03 de maio de 2012 | 3h 03
Roberto Macedo - O Estado de S.Paulo
País rico é país sem pobreza, diz o lema do governo Dilma Rousseff. Mas cabe perguntar: que pobreza o governo tem em mente e quer eliminar? Se for medida pelo critério de renda, mesmo com o avanço da chamada classe C - a tal "nova classe média" -, boa parte desta é ainda pobre tanto no valor absoluto de sua renda como em termos de comparações internacionais. E há ainda as classes D e E.
Pode ser que o governo defina um nível conveniente de renda mínima ao medir o seu esforço de eliminar a pobreza. Mas nem assim esconderia o fato de que o País não seria rico se somente isso ocorresse. Esse nível de renda seria baixo e a pobreza não se limita aos rendimentos. Há outros aspectos fundamentais, como o nível e a qualidade do ensino e do atendimento à saúde recebidos em termos médios pela população, sabidamente muito baixos no Brasil. São carências seculares que não serão resolvidas em um ou dois mandatos presidenciais. E há mais aspectos da pobreza também carentes de atenção. Entre eles, a falta de saneamento adequado, que se desdobra em água tratada, esgotamento sanitário, coleta de lixo e drenagem de águas pluviais - esta para evitar as enchentes e os seus repetidos desastres. Quanto a isso o Brasil também está longe de chegar ao que se passa em países ricos.
Sabia que as carências de saneamento são sérias no Brasil, mas recentemente percebi que são ainda bem mais graves do que imaginava. Isso aconteceu ao assistir a uma palestra do economista Gesner Oliveira em reunião recente do Conselho de Economia da Associação Comercial de São Paulo. Além de sólida formação acadêmica e de sua condição de professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, ele tem hoje uma importante credencial para falar sobre o assunto: a experiência em lidar com ele como presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) no governo José Serra.
O palestrante pintou um quadro dramático da precariedade do saneamento básico brasileiro, em particular nas áreas urbanas, o foco de sua análise. Assim, dados de 2010 ou próximos desse ano - como outros que são citados abaixo - mostram que apenas 25% das capitais tinham mais de 80% dos seus domicílios ligados a redes de esgoto. E há casos gravíssimos. Assim, numa reportagem de jornal mostrada na ocasião algumas foram chamadas de "capitais da porcaria", entre elas Porto Velho (apenas 2% de domicílios ligados), Belém (6%), Macapá (7%) e Manaus (11%), numa lista que inclui também quatro capitais nordestinas com taxas entre 30% e 37%.
Dados sobre o Brasil mostram ainda 40 milhões de pessoas sem rede de água tratada, 107 milhões (!) sem rede de esgoto, 134 milhões sem esgoto tratado e 8,2 milhões (!) sem banheiros em seus domicílios.
A situação de alguns países ricos foi apresentada e os dados confirmam o título deste artigo. Assim, na Alemanha 100% dos municípios têm água tratada, 100% têm coleta de esgoto e em 99% deles há tratamento do coletado. Na Itália os índices são de 98%, 90% e 94%; em Portugal, 97%, 95% e 84%; na França, 99%, 95% e 84%, respectivamente.
Numa breve referência ao saneamento rural, uma avaliação da ONU mostrou que a situação brasileira é pior do que a de países como Sudão, Timor Leste e Afeganistão. Quanto ao lixo, 42% dos resíduos sólidos coletados no País têm destinação imprópria, pois vão para lixões e aterros inadequados. E apenas 6% dos municípios têm algum sistema de drenagem.
É óbvia a correlação entre a disponibilidade de saneamento básico e melhores condições de saúde no entorno dos domicílios atendidos, mas foi interessante conhecer uma estimativa de que cada real gasto com saneamento representa a economia de quatro com tratamentos de saúde.
Dado esse triste quadro, o que se faz em contrário é claramente insuficiente para limpar toda a sujeira que revela. Há carência de investimentos e dificuldades de planejamento e de gestão. O Brasil tem seu Plano Nacional de Saneamento Básico, que prevê a universalização desse serviço até 2030 mediante investimentos totais de R$ 263 bilhões, e no valor médio anual, de R$ 13 bilhões, o que significaria dobrar a média dos últimos cinco anos, que, se mantida, deixaria essa universalização para 2060 (!).
Toda vez que ouço falar de planos governamentais ponho um pé atrás, pois muitos ficam só no plano das hipóteses. E não vejo de onde vai sair todo esse dinheiro de fontes governamentais. Por isso vi com simpatia algumas propostas apresentadas pelo palestrante, entre elas o recurso a parcerias público-privadas, pois sozinhos os governos federal, estaduais e municipais não dão conta dos problemas nessa área. E a busca de aumentos da produtividade de sistemas já instalados, inclusive ampliações e novos que virão.
No abastecimento de água, aumentos substanciais de produtividade seriam alcançados se reduzidas fortemente as perdas nas redes de abastecimento, que alcançam perto de 40% (!). Isso geraria receita adicional e liberaria recursos para mais investimentos. No esgotamento sanitário, que exige muito bombeamento, também há perspectivas de ganhos de produtividade com equipamentos mais eficientes no uso da energia.
Concluo com outro dado particularmente chocante, que evidencia os efeitos danosos da carga tributária elevadíssima, tão alta como nunca antes neste país. De impostos federais a Sabesp pagou em 2009 o total de R$ 1,26 bilhão, perto da metade a título de contribuições que se dizem sociais (uma tem explicitamente esse nome e outra é a Cofins, também com seu quê de social). No mesmo ano a Sabesp investiu um total não longe disso, R$1,8 bilhão, o qual poderia ser substancialmente ampliado se o governo federal promovesse uma forte desoneração tributária desse setor tão importante para aliviar as condições de pobreza em que vive grande parte da população brasileira.