segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O papel central da Economia da FGV-SP



Coluna Econômica - 24/09/2012, Luis Nassif

Quando foi criada a Faculdade de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, prognostiquei que em breve marcaria época no país. Com Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, a escola conseguiria definir uma síntese do melhor do pensamento econômico brasileiro – moldado ao longo das últimas décadas.
Da escola da Unicamp e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), trouxeram os valores do desenvolvimentismo. Dos anos 90, os valores da estabilidade fiscal. Do governo Mário Covas, Nakano trouxe as mais bem sucedidas experiências de inovação tecnológica na gestão pública, até então. E estavam juntos em uma instituição – a FGV – que abriga a melhor escola de gestão pública do país.
Além disso, não compactuava com alguns vícios do pensamento desenvolvimentista, de criar campeões nacionais a qualquer preço. Nem abraçava o radicalismo neoliberal contra a presença do Estado, ou seu oposto, a estatização a qualquer preço.
Além disso, contava com a objetividade nipônica, cirúrgica, de Nakano, um economista sem as firulas que caracterizam os cabeças-de-planilha e com rara capacidade de identificar os fatores essenciais de uma política econômica.
***
Um ex-economista da FGV-SP – Guido Mantega – acabou alçado a Ministro da Fazenda, mais por seu histórico com o PT do que com a FGV. Mas as decisões de política econômica adotadas – devolvendo o ativismo à Fazenda – foram muito mais uma reação à crise de 2008.
A eleição de Dilma Rousseff mudou o panorama e permitiu a consagração dos princípios defendidos pela Faculdade de Economia.
Enquanto Ministra de Lula, sabia-se da formação de Dilma Rousseff, aluna de Maria da Conceição Tavares na Unicamp. Mas pouco se sabia sobre o conjunto de princípios que norteariam seu governo dali por diante.
***
Uma a uma, as teses da FGV-SP foram se impondo, deixando  mais claro uma identidade de pensamento que Dilma já trazia desde os tempos em que modelou o novo sistema elétrico.
Gradativamente começou a jogar na perna do investimento a responsabilidade pelo crescimento. Reforçou o papel regulador do Estado, enquadrando as agências. Ao mesmo tempo, reabriu as parcerias público-privadas e as concessões públicas – mas sem abrir mão do controle regulatório.
Em setembro do ano passado, deu início ao lance mais ousado, que foi detonar os fetiches em torno de juros elevados. O Banco Central reduziu em 0,5 ponto a Selic – contra todas as apostas do mercado, e venceu.
Depois, mais dois lances capitais para ampliar a competitividade da economia. O primeiro, a redução nas tarifas de energia elétrica, em um setor há tempos acomodado com altas margens de lucro, altas distribuições de resultado e altas tarifas.
O segundo, o início do desmonte da estrutura de títulos públicos herdada do período da hiperinflação, com títulos de longo prazo sendo remunerados pela taxa diária de juros.
Por trás dessa aposta fundamental, reuniões periódicas com dois economistas que aprenderam a chutar a gol: Delfim Neto e Nakano.
Realiza-se, assim, a profecia sobre o papel a ser exercido, no país, pela Faculdade de Economia da FGV-SP.

domingo, 23 de setembro de 2012

Governo estuda flexibilizar leis trabalhistas


Lu Aiko Otta e João Villaverde, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Como parte da agenda para aumentar a competitividade da economia, a presidente Dilma Rousseff ensaia entrar num terreno pantanoso para um governo do PT: a flexibilização das normas trabalhistas. A Casa Civil analisa proposta de projeto de lei pelo qual trabalhadores e empresas poderão firmar acordos com normas diferentes das atuais, baseadas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em vigor há 69 anos.
Na prática, o projeto permite que os salários e a jornada de trabalho sejam reduzidos de forma temporária em caso de dificuldades econômicas. Ele abre caminho também para a utilização mais ampla do banco de horas, pelo qual os trabalhadores cumprem horas extras sem receber adicional, e compensam o tempo trabalhado a mais com folgas. 
Os acordos entre empregados e empresas seriam firmados por meio do Comitê Sindical de Empresa (CSE), segundo prevê o projeto de lei. As normas à margem da CLT comporiam um acordo coletivo de trabalho. 
Empresas que concordarem em reconhecer no CSE seu interlocutor e os sindicatos que aceitarem transferir ao comitê o poder sindical terão de obter uma certificação do governo. 
O papel dos sindicatos, nesse sistema, seria o de atuar nas empresas que optarem por continuar sob o "modelo CLT". Eles também selariam com as entidades patronais as convenções coletivas - por meio das quais empregados e patrões definem, anualmente, aumentos salariais. Todos os membros do CSE terão de ser sindicalizados. 
A proposta em análise foi elaborada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, baseada no modelo alemão. O texto foi entregue ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Recentemente, a Casa Civil, que auxilia Dilma na elaboração de normas legais, pediu para analisar o projeto. 
Ainda não está certo se o governo adotará o projeto como seu e o enviará ao Congresso. A presidente costuma pedir análises detalhadas dos projetos que considera interessantes, para depois decidir se os levará adiante ou não. Para colher mais subsídios, um grupo deverá ir à Alemanha nas próximas semanas. 
Na Alemanha, boa parte da indústria e dos sindicatos concordaram em reduzir a jornada de trabalho e os salários, em caráter excepcional e com prazo de validade, para permitir que a economia atravessasse a crise sem falências ou demissões. "Formaram um pacto nacional, que só foi possível do ponto de vista legal porque as leis lá são flexíveis", diz uma fonte graduada da equipe econômica do governo. 
O projeto é visto com simpatia no Palácio do Planalto e, principalmente, no Ministério da Fazenda. Chegou a ser citado pelo secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, em palestra na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, como parte da agenda do governo.

ICMS e guerra fiscal,AMIR KHAIR - estadão


O ICMS é o vilão do sistema tributário brasileiro. É o maior tributo, superando o imposto de renda e a contribuição previdenciária. Onera a carga tributária em 7% do PIB e, mais importante do que tudo, é responsável por metade (!) do valor dos tributos que incidem sobre o consumo. Como se trata de um imposto que incide diretamente sobre o preço de venda, acaba elevando o preço final do produto.
É um imposto que pune o consumidor, especialmente das camadas de menor renda, cuja despesa com consumo incide mais fortemente sobre a renda da pessoa. Atinge em cheio os preços dos artigos que compõem a cesta básica. O governo federal já reduziu seus tributos sobre a cesta básica, restando pouco ainda a tirar, mas os Estados, responsáveis pelo ICMS, nada fizeram para retirar o peso sufocante deste imposto.
É um imposto invisível, não percebido pela população, a não ser quando aparece claramente destacado, como nas contas da energia elétrica e do telefone. O governo federal reduziu quase toda a tributação sobre a energia elétrica e pediu aos Estados que fizessem o mesmo, mas estes se negaram.
Para reduzir esse imposto, a melhor forma é diminuir suas elevadas alíquotas, sendo a mais comum a de 18%, podendo ir a até 30% em alguns casos. Nas contas de energia elétrica e telefone, a alíquota mais usada é 25%, onerando as contas em 1/3, pois o imposto incide por dentro. Essa diminuição de alíquotas não irá implicar necessariamente em perda de receita para os Estados, pois a redução de alíquota pode gerar maior nível de atividade econômica e menos sonegação.
Guerra Fiscal. A Constituição atribuiu aos Estados o ICMS, com regras para a sua aplicação detalhadas em lei complementar. Entre essas regras, há as contidas na Lei n.º 24, de 7 de janeiro de 1975, que dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções de ICMS.
Segundo o artigo 2.º desta lei, os convênios para a isenção do ICMS só podem ser feitos nas reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do governo federal.
Essas reuniões se dão no âmbito do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), onde os representantes dos Estados são seus secretários de Fazenda e, do governo federal, o secretário executivo do Ministério da Fazenda.
Reza o § 2.º do artigo 2.º que: "A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados".
E, no artigo 8.º:  "A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I - A nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; II - A exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente".
Visando atrair empresas para seu território, os Estados vêm há tempos instituindo benefícios fiscais de ordem econômica e/ou financeira no ICMS, ao arrepio da Lei n.º 24/75, que, como visto, determina que a concessão do benefício só pode ocorrer se aprovada por todos os Estados, o que não ocorre.
Na guerra fiscal, o valor do imposto que aparece na nota fiscal é o calculado com as alíquotas estabelecidas pelo Senado; mas, de fato, o imposto não é cobrado ou é devolvido, total ou parcialmente. Diversos Estados têm se negado a conceder esse crédito, tendo por base que o desrespeito à Lei implica em nulidade de pleno direito do ato, conforme o art. 8.º da LC nº 24/75.
Quando a empresa está instalada num Estado e é atraída para outro que concede o incentivo fiscal, ocorre um prejuízo na arrecadação global do ICMS. O mesmo ocorre quando a empresa já tinha decidido que vai se instalar no Brasil e depois promove o "leilão" entre Estados para obter o máximo de benefício fiscal.
Outra forma danosa ao País é a concessão de benefício fiscal na importação de bens do exterior, onde o ICMS é reduzido. É a chamada "guerra dos portos". A solução apresentada pelo Senado, por meio da Resolução n.º 13, de 25 de abril deste ano, acabaria com a guerra a partir de 2013, mas tem tudo para não sair do papel, pois estabeleceu que o Confaz poderá baixar normas para fins de definição dos critérios e procedimentos a serem observados no processo de Certificação de Conteúdo de Importação. Há quem duvide que o Confaz, que sempre se omitiu no cumprimento da Lei n.º 24/75, vá baixar essas normas.
Na guerra dos portos, o ICMS cobrado da empresa que importa é reduzido, digamos, a 2%. Ao vender para outro Estado com alíquota interestadual de 12%, o comprador se credita de 12%. Ao vender, se a alíquota interna for de 18%, paga de ICMS 6% (18% menos 12%). O produto nacional, no entanto, paga 18% e o importado paga apenas 8% (2% no Estado de origem e 6% no Estado de destino).
Além de ter contra si o câmbio valorizado e enfrentar custos elevados de infraestrutura, logística, carga tributária e juros, a guerra dos portos reduz ainda mais a competitividade do produto nacional com o importado, podendo gerar desemprego e induzir as empresas a produzir no exterior.
Em muitos casos, a guerra fiscal pode trazer consequências danosas ao desempenho econômico, ao trocar critérios de eficiência econômica por artificialismo tributário na localização de uma indústria. Outra consequência é a distorção que causa na competição entre empresas, por estarem em locais fora do território onde é dado o benefício fiscal. Essa distorção é tanto maior quanto maior for a participação do custo fiscal no custo final do produto.
Numa rara investida contra a guerra fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou 23 normas criadas pelos Estados para favorecer empresas e atrair investimentos à custa de outros Estados. Foram julgadas num único dia 14 ações de inconstitucionalidade. Alguns dias depois, vários dos Estados envolvidos revalidaram essas normas com outra redação, tentando escapar da decisão do STF.
Uma forma de acabar com a guerra fiscal, porém dependente da aprovação dos Estados, é através da reforma tributária, com a mudança na cobrança do ICMS da origem para o destino. Com a mudança, o Estado produtor ficaria com uma alíquota pequena, a título de pagamento pelo trabalho de fiscalização. Essa alíquota desestimularia a concessão de benefícios para a atração de empresas para o seu território.
Os Estados sempre boicotaram a aprovação da reforma, e dificilmente isso deixará de ocorrer.
A única forma de encerrar de vez a guerra fiscal é o STF editar súmula vinculante que tornaria todos os benefícios concedidos em desacordo com a LC n.º 24/75 nulos, com a devolução do impostos não recolhidos. Com a palavra, o STF.
Não se pode passar ao largo dessa questão. As faltas cometidas por autoridades governamentais e empresas beneficiadas são graves e demandam o rigoroso cumprimento da lei.
Gradualmente, com a extinção da guerra fiscal, é provável que ocorra uma elevação na arrecadação do ICMS, sendo esse um fator a contribuir para melhorar as finanças dos Estados. Vamos aguardar.
* AMIR KHAIR É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR