domingo, 25 de maio de 2014

Ministério inclui aborto na tabela do SUS


24 de maio de 2014 | 2h 08

BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
O Ministério da Saúde incluiu o aborto legal na tabela de remuneração do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso foi feito para garantir o financiamento adequado do procedimento e por recomendação do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo afirmou ao Estado o ministro da Saúde, Arthur Chioro. "O pagamento era feito dentro de um repasse global. A mudança traz mais transparência e permite a remuneração de toda a equipe de saúde envolvida."
A partir da portaria publicada anteontem, serviços credenciados recebem o valor de R$ 443,40 para aborto nos casos permitidos em lei: gravidez resultante de estupro, quando traz risco para a mulher ou em casos de anencefalia. Até então, os serviços recebiam um valor fixo, independentemente da quantidade de atendimentos prestados.
O pagamento feito por reembolso, avalia o ministério, traz mais garantias e permite ainda maior transparência para análise dos dados. Fica mais simples identificar quantos procedimentos foram feitos em razão de anencefalia, de estupro ou de risco para a mulher./L.F.

Retrato de uma juventude


‘O selfie é a expressão contemporânea da iconofilia. Torna visível a força invisível da tribo’, diz sociólogo francês

17 de maio de 2014 | 16h 00

Juliana Sayuri - O Estado de S. Paulo
 - INDEPENDENT.CO.UK
INDEPENDENT.CO.UK
O retrato, aliás, o autorretrato é o seguinte: de manhã despertamos com o celular, zapeamos as notícias no tablet, conferimos o trânsito na rádio, tarde adentro ziguezagueamos no trabalho entre abas e abas repletas de imagens, letras e links, à noite assistimos à TV para pensar na vida – e às vezes para não pensar –, marcamos um bar com os amigos no Facebook, narramos o evento no Twitter e fotografamos o quão divertido está o encontro no Instagram. Socializamos o tempo todo, compartilhamos o tempo todo, curtimos o tempo todo. Curtimos?
No fim de abril, o diretor londrino Gary Turk postou seu “manifesto” Look Up, que já soma mais de 37 milhões de visualizações – ironicamente, uma crítica à midiatização da vida se tornou um hit no YouTube. Outro hit, já na casa dos 42 milhões de views desde agosto, foi protagonizado pela atriz Charlene deGuzman. No vídeo I Forgot My Phone, a americana é ignorada por todos ao seu redor, intensamente vidrados nos “likes” de seus smartphones, o que levou o jornalista Nick Bilton a publicar no New York Times uma pensata atilada à nossa sociedade: “Assistir ao vídeo de DeGuzman é desconfortável. É um golpe direto na nossa cultura obcecada com smartphones, cutucando-nos sobre nosso vício naquela pequena tela e sugerindo que talvez a vida possa ser mais bem direcionada quando é vivida – em vez de visualizada.” 
“Dizia Hegel, o jornal é a ‘oração’ matinal do homem moderno. As redes sociais serão a oração do homem pós-moderno”, considera o sociólogo francês Michel Maffesoli, diretor do Centre d’Études sur l’Actuel et le Quotidien (CEAQ) da Université Paris Descartes – Sorbonne. Autor de O Ritmo da Vida (2007), O Tempo das Tribos (2006) e Sobre o Nomadismo: Vagabundagens Pós-modernas (2001), entre outros, o teórico da pós-modernidade é um dos principais pensadores debruçados sobre questões culturais e ciberculturais da atualidade. Vê nos selfies mais uma expressão contemporânea da iconofilia, essa adoração imagética num looping rumo ao infinito como o que vimos nos últimos dias: Macaulay Culkin vestindo uma camiseta de Ryan Gosling, vestindo uma camiseta de Macaulay Culkin e assim por diante. 
Mas Maffesoli, aos 69 anos, é otimista sobre determinados aspectos da internet. Na sua visão, o avanço tecnológico não nos direciona ao antissocial. “Tende, ao contrário, a consolidar uma mise en relation. E uma das pistas que será preciso estudar sobre o desenvolvimento tecnológico próprio às mídias sociais é a emergência de novas formas de generosidade e de solidariedade”, diz. 
Nesta entrevista ao Aliás, às vésperas do Dia Mundial da Internet (celebrado no dia 17 de maio), o intelectual comenta as relações entre os “nativos digitais” nessas tribos contemporâneas. Pondera que, evidentemente, não estamos mostrando quem somos nas redes sociais – mas quem desejamos ser aos olhos dos outros. “Qual é o status dessas determinadas personalidades? De fato, elas não são mais consubstanciáveis a um indivíduo, mas representam uma máscara – a persona – de quem escolhe se posicionar nessa ou naquela rede social.” 
Para Maffesoli, essas relações tribais, especialmente entre os jovens, levam a um outro quadro: quer-se tanto viver em sociedade que os jovens se preocupam mais em se acomodar ao mundo – e não a querer transformá-lo. 
Qual é o papel das mídias sociais na pós-modernidade?
Podemos dizer que, na pós-modernidade, as mídias estão se tornando mais e mais importantes, especialmente as chamadas “mídias sociais”. Lembremos Hegel, que dizia no século 19: a leitura do jornal é a oração do homem moderno. Podemos pensar que as mídias interativas serão a oração do homem pós-moderno. Contrariamente às críticas tradicionais, porém, acredito que essas mídias favorecem a mediação, isto é, a relação e a inter-relação entre as pessoas. Se a modernidade, particularmente no seu momento final, viu o triunfo da “multidão solitária”, a pós-modernidade nascente verá se desenvolver uma multiplicidade de novas tribos urbanas, cuja essência é o relacionismo.
Com os avanços tecnológicos, nós estamos observando a emergência de uma geração ‘selfie’?
Certamente o selfie está no ar. Entretanto, na minha opinião, essa mise en scène de si mesmo não é, como se costuma dizer, o símbolo de um aprisionamento de si. Nessa perspectiva, discordo dos teóricos que abordam abusivamente o narcisismo. Prefiro dizer que os selfies compõem a forma contemporânea da iconofilia. Assim, podemos indicar um narcisismo tribal. Isso quer dizer que, ao difundir essas fotografias, nós pretendemos nos posicionar em relação aos outros da tribo. Se traçarmos um paralelo com uma imagem religiosa, o selfie tem uma finalidade sacramental, que torna visível a força invisível do grupo. O que me liga aos outros da minha tribo? Nós nos definimos sempre em relação ao outro. Assim, o fenômeno tribal repousa essencialmente no compartilhamento de um gosto (sexual, musical, religioso, esportivo, etc.). É preciso dizer que essa “partilha” cresce exponencialmente com o desenvolvimento tecnológico. 
Nas mídias sociais, publicamos ‘selfies’ sempre felizes. Somos tão felizes? Ou filtramos nossos retratos justamente para esconder nossas angústias atuais?
De fato, as mídias sociais (Facebook, Instagram, Twitter, etc.) tendem a dar uma figuração feliz de nós mesmos. Certamente não estamos sempre felizes. Mas há aí um movimento de pudor: nós tendemos a dar à tribo, ou às diversas tribos às quais pertencemos, imagens reconfortantes de nós mesmos. No entanto, historicamente, é preciso lembrar que os quadros e as esculturas, as imagens próprias a todas as civilizações destacaram essencialmente essa figuração de felicidade. Os últimos livros de Michel Foucault (História da Sexualidade: O Cuidado de Si e História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres) mostram que isso marcou a Grécia e a Roma antiga. Foi o caso também na Idade Média. Para resumir em uma expressão: isso traduz um “pudor antropológico”, que é um elemento essencial do viver em sociedade.
Há quem argumente que a tecnologia está nos tornando antissociais. Temos muitos amigos no Facebook, mas estamos mais solitários?
Contrariamente aos críticos que sublinham o isolamento crescente, que seria característico das megalópoles pós-modernas, considero que a multidão solitária – na minha expressão, a solidão gregária – é uma das especificidades da modernidade decadente. Paradoxalmente, o desenvolvimento tecnológico não nos direciona ao antissocial. Tende, ao contrário, a consolidar essa mise en relation – no seu sentido forte e etimológico, o comércio das ideias, dos bens, dos afetos. É evidente que o termo “amigo” particularmente no Facebook não pode ser reduzido à concepção de amizade clássica, feita de relações intensas e recíprocas. Entretanto, a multiplicidade de amigos nos permite saber, se necessário for, onde e com quem manter relações sociais. E uma das pistas que será preciso estudar sobre o desenvolvimento tecnológico próprio às mídias sociais é a emergência de novas formas de generosidade e de solidariedade, nas quais os uns e os outros são causa e efeito de uma “horizontalização societal”. 
Divulgado nos últimos dias, um estudo da OMS mostrou que a depressão é a principal enfermidade entre os jovens. A vida virtual e a fragilidade das relações ‘tête-à-tête’ teriam impacto nessa geração? 
É preciso ter bastante cuidado com os diversos estudos institucionais focados principalmente no campo da saúde, que tendem a dizer que a depressão é a doença específica das jovens gerações. Valeria questionar se essa depressão não é característica das gerações no poder, quer dizer, das próprias gerações que comandam esses estudos e que talvez, num processo de compensação como destacou o psicanalista Carl Gustav Jung, tendem a projetar ao exterior o mal-estar que nós mesmos sofremos. 
Há tempo para contemplação do mundo atualmente?
No livro A Contemplação do Mundo, tento demonstrar que a tendência geral da pós-modernidade, perceptível particularmente nas jovens gerações, consiste menos em querer mudar o mundo – e mais em se acomodar ao mundo. Adaptar-se, ajustar-se a ele. Isso pode nos conduzir a evitar a devastação, cujos “saques” ecológicos são exemplos cotidianos. Com o sociólogo italiano Massimo De Felice, no Centro de Pesquisa Atopos da Universidade de São Paulo (USP), tentamos justamente desenvolver pesquisas sobre essa “ecosofia”. Acredito que é assim que precisamos compreender o “ritmo da vida”, isto é, pensar a existência a partir de um ponto fixo – a natureza, o território –, todos os elementos que fazem com que o ambiente social dependa do ambiente natural. Se a modernidade foi um pouco paranoica, levando à dominação e à devastação do mundo, na pós-modernidade uma nova sabedoria está em gestação. 
Por fim, a tecnologia é um meio? Ou uma mensagem?
É habitual considerar que, com a prevalência de um racionalismo exacerbado, a tecnologia moderna contribuiu para um desencantamento do mundo. No entanto, na minha opinião, é paradoxal observar que, atualmente, esse desenvolvimento tecnológico, especialmente nos seus usos sociais, nos direcionam a um reencantamento do mundo. Nessa perspectiva, as mídias sociais são ao mesmo tempo um meio e uma mensagem, que confortam a vida em sociedade. Se a modernidade se firmou a partir de um princípio individualista, a tecnologia pós-moderna abriga um relacionismo galopante – uma relação, como frisei, entre nós e os outros. 
Michel Maffesoli é sociólogo, teórico da pós-modernidade e autor de 'O tempo da tribos', entre outros livros 

Distribuição de renda passa pela educação


Análise do livro de Thomas Piketty não leva em conta a economia brasileira, mas País tem longo caminho para se tornar mais igualitário

18 de maio de 2014 | 2h 04

LUIZ GUILHERME GERBELLI - O Estado de S.Paulo
Thomas Piketty provocou um alvoroço no debate mundial sobre concentração de renda. Autor do livro O Capital no Século 21, o economista francês colocou a desigualdade social no centro do debate ao prever a concentração de renda nas grandes economias.
A análise do livro de Piketty não leva em conta a economia brasileira nem os demais países emergentes, mas o Brasil tem algumas certezas diante dessa discussão: o caminho é longo para que o País se torne mais igualitário e essa melhora vai passar inevitavelmente pela educação. O Brasil também pode se vangloriar de não ter fugido desse debate nos últimos anos. E não faria sentido se fosse diferente: a economia brasileira sempre foi uma das mais desiguais do mundo.
A boa notícia é que os indicadores dos últimos 20 anos mostram que algo está mudando. A fotografia ainda é muito ruim, mas o Brasil ficou menos desigual. Os números mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) indicam, por exemplo, que a renda anual média per capita dos 10% mais pobres cresceu 5,4% entre 1992 e 2012. No outro topo, entre os 10% mais ricos, a renda avançou 2,6% no período.
As classificações internacionais também capturaram essa melhora. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil aumentou de 0,522 para 0,730 entre 1980 e 2012. O índice de Gini, que mede a desigualdade e vai de 0 a 1 - quanto menor, menos desigual é a sociedade - recuou de 0,566, em 2001, para 0,499, em 2012.
A melhora da desigualdade pode ser atribuída a diversos fatores. A criação do Plano Real deu sustentação para uma economia mais estável e previsível, o que foi uma precondição determinante para o processo de queda na concentração de renda. Recentemente, os principais fatores que ajudaram foram o aumento da escolaridade do brasileiro, programas de transferência de renda e ganhos reais do salário mínimo e sobretudo o fortalecimento do mercado de trabalho.
"A principal queda da desigualdade é o trabalho e por detrás disso está a educação", diz Marcelo Neri, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR). Na área educacional, o Brasil conseguiu elevar de 5,7 para 8,8 a média de anos de estudo.
"Um dos fatores que mais explica a desigualdade no mundo é a educação. No Brasil, qualquer que fosse o governo, a educação nunca foi uma prioridade muito relevante nem na quantidade nem na qualidade", diz Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. "A partir do fim da década de 80 e início dos anos 90, a educação começa a ter um papel no País e a ser mais valorizada", afirma Lisboa.
A economia brasileira também foi impactada positivamente pela política de aumento do salário mínimo. Como boa parte das pensões e aposentadorias são indexadas pelo mínimo, os reajustes reais - ou sejam aqueles acima da inflação - acabaram se espalhando tendo um efeito positivo na geração de renda na economia. "Esse ganho ajudou na redução substancial da diferença de renda de parte da população", diz José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recurso.
Nesse ciclo virtuoso, o Brasil ainda avançou nos programas sociais. Com o Bolsa Família, o governo criou um cadastro único com base nos beneficiários de programas antigos, como o Bolsa Escola e Vale Gás, e "deu uma cara para a pobreza", segundo Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco e um dos formuladores do programa. "Ao ter um programa só, o governo aumentou a capacidade de foco e conseguiu ser mais efetivo na gestão do programa", afirma. "O programa tem duas âncoras: a de curto prazo, que é a transferência de renda, que tem um impacto sobre a pobreza. A âncora de longo prazo dá atenção para saúde e educação, com a perspectiva de mudança geracional."