mais uma. Agora, cada pessoa é um indivíduo.”

Com água de reúso, Grande São Paulo teria mais dois sistemas Cantareira HELOISA BRENHA, FSP



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Na Grande São Paulo, um estoque de água equivalente a dois sistemas Cantareira, capaz de sanar a crise de abastecimento, é ignorado.
Essa é a visão do professor de engenharia hidráulica da USP Ivanildo Hespanhol sobre os cerca de 60 mil litros de esgoto que calcula serem produzidos na região metropolitana a cada segundo.
Uma das maiores autoridades do país em reúso, ele defende que a técnica seja usada para "reciclar" a água, tornando-a própria. Compartilham dessa perspectiva especialistas como a relatora da ONU para a questão da água, Catarina de Albuquerque, para quem é preciso "olhar o esgoto como recurso".
Editoria de Arte/Folhapress
No Brasil, a água de reúso não é usada para beber, mas para processos como limpeza de calçadas, irrigação de jardins e na produção industrial.
Ainda falta regulamentar seu emprego no abastecimento, como ocorreu em cidades de países como EUA, Austrália e Bélgica –muitas delas até misturam água de reúso com a convencional.
"Temos cinco estações que tratam esgoto em nível inicial. Poderíamos completar o tratamento incluindo mais etapas, capazes de tornar a água potável", diz o professor, que comanda o Cirra (Centro Internacional de Referência em Reúso de Água), da USP.
Ele afirma que só nessas cinco estações, seria possível obter mais 16 mil litros de água potável por segundo para a Grande São Paulo, o suficiente para abastecer cerca de 4,8 milhões de pessoas.
Segundo o professor, não há estimativas dos custos para implantar o reúso potável na região metropolitana, mas cerca de 2/3 dos gastos referem-se à rede distribuidora –que já existe e poderia incorporar a água "reciclada".
Ele diz que o custo de produção é mais alto –nos EUA, mil litros de água de reúso potável saem por cerca de US$ 3, mais que o triplo da comum– mas compensa se comparado à construção de sistemas de abastecimento.
Para efeito de comparação, o sistema São Lourenço, uma obra de R$ 2,2 bilhões, que trará água de uma represa a quase 100 km da capital, produzirá 4.700 l/s a partir de 2017.
"A tecnologia do reúso já é avançada o suficiente para produzir água limpa e segura para beber. Há parâmetros para controlar sua qualidade, que pode superar a da água captada dos rios", diz.
Danilo Verpa/Folhapress
O professor da Poli-USP, Ivanildo Hespanhol, que defende o tratar esgoto para abastecer a Grande SP
O professor da Poli-USP, Ivanildo Hespanhol, que defende o tratar esgoto para abastecer a Grande SP
Ele cita o caso da represa Billings (zona sul), de onde são retirados 4.000 litros por segundo para abastecer a Grande São Paulo –água o bastante para atender cerca de 1,2 milhão de pessoas.
"A Billings recebe esgoto de uma sequência de rios muito poluídos: Tamanduateí, Tietê e Pinheiros. E sua água já é captada para abastecimento", afirma.
A Sabesp tem gastos altos para preservar a represa e monitorar a qualidade de sua água. Segundo seu último relatório de sustentabilidade, em 2013, foram R$ 48,4 milhões em um programa envolvendo a Billings e sua vizinha Guarapiranga –onde até há remoção de plantas e lixo.
Segundo Hespanhol, a poluição de cursos d'água pode encarecer o tratamento convencional e gerar um "reúso inconsciente e não planejado" em diversas regiões do país. 

Tubulação velha da Sabesp produz perdas no centro de SP



O envelhecimento da tubulação da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) atinge metade da rede de distribuição de água na região central da capital paulista, onde vivem cerca de 3,5 milhões de habitantes. Levantamento feito pela empresa revela que 51% do sistema de abastecimento que atende bairros como Perdizes (oeste), Moema (sul), Tatuapé (leste) e Sé (centro) tem mais de 30 anos de uso, o que aumenta os casos de vazamento - o maior vilão do desperdício na própria Sabesp.
Em 2013, a empresa perdeu 31,2% de toda a água produzida entre a estação de tratamento e a caixa d’água dos consumidores, conforme o Estado revelou em fevereiro. O índice representa cerca de 950 bilhões de litros - quantidade equivalente a quase todo o "volume útil" do Sistema Cantareira, que tem capacidade para 981 bilhões de litros. Segundo a Sabesp, 66% das perdas são provocadas por vazamentos ou transbordamentos de reservatórios.
"O envelhecimento das tubulações, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo, é um dos principais motivos das perdas físicas (vazamentos) da Sabesp", informa a companhia em documento enviado em março à Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) durante o processo de negociação da revisão tarifária. Segundo a empresa, 17% da rede têm mais de 40 anos e 34%, entre 30 e 40 anos de uso. No centro, ainda há tubulação feita na década de 1930.
"Ressalta-se que a grande dificuldade para a execução dos serviços de manutenção ou substituição das tubulações em áreas centrais, como a do Município de São Paulo, reside na obtenção de licenças para a liberação de obras por parte de órgãos municipais (CET e Convias, entre outros), fazendo com que a execução seja postergada frequentemente", justifica a Sabesp ao órgão regulador.
Pela meta traçada pela Arsesp, o índice de desperdício deveria ter caído para 30% no ano passado, ante os 32,1% de 2012. Para este ano, a agência impôs a meta de 29,3%. Enquanto isso, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) quer multar em 30% quem gastar 20% mais água.
Obstrução
Segundo o presidente da seção paulista da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Alceu Bittencourt, tubulações com mais de 30 anos de uso são predominantemente feitas de ferro fundido, que sofre um processo de cristalização pela ação da água que vai obstruindo o tubo. "Essa obstrução reduz o diâmetro da tubulação, o que reduz muito a capacidade de vazão. Para mantê-la, é preciso aumentar a pressão da água na rede e isso eleva o índice de perdas nas juntas e conexões."
De acordo com Bittencourt, essas tubulações precisam ser substituídas por redes mais modernas, como as feitas de polietileno de alta densidade (PEAD). "Isso não se resolve com manutenção. Nesse caso, a solução é substituição integral. A Sabesp tem substituído muito os ramais e agora vai intensificar a troca das redes com o programa japonês de financiamento", explicou o engenheiro.
Sem parar
O aposentado Sergio Dias Teixeira, de 75 anos, fica indignado com o desperdício na esquina das Ruas Manuel Joaquim Pera e José Benedito Macedo, no Butantã, zona oeste. "Somos cobrados para economizar ao mesmo tempo que convivemos com o desperdício de água limpa que, literalmente, vai para o bueiro", criticou.
Segundo a Sabesp, "não foi detectado nenhum vazamento na rede de distribuição" no local, mas "infiltrações de água provenientes de lençol freático". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Agencia Estado