terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O que esperar da relação entre governo Trump e setor de tecnologia, Álvaro Machado Dias, FSP

 O Vale do Silício surgiu no pós-guerra, enquanto os tecnologistas que construíram impérios a partir de garagens, dando fama à região, apareceram em sua segunda geração. Seu principal representante foi David Packard, conhecido apoiador dos republicanos.


A virada ao liberalismo sociocultural só se consolidou décadas depois, com as redes sociais, o que se explica (1) porque o discurso da inclusão e multiplicidade cultural é o mais alinhado à ambição de ter o planeta inteiro como cliente e (2) porque a produção no Vale depende da contínua atração de talentos técnicos do exterior, briga que Musk sintomaticamente comprou com o establishment republicano.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, conversa com Elon Musk - Brandon Bell - 19.nov.24/Pool via Reuters

Sob Biden, esses princípios serviram de base para medidas impopulares entre os empresários e fundos, e.g., responsabilização das plataformas, fortalecimento dos sindicatos, ações antitruste e regulação da IA e das criptomoedas, levando a uma mudança de ventos que já podia ser sentida nas respostas dos grandes doadores (e gestores de fundos) aos protestos contra Israel nas universidades americanas no final de 2023, vistos como degeneração ideológica forjada pelo wokismo digital. Esse é o pano de fundo para o reposicionamento da Meta, o qual inclui mudanças no conselho gestor.

O mais sagaz entre os ex-apoiadores dos democratas a mudar de trem foi Elon Musk, que fez um dos melhores negócios da vida comprando o Twitter e usando figuras como Alexandre de Moraes de escada para cavar sua inserção na política, a qual lembra a dos magnatas do petróleo do início do século 20. Musk investiu U$44 bilhões na compra da rede e algumas centenas de milhões na campanha de Trump. Uma semana após a eleição, já estava U$70 bilhões mais rico. Contexto não falta. J.D. Vance, o vice-presidente eleito, é ex-gestor de fundos de tecnologia e próximo da máfia do Paypal —turma de onde veio Musk e que tem como ideólogo principal Peter Thiel, dono da fabricante de softwares militares Palantir.

A conjuntura dá pistas sobre o que esperar para o setor de tech no governo Trump. Considerar esses pontos é importante para se preparar para os debates vindouros e, sobretudo, para ajustar a rota de políticas estratégicas como o PL da IA.

I. Assim como o petróleo fundamentou o expansionismo americano há um século, a inteligência artificial e seus processadores serão a base sob a liderança de Trump. A IA será tratada por Washington como infraestrutura planetária, na linha da telefonia e da internet, com seus cabos submarinos.

II. O uso do X como referência para políticas digitais irá muito além da Meta. A briga oficial é com a China, mas a tensão com a Europa deve crescer.

III. Políticas antitruste terão efeito mitigado e a responsabilização das plataformas deve ser reduzida. Esses pontos darão suporte continuado ao M&A do governo com o setor.

IV. Armas autônomas terão lugar especial no orçamento governamental. Palantir e outras estão formando um convênio para abocanhar esses contratos.

V. Tecnologias espaciais irão avançar, na linha do programa Guerra nas Estrelas de Ronald Reagan. Há uma pequena chance de Musk convencer Trump a investir na criação das bases para uma futura colonização de Marte.

VI. Produtos financeiros baseados em criptomoedas devem proliferar. Novos golpes digitais vêm aí.


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