terça-feira, 29 de abril de 2014

O pânico sobre Piketty, por Paul Krugman


"Capital in the Twenty-First Century", o novo livro do economista francês Thomas Piketty, é um verdadeiro fenômeno. Outros livros sobre economia se tornaram best sellers, mas a contribuição de Piketty é um trabalho de séria erudição e capaz de mudar o discurso, algo que a maioria dos best sellers não é. E os conservadores estão aterrorizados. Assim, James Pethokoukis, do American Enterprise Institute, alerta na "National Review" que o trabalho de Piketty precisa ser refutado, ou "se espalhará entre a clerezia e dará nova forma ao cenário da economia política no qual todas as futuras batalhas quanto a políticas serão travadas".
Bem, boa sorte nessa tarefa. O que há mais notável no debate até agora é que a direita parece incapaz de montar qualquer contra-ataque substantivo à teoria de Piketty. Em lugar disso, a reação se limitou aos epítetos - especialmente a alegações de que Piketty é marxista, e que o mesmo pode ser dito sobre qualquer pessoa que considere a desigualdade de renda e riqueza como questão importante.
Voltarei aos epítetos mais adiante. Primeiro, vamos falar sobre o motivo para o livro esteja causando tamanho impacto.
Piketty está longe de ser o primeiro economista a apontar que estamos experimentando uma alta acentuada na desigualdade, ou mesmo a enfatizar o contraste entre o crescimento lento da renda da maioria da população e a disparada da renda para as pessoas no topo da escala. É verdade que Piketty e seus colegas adicionaram grande profundidade histórica ao nosso conhecimento, demonstrando que estamos de fato vivendo uma nova Gilded Age [a era de crescimento forte da riqueza que os Estados Unidos viveram entre 1870 e 1900]. Mas isso é algo que sabemos já há algum tempo.
Não, o que "Capital in the Twenty-First Century" traz de verdadeiramente novo é a maneira pela qual o livro demole o mais acalentado dos mitos conservadores, a insistência em que vivemos em uma meritocracia na qual a grande riqueza é conquistada pelo esforço, e merecida.
Pelas duas últimas décadas, a resposta conservadora às tentativas de fazer da disparada das rendas dos mais ricos uma questão política envolveu duas linhas de defesa: primeiro negar que os ricos estejam se saindo tão bem e as demais pessoas estejam se saindo tão mal quanto de fato estão; mas quando essa negação fracassa, é hora de alegar que a disparada das rendas no topo da escala é uma recompensa justificada pelos serviços prestados. Não devemos chamá-los de "o 1%" o "os ricos", mas sim de "os criadores de empregos".
Mas como fazer essa defesa se os ricos derivam boa parte de sua renda não do trabalho que fazem mas dos ativos que controlam? E o que fazer se a grande riqueza cada vez mais estiver relacionada a heranças e não ao espírito empreendedor?
O que Piketty demonstra é que essas não são questões ociosas. As sociedades ocidentais antes da Primeira Guerra Mundial eram de fato dominadas por uma oligarquia de riqueza hereditária - e seu livro oferece argumentos convincentes para demonstrar que estamos bem avançados em nosso caminho de volta a essa situação.
Assim, o que resta fazer a um conservador, temeroso de que esse diagnóstico seja usado para justificar impostos mais altos sobre os ricos? Ele poderia tentar refutar Piketty factualmente, mas até o momento não vimos qualquer sinal de que isso vá acontecer. Em lugar disso, como afirmei, só o que temos são epítetos.
Creio que isso não deveria causar surpresa. Estou envolvido em debates sobre a desigualdade há mais de duas décadas, e ainda não vi os "especialistas" conservadores conseguirem contestar os números sem tropeçar nos próprios cadarços, intelectualmente. Nossa, parece até que os fatos fundamentalmente não os favorecem. Ao mesmo tempo, acusar de comunismo qualquer pessoa que questione qualquer aspecto do dogma do livre mercado vem sendo procedimento operacional padrão da direita desde que figuras como William Buckely tentaram impedir o ensino da Economia keynesiana não ao demonstrar que ela está errada, mas denunciando-a como "coletivista".
Ainda assim, é espantoso ver a sucessão de conservadores que denunciaram Piketty como marxista. Mesmo Pethikoukis, mais sofisticado que os demais, classifica "Capital in the Twenty-First Century" como um trabalho de "marxismo brando", o que só faz sentido se a simples menção à desigualdade na riqueza transformar em marxista o responsável pela afirmação. (E talvez seja assim que eles veem a questão; recentemente o ex-senador Rick Santorum denunciou o termo "classe média" como "papo marxista", porque, como todos sabem, não existem classes sociais nos Estados Unidos.)
E a resenha do "Wall Street Journal" sobre o livro, previsivelmente, vai ao limite quanto a isso, de alguma forma avançando do apelo de Piketty por tributação progressiva - uma solução muito norte-americana, no passado advogada não só por importantes economistas como por políticos centristas dos Estados Unidos, entre os quais Teddy Roosevelt - aos males do stalinismo.
Isso é mesmo o melhor que o "Wall Street Journal" consegue fazer? A resposta é aparentemente sim.
No entanto, o fato de que os apologistas da oligarquia norte-americana estejam evidentemente desprovidos de argumentos não significa que estejam em retirada politicamente. O dinheiro continua a falar mais alto - na verdade, graças aos esforços da Suprema Corte presidida pelo juiz Roberts, ele está falando mais alto que nunca. Ainda assim, as ideias continuam a importar, e tanto dão forma ao que sabemos sobre a sociedade quanto, no futuro, orientarão o que faremos. E o pânico sobre Piketty demonstra claramente que as ideias da direita se esgotaram.
Tradução de PAULO MIGLIACCI 
paul krugman
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Etanol: até quando? - AÉCIO NEVES


FOLHA DE SP - 28/04

Pare para pensar: quantas vezes, nos últimos tempos, você passou num posto de combustíveis e abasteceu seu carro flex com etanol? Se você considera apenas o bolso, e é natural que seja assim, é provável que pouquíssimas vezes não tenha enchido o tanque com gasolina. Não é um contrassenso num país como o Brasil?

A mais verde e amarela das tecnologias alternativas, muito menos poluente e danosa ao ambiente e à saúde das pessoas, e uma das mais eficazes opções à queima do combustível fóssil, vive crise sem precedentes no país.

Tenho andado muito pelo interior do Brasil e visto de perto o vigor da nossa agropecuária e a dedicação dos nossos produtores. Por tudo isso, é contraditória a gravidade da crise por que passa a nossa produção de álcool. Nos últimos anos, mais de 40 usinas fecharam. Outras estão em processo de recuperação judicial ou enfrentam graves dificuldades. Milhares de pessoas já perderam o emprego.

Trata-se de situação completamente distinta da que se projetava poucos anos atrás. Até então o Brasil estava fadado a ser a maior potência mundial de energia renovável.

Caminhávamos para ser a vanguarda da sustentabilidade, exemplo em um mundo em busca de fontes não fósseis, limpas e mitigadoras do aquecimento global pela redução das emissões de CO2.

Descarrilamos, contudo.

Não foi obra do acaso. Não foi barbeiragem de produtores, nem irresponsabilidade de investidores. Não foi mera consequência da mudança de ventos na economia global.

Foi, isso sim, produto de equívocos cometidos por uma gestão que está matando o etanol brasileiro. É um estrago de grandes proporções, que se espalha por longa cadeia de produção que envolve 2,5 milhões de trabalhadores e centenas de municípios do país.

Sem perspectivas de melhora, as usinas não investem, o mercado não reage e o Brasil chega ao ponto de importar etanol dos EUA --e com desoneração tributária concedida pelo governo federal. Como pode?

Os produtores não precisam de muito, mas têm nos faltado o básico. Basta que o governo não atrapalhe, como tem feito, defina uma política de longo prazo para o setor energético e reestabeleça condições mínimas de competitividade: equilíbrio na formação de preços, tributos adequados e algum amparo na forma de linhas de crédito que realmente funcionem.

Não é algo tão complicado, mas é tudo o que o governo petista não faz.

Há uma crise de confiança instalada no país. As vítimas vão caindo pelo caminho --e são cada vez mais numerosas.

É o futuro do Brasil que está sendo sabotado. No caso do etanol, é toda uma experiência de mais de 40 anos que está sendo jogada no lixo pela vanguarda do atraso.

sábado, 26 de abril de 2014

Prefeitura não revela futuro do Pacaembu


Planos sobre utilização do estádio após despedida do Corinthians estão indefinidos

26 de abril de 2014 | 17h 00

Gonçalo Junior e Vanderson Pimentel - O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - O adeus que os jogadores do Corinthians vão dizer hoje ao Pacaembu coloca um ponto de interrogação no futuro do estádio mais charmoso e tradicional de São Paulo. Nem a Secretaria de Esportes e Lazer, órgão municipal responsável pela gestão do local, sabe o que vai acontecer. Por meio de sua assessoria, o secretário Celso Jatene afirmou que nada está definido sobre os jogos no estádio.
A falta de planos preocupa os 120 funcionários do estádio. Eles não temem necessariamente perder o emprego, mas não querem que o estádio fique abandonado e esquecido. As opiniões se dividem entre a esperança e o pessimismo. "Sem futebol, esse lugar vai murchar”, diz um funcionário. "Ele precisa de um novo projeto de administração, mas não vai virar um elefante branco. O Pacaembu tem vida própria", diz outro colaborador.
Desde 1982, o Corinthians adota o Pacaembu como seu lar. No dia 18 de maio, porém, fará seu primeiro jogo oficial na Arena Corinthians, sua casa própria a partir do segundo semestre. O adeus de hoje, no entanto, está com cara de até logo. Antes da Copa, é possível que o time mande mais duas partidas no Pacaembu, contra Atlético-PR, no dia 21 de maio, e Cruzeiro, no dia 29.
Fato semelhante deve acontecer com o Palmeiras, clube que mais levantou taças na arena – foram 26 ao todo. Em junho está prevista a inauguração da Allianz Parque. "O Pacaembu é como se fosse uma mãe. Os filhos saem, casam-se, mas de vez em quando voltam para a casa da mãe no fim de semana", diz outro funcionário do Pacaembu.
NA MIRA O Santos é o principal candidato a ser o novo inquilino. "Se perguntarem: vocês querem o Pacaembu como segunda casa? A resposta será 'queremos sim', disse o presidente do Santos Odílio Rodrigues, em entrevista exclusiva à TV Estadão. O desejo da diretoria é se associar a um grupo privado para vencer a licitação da prefeitura, ainda sem data definida. A gestão ficaria por conta da parceira. Antes mesmo de sair do papel, o projeto encontra restrições. O primeiro deles é o tombamento do estádio como patrimônio histórico desde 1998. Ou seja, não dá para fazer um shopping ou um conjunto de escritórios ali. Outro limite foi colocado pela comissão técnica do próprio Santos: o técnico Oswaldo de Oliveira bate o pé e quer jogar na Vila. 

O ex-jogador Wladimir, diretor do Pacaembu por quase quatro anos, sugere uma aproximação do estádio com a população e com a iniciativa privada. "Esse é o momento de a população utilizar as modalidades que ele oferece. Em relação ao futebol, o estádio pode continuar abrigando as decisões de torneio de várzea", argumenta.
Um dos torneios que costuma ser decidido no Pacaembu é a Copa Kaiser, maior campeonato de futebol de várzea de São Paulo. Em 2012, a final atraiu 20 mil pessoas, um recorde em torneios amadores. Em 2013, os jogos tiveram de ceder o espaço para o Santos, que decidiu jogar na capital.
Mesmo que os campeonatos amadores vinguem, a conta não vai fechar sem o futebol profissional. Atualmente, os custos para manter o estádio são de aproximadamente R$ 5 milhões por ano, segundo a própria secretaria. O que pesa mais é a manutenção do gramado, que gira em torno de R$ 60 a 80 mil por mês. Em contrapartida, para um jogo à noite, a Prefeitura cobra aluguel de R$ 61.800 ou 12% da receita bruta em partidas realizadas de dia.  Nessa conta, a realização de shows não é opção. "Há uma liminar de 2005 que proíbe a realização de eventos não desportivos no Estádio e na Praça Charles Muller. É uma decisão judicial e não uma vontade de um ou de outro", diz Rodrigo Mauro, da Associação Viva Pacaembu, que alega que esses eventos são prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos moradores.
Como o leque de opções de renda está fechado, é preciso retomar o argumento de Wladimir: o Pacaembu não é só futebol. O complexo poliesportivo possui 48 mil cadastrados e é oxigenado diariamente por 1200 pessoas que pagam apenas pelo uso dos ginásios, quadras de tênis e também pelo campo de futebol. O resto é de graça. 
O futebol é a cereja do bolo e, como disseram os funcionários, o problema é o esquecimento. Quem mata a charada dessa dor coletiva por causa de uma despedida que nem é despedida de verdade é o atacante Edu, ex-Santos. Para ele, a resposta sobre o futuro está no passado. "Todas as torcidas têm uma história boa para contar sobre o Pacaembu", afirma. "Isso não vai acabar".
CONCHA ACÚSTICAPor dez anos (1940 a 1950), o Pacaembu foi o maior estádio da América do Sul recebendo até 70 mil pessoas. Perdeu o trono para o Maracanã, mas mesmo assim representou o estado de São Paulo na Copa de 50, sediando seis partidas. 
Influenciado pelo estilo art deco, mistura elegante e funcional de várias escolas, o estádio sofreu várias intervenções. A mais importante foi a criação de uma grande arquibancada. O Tobogã substituiu a concha acústica, que havia sido concebida como palco para apresentações musicais, mas que foi pouco utilizada. A partir de 1960, o Pacaembu perdeu espaço para o Morumbi, mas continuou imponente, por causa da localização privilegiada e pelo charme.