domingo, 30 de setembro de 2012

Encruzilhada metropolitana


MARISA SALLES, SÓCIA DA BEI EDITORA; É FUNDADORA, CONSELHEIRA EXECUTIVA DO ARQ.FUTURO - O Estado de S.Paulo
MARISA SALLES, in Aliás
Como conduzir projetos transformadores em metrópoles às voltas com os efeitos do crescimento desordenado? Mais especificamente: o que deve ser feito para superar os entraves que se colocam à renovação estrutural necessária em São Paulo? Essas foram, de maneira sintética, as questões que pautaram os encontros do Arq.Futuro, realizado nos dias 24 e 25 de setembro. As perguntas refletem o processo de amadurecimento percorrido pelo evento: na primeira edição, trouxemos a São Paulo grandes arquitetos que apresentaram suas ideias e obras; na segunda, ocorrida no Rio de Janeiro, convidamos também economistas e urbanistas, que ampliaram o debate de maneira a incluir questões relativas às cidades. Esse tema foi aprofundado nessa terceira edição, que buscou focalizar mais detalhadamente os desafios da organização urbana, propondo temas de grande relevância não apenas para especialistas ligados à arquitetura, mas para todos os cidadãos. Alcançamos, assim, o objetivo que nos havíamos proposto quando idealizamos esse projeto: discutir arquitetura não apenas como expressão artística, mas como elemento de transformação social.
Sob o tema geral de "A Metrópole na Encruzilhada: o Futuro de Caos ou Ordem das Megacidades", propusemos três subtemas: "Tecnologia e Futuro das Cidades", "Espaços Públicos e Centros de Cultura e Lazer" e "Habitação Social e Projetos Imobiliários". A partir daí, desdobraram-se discussões sobre diferentes aspectos relacionados às metrópoles contemporâneas, tais como a recuperação de espaços urbanos degradados, o papel desempenhado pelas novas tecnologias, as soluções para o transporte público e a mobilidade urbana, a criação de habitações sociais de qualidade. A ideia era falar das grandes cidades de forma geral, relacionando as várias experiências à realidade de São Paulo. Para isso reunimos arquitetos de diferentes nacionalidades, como os americanos Tod Williams e Billie Tsien (autores de importantes projetos de museus e instituições públicas) e Thaddeus Pawlowski (responsável por projetos de infraestrutura de larga escala de Nova York), o italiano Carlo Ratti (arquiteto, engenheiro e professor do MIT) e o chileno Alejandro Aravena (conhecido por seus inovadores projetos de habitação social), além de brasileiros conhecidos tanto por seus projetos quanto por sua atuação acadêmica, como Isay Weinfeld, Ângelo Bucci e Fernando Mello e Franco. Otávio Zarvos, incorporador, trouxe a visão do empresário ligado às construtoras. Participaram ainda André Correa do Lago, crítico de arquitetura e design, Karen Stein, escritora e crítica de arquitetura, e Philip Yang, fundador do Instituto Urbem.
Além das palestras e discussões no Auditório Ibirapuera, o Arq.Futuro organizou um encontro no Instituto Insper entre empresários e dois dos candidatos à Prefeitura de São Paulo. Foi significativo que Fernando Haddad e José Serra (Celso Russomanno, também convidado, não compareceu), às vésperas da eleição, abrissem espaço em suas agendas para apresentar seus projetos para São Paulo: evidencia-se o reconhecimento por parte do setor político de que é urgente pensar a cidade. Essa sensação de urgência era compartilhada pela plateia, na qual estavam industriais, banqueiros, construtores, incorporadores, administradores de shoppings, acadêmicos e jornalistas - pluralidade que sublinha a importância crescente que a reflexão urbanística vem tomando.
A apresentação dos candidatos foi seguida por uma conversa entre Alejandro Aravena, Thaddeus Pawlowski, André Corrêa do Lago, Philip Yang, o urbanista carioca Sérgio Magalhães e Cláudio Haddad, economista e diretor do Insper. Os projetos dos candidatos foram analisados criticamente, assim como a forma de atuação de diversos segmentos ali representados. Apesar disso, ou por causa disso, havia um sentimento comum de interesse, de entusiasmo pela organização de um fórum de debate profundo e isento.
A grande contribuição dos encontros, acreditamos, esteve no debate de ideias. Não houve conclusões ou respostas únicas às grandes interrogações impostas pela metrópole. Um dos pontos de consenso foi a necessidade de adensar a cidade, de trazer seus moradores para as zonas centrais, reduzindo a necessidade dos longos deslocamentos, aproveitando as oportunidades de emprego e serviços, criando zonas mistas habitadas por pessoas de todas as classes sociais. Vale lembrar que isso só será possível se for revista a legislação municipal, que atualmente - e esse é outro ponto de concordância - engessa e impossibilita qualquer ação de relevância urbanística.
A questão crucial da mobilidade centralizou-se na dicotomia entre ônibus e metrô; vimos os palestrantes dividirem-se entre priorizar os investimentos em linhas de metrô ou de ônibus, levantando-se benefícios de uma ou outra opção. Os ônibus, embora de custo mais baixo, produzem rupturas no tecido urbano, gerando não apenas maior segmentação social e espacial, mas também prejuízos estéticos; o metrô, por seu lado, exige investimentos maiores, mas ajuda a conter a expansão territorial da cidade e apresenta capacidade de transporte superior à do ônibus. Entre o transporte sobre pneus ou sobre trilhos, destacou-se o estímulo ao uso de bicicletas. A esse propósito, sugeriu-se que as vagas de estacionamento ao longo das calçadas fossem suprimidas de maneira a conseguir-se alargar o passeio e construir ciclovias; os carros poderiam ser guardados em edifícios-garagem construídos e explorados pela iniciativa privada em terrenos desapropriados pela Prefeitura.
A reflexão sobre qualidade de vida na cidade desemboca na segurança pública. Houve uma compreensão generalizada de que uma cidade plural, que ofereça espaços  públicos mais generosos e qualificados e zonas em que se misturem residências, serviços e comércio, será uma cidade mais segura.
Um elemento que atravessa as discussões sobre São Paulo é o desenvolvimento econômico. A metrópole gera 20% do PIB brasileiro, e a resolução de seus problemas é de interesse nacional: "Se a cidade descarrilha, o Brasil descarrilha também", disse um dos participantes. O fato é que a cidade precisa encontrar sua vocação neste momento de transição para uma etapa pós-industrial. Na década de 1990, houve um enorme esforço conjunto para que Nova York recuperasse seu lugar como polo de dinamismo e influência. São Paulo vive agora um momento semelhante - e novamente foi consenso que, se juntarmos nossos esforços com o mesmo objetivo de transformação, sairemos também vitoriosos desse processo.
O Arq.Futuro deixou claro que há muitas ideias e muita vontade de colocá-las em prática. Ele mostrou que as transformações resultam de um processo contínuo de aprendizagem, e só serão efetivas se puderem se consolidar ao longo do tempo, em projetos de longa duração, não em propostas válidas apenas pelos quatro anos de um mandato. Sobretudo, elas só ocorrerão se todos os segmentos da sociedade estiverem determinados a assumir sua responsabilidade nessa construção, discutindo as mudanças necessárias na legislação municipal, acompanhando as decisões tomadas pelos governantes, exigindo o cumprimento de compromissos assumidos - fazendo, enfim, pleno uso de sua cidadania.

Pacto pela infância


SUELI PECCI PASSERINI É DOUTORA EM PSICOLOGIA PELA USP, PROFESSORA DA FAAP E AUTORA DE O FIO DE ARIADNE - UM CAMINHO PARA A NARRAÇÃO DE HISTÓRIAS; COORDENA CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA WALDORF E INTEGRA A ALIANÇA PELA INFÂNCIA - O Estado de S.Paulo
SUELI PECCI PASSERINI
É possível alfabetizar uma criança com menos de 7, 6 ou até 5 anos de idade? Sim, é possível alfabetizar muito cedo uma criança. Mas será uma alfabetização significativa? Que comprometimentos podem advir do que entendemos como aceleração da alfabetização? Qual é o ganho efetivo para a criança?
Ouço muitas vezes no consultório os pais preocupados com o futuro caminho profissional definido pelo vestibular de seu filho ou filha de apenas 3, 4, 5 anos. Quando pergunto aos pais o que eles entendem do brincar de sua criança, geralmente respondem que é apenas um passatempo, exceto pelos jogos de raciocínio. Eles consideram importante preparar a sua criança para a vida, para a competição do mundo, para uma profissão que lhe dê "felicidade" - palavra quase sempre atrelada a "dinheiro".
No entanto, se olhamos a criança quando ela está brincando, fantasiando, subindo em árvores ou correndo com outras crianças, verificamos um universo muito particular no qual ela desenvolve capacidades e uma confiança que, muitas vezes, não encontramos no universo dos adultos bem sucedidos. É por esse motivo que nas escolas Waldorf nós defendemos que até pelo menos os 6 ou 7 anos a criança simplesmente... brinque. O tempo que alguns julgam que ela "perde" por não ser rapidamente alfabetizada, ela na verdade ganha, acumulando forças e mecanismos internos para poder enfrentar o mundo que às vezes tanto preocupa os adultos.
Há quase 100 anos da fundação da primeira escola Waldorf na Alemanha, cuja concepção, denominada Antroposofia, foi elaborada pelo filósofo Rudolf Steiner, acreditamos cada vez mais nessa prática, hoje disseminada em mais de 3 mil instituições em todo o mundo, orientando educadores quanto a essa questão. A antropologia antroposófica reconhece a importância do desenvolvimento físico, anímico e espiritual do ser humano em formação. E os sete primeiros anos da criança, por exemplo, representam uma fase de grande dispêndio de energia para preparar toda uma condição física. Isso se evidencia no princípio da troca dos dentes e em um desenvolvimento neurológico e sensorial que tem sua expressão no domínio corporal, na linguagem oral, na fantasia, na inteligência.
Contudo, é na atividade do brincar que essas capacidades são desenvolvidas com alegria e seriedade, com atenção e responsabilidade, com segurança e confiança em um mundo bom, que não exige da criança além de suas possibilidades, ou seja, uma entrada precoce no mundo adulto. E alfabetizar precocemente significa empurrar a criança para o mundo adulto (para o qual ela não está preparada, portanto) antes da hora, um gasto de energia que poderá fazer falta na vida futura dela.
Em minha experiência docente, assim como psicopedagógica, sempre constato que, para uma criança pequena, o código alfabético é estéril, sem cor, sem beleza, pois é abstrato e desconhecido. Mesmo depois de alfabetizada, é o desenho que representa tão significativamente as suas vivências. Podemos verificar tal condição quando estudamos a escrita de nossos antepassados e a forma de comunicação de nossas crianças, o desenho. A escrita do povo egípcio, os hieróglifos, é a representação objetiva da realidade, ou seja, a re(a)presentação do mundo sensório pelo desenho. Mas quando em 3.000 a.C. surgiu a escrita fonética dos fenícios, ocorreu um distanciamento dessa forma de expressão, porque o fonema não tem mais relação direta com os elementos do mundo circundante.
O desenho da criança é, portanto, a sua forma de comunicação natural, semelhante aos antigos egípcios, que revela seu universo infantil com o código que lhe é caro e próprio. Quando a sua criança lhe mostra um desenho que tenha feito, ela está lhe contando como vê o mundo, como se sente, se está alegre ou triste. Não é só a escrita que é capaz disso.
Nas escolas Waldorf a alfabetização pelo código fonético inicia-se pelo desenho, de forma lenta e gradual, a partir dos 6 anos, mas o desenho e a pintura correm em paralelo por toda a escolaridade, como uma forma de comunicação tão importante quanto nossa linguagem escrita.
A pedagogia Waldorf pressupõe que o professor, realizador dessa pedagogia, conheça o ser humano em seu desenvolvimento geral, respeite o contexto sociocultural em que o aluno está inserido e saiba organizar seu ensino privilegiando a brincadeira, o canto, a dança, para que a alfabetização (e qualquer outro conteúdo de ensino) tenha significado e seja efetiva.
Entendemos o brincar como o princípio lúdico que embasa as atividades artísticas e orienta toda a prática docente, mas que também significa ou re-significa o ensino-aprendizado, pois é o motivo, o vínculo afetivo com o professor e com o conteúdo. Termino com a frase do filósofo Friedrich Schiller: "O homem só brinca ou joga enquanto é homem no pleno sentido da palavra, e só é homem enquanto brinca ou joga".

O mapa das nossas minas, IstoÉ


Segundo maior produtor mundial de ferro e manganês, o Brasil faz a conta de quanto tempo as atuais reservas irão durar enquanto procura por novas jazidas

Edson Franco
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Piercings, motores de jatos e oleodutos têm algo em comum. Todos levam nióbio em sua composição. Resistente e raro, esse metal é um presente geológico para o Brasil, que concentra 98% da oferta mundial. Caso novas jazidas não sejam encontradas, esse quase monopólio nacional tem prazo para acabar. Ao ritmo atual de exploração, em 57 anos não será encontrado mais um grama de nióbio em solo brasileiro.

Com preocupações desse tipo, os maiores geólogos e especialistas em mineração do mundo se reúnem em Santos (SP), entre 30 de setembro e 5 de outubro, durante o 46º Congresso Brasileiro de Geologia. Além de encontrar formas de beneficiar as populações das áreas exploradas, os pesquisadores vão expor ideias que garantam matéria-prima para que as gerações futuras também possam ter seus piercings, jatos e oleodutos.

Especialistas na área são unânimes em afirmar que estão distantes os dias em que os recursos minerais estarão extintos. Muito mais do que se preocupar com o fim das reservas conhecidas, engenheiros e geólogos devem descobrir como explorá-las com mais eficiência e procurar por novas jazidas. “No Brasil, podemos e precisamos encontrar muitas outras reservas. O problema é que gastamos em pesquisa geológica o mesmo que Argentina e Chile, que têm território muito menor”, pondera Fábio Braz Machado, presidente da comissão organizadora do congresso. 

Contrário às previsões mais alarmistas sobre o fim de nossas reservas, o geólogo David Siqueira Fonseca, do Departamento Nacional de Produção Mineral, lembra o cenário da crise do petróleo em meados dos anos 1970. “Diziam que o mundo teria óleo, no máximo, até 1985. Mas as técnicas de prospecção evoluíram tanto que ninguém mais estipula uma data para o fim do petróleo na Terra”, diz. Para ele, um dos maiores problemas da mineração nacional é o baixo conhecimento que o País tem sobre suas próprias formações geológicas. Um fator que impede estudos mais aprofundados são as áreas de proteção ambiental ou indígenas. Nelas, os cientistas são impedidos de lançar as suas sondas. Mas isso não gera um conflito entre geólogos e ecologistas. “Essas áreas são uma espécie de reserva para o futuro. Quando as jazidas atuais estiverem esgotadas, será a hora de discutir o momento de começar a explorar essas áreas”, afirma Fonseca.
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Outra dificuldade da pesquisa geológica nacional é a falta de engenheiros e geólogos. Estimular a formação e preparação de profissionais especialistas em mineração é uma das preocupações do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Desde o início deste século, a mineração nacional passou por um boom e chegou a uma situação de pleno emprego, o que obriga as empresas do ramo a prospectar engenheiros e geólogos como se fossem ouro.

Mesmo com essa deficiência de pessoal, o Brasil comemora a descoberta de jazidas com metais supervalorizados e raros nesses tempos em que a tecnologia exige materiais cada vez mais versáteis. Em 2011, foi encontrada na Bahia uma grande reserva de tálio, metal usado em contrastes de exames cardiológicos e como supercondutor na transmissão de energia. Outra descoberta, também na Bahia, ocorreu neste ano. O geólogo João Carlos Cavalcanti encontrou no oeste do Estado uma reserva estimada em 28 milhões de toneladas de neodímio – um dos 17 elementos que compõem o grupo de minerais chamado de terras raras, usados em equipamentos como carros elétricos, smartphones e tablets.

Enquanto os estudiosos debatem soluções e comemoram descobertas como essas, o público que for ao congresso em Santos terá várias portas de entrada para o mundo da geologia. A 800 metros do Centro de Convenções Mendes, sede do evento, será montada a Praia das Geociências, espaço para que leigos e curiosos conheçam a variedade geológica do Brasil. Os frequentadores também poderão adquirir o livro “Brasil Geológico”, do geólogo Ricardo Siqueira, que juntou ciência e fotografia para investigar as mais fascinantes formações rochosas brasileiras. Por fim, quem comparecer volta para casa com uma amostra da nossa riqueza mineral: um vidrinho contendo 1,8 ml de petróleo vindo diretamente do pré-sal.