Janeiro já está em sua segunda semana e noto, sem surpresa, que muitas publicações continuam em seu modo de férias.
Essas férias começam em meados de dezembro, quando se enchem páginas com os "balanços" do ano. Você conhece: fatos relevantes, personalidades relevantes, figuras relevantes de 2024.
Depois, quando o ano termina e um novo começa, é só virar o disco e publicar as "previsões". O mesmo cardápio: fatos relevantes, personalidades relevantes, desastres hipotéticos para 2025.
Mas existe uma terceira moda que tem crescido de ano para ano, prolongando a hibernação geral: a moda das "resoluções".
Em que consiste essa doença?
São conselhos muito sábios, e muito dementes, para que os leitores possam "crescer" (espiritualmente) e "enriquecer" (materialmente). É como se as redações, depois de esgotarem os seus arquivos, assaltassem os manuais de autoajuda enquanto a ressaca das festas não passa de vez.
Nos últimos tempos, tenho colecionado as recomendações mais comuns, que podem ser facilmente agrupadas em sete mandamentos tresloucados. Confira.
1. "Aprenda a dizer ‘não’ mais vezes." Pelo visto, o pessoal diz sim a tudo com uma gentileza servil. Mas quem é o pessoal? Se você faz parte de uma classe afluente e ociosa, tudo bem. Dizer não é um luxo a que se pode permitir. Se você tem de penar para pagar boletos e não sabe o dia de amanhã, a recusa pode ser a diferença entre o jantar e a fome.
2. "Desistir não é uma opção." Lembro sempre esse conselho quando penso no pintor Paul Gauguin. Se ele não tivesse desistido da sua carreira de corretor da Bolsa, teria sido um dos melhores especuladores da sua geração. O mesmo é válido para o compositor Hector Berlioz —poderia ter sido um grande médico—, o escritor James Joyce —um grande professor— ou o ator Harrison Ford —um talentoso carpinteiro.
Uma hipótese alternativa para isso: saber desistir, e quando desistir, é tão importante como saber insistir, e quando insistir.
3. "Viva cada dia como se fosse o último." Aliás, esse é o caminho mais rápido para a depressão (primeira hipótese) ou para a euforia patológica (segunda). Como seres temporais, sabemos que vamos morrer. Mas, para nos protegermos, vivermos, amarmos, fazermos planos, temos de cultivar uma ilusão de imortalidade. O fim tangível dessa ilusão leva qualquer um ao desespero —ou, então, à ruína festiva e ao descontrole emocional maior.
Quando isso acontece, descobrimos amargamente que só há uma coisa pior do que ter vivido o último dia de nossas vidas. É concluir, na cadeia ou no manicômio, que afinal não era o último dia.
(Há uma variação desse mandamento no sentido oposto: "Viva um dia de cada vez". Não sabia que era possível viver dois ou três dias ao mesmo tempo, mas estamos sempre aprendendo.)
4. "Siga a sua paixão e o dinheiro virá." Sem dúvida. Se as suas paixões incluírem o tráfico de droga, o proxenetismo e a criação de seitas religiosas. São negócios que podem acabar mal, mas dificilmente não geram bons lucros.
Para os restantes, a paixão pode não bastar quando não vem acompanhada por estudo, trabalho, dedicação —e, claro, um tanto de uma sensibilidade particular à sorte (ou à falta dela).
De resto, a ideia romântica de que a paixão antecede a profissão talvez não se verifique em todos os casos. Há profissões inusitadas que levam a paixões inusitadas —ou, pelo menos, a paixões que nunca teriam sido descobertas se nunca tivessem sido tentadas.
5. "Antes de amar alguém, aprenda a amar a si mesmo." Claro que, no limite, esse pode ser um amor não correspondido. Você acredita que, na sua essência, é uma pessoa bondosa, honesta, generosa e criativa, digna de ser amada —quando, na realidade, você é cruel, dissimulado, egoísta e boçal, um castigo para qualquer pessoa que cruze o caminho.
Antes de "aprender a amar a si mesmo", verifique primeiro se a idealização corresponde à realidade. Às vezes podemos não estar falando da mesma pessoa.
6. "Não tenha medo de sair da sua zona de conforto." Se estivermos a falar da conhecida síndrome de Estocolmo, em que as vítimas de sequestro ou violência se sentem confortáveis com os seus sequestradores ou agressores, essa resolução faz algum sentido.
7. "A única pessoa que pode parar você é você mesmo." Mas também um infarto, um acidente vascular cerebral, mutações celulares que dão errado, um caminhão sem freio, um raio intempestivo atraído pelo seu piercing —ou, menos tragicamente, a inveja, a estupidez e a maldade de terceiros. Não somos apenas o que queremos ser, mas o que podemos ser. Acreditar na nossa absoluta autossuficiência é uma receita para a infelicidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário