Se na direita o clima entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, Criador e Criatura, não anda nada lá essas coisas, por outras bandas um nome tem suas qualidades cada vez mais exaltadas e já há quem veja nele um sucessor natural para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2026: o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Não só pela aprovação da emenda da reforma tributária que, apesar da expressiva votação que obteve na Câmara, dificilmente permanecerá igual no Senado. Mas por que o placar robusto revelou um lado de Haddad do qual muitos duvidavam quando Lula o indicou para o cargo.
O ministro transitou com habilidade de uma ponta à outra do espectro político nas negociações. Foi do agronegócio aos petistas mais renitentes, passando por governadores e prefeitos temerosos de perder recursos. E, segundo àqueles que o acompanharam, foi flexível quando necessário e resiliente para aguentar as puxadas de tapete. Conseguiu dar a Lula mais um troféu para incluir em sua estante, o de ter uma reforma tributária para chamar de sua. É claro que contou com os cinco bilhões em emendas liberadas pelo governo aos parlamentares, sempre ariscos a votar qualquer coisa sem levar qualquer outra coisa em troca.
A desenvoltura de Haddad fez com que muitos lembrassem do tempo em que Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda de Itamar Franco, negociou o Plano Real que acabou com a inflação no País. “Ambos são professores, sabem escutar e gostam de conversar. Sei que atrapalha quando os tucanos falam bem dele. Mas, guardado o crédito que é preciso dar ao presidente Lula pela escolha, Haddad está muito bem na função”, comenta o cientista político, e diretor da Fundação FHC, Sérgio Fausto.
E o peso político que ganhou nas últimas semanas o fortaleceu no lugar onde sempre estão nomes possíveis para suceder o presidente da República, o ministério da Fazenda. Afinal, por aqui, tão logo é ocupada a cadeira do Palácio do Planalto começa a bolsa de apostas sobre se o novo dono disputará a reeleição ou se terá um candidato. Se Lula não quiser ficar mais quatro anos, um bom ministro da Fazenda tem tudo para ser o escolhido. E Haddad, então ex-prefeito de São Paulo, já foi esse candidato em 2018, quando Lula, preso, ficou fora da eleição. Não derrotou a onda conservadora que elegeu Jair Bolsonaro, mas tampouco foi mal. Agora, se Lula não pensar na reeleição e, além da caneta na mão, tiver popularidade suficiente para eleger seu sucessor, Haddad pode ser esse nome.
Mas este é o País em que, como já disse o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, “até o passado é incerto”. Sendo assim, Criador e Criatura, portanto, nem sempre estão fadados a uma eterna lua de mel de reconhecimentos e afagos. Por mais brilho próprio que a Criatura possa ter e por mais desprendido que o Criador seja, esse é um terreno muito delicado. Às vezes uma piscadela de olho ou o aval para um projeto que possa facilitar a vida do adversário – o caso de Tarcísio de Freitas que apoiou a reforma tributária– podem desencadear reações terríveis e inesperadas.
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Foi o que aconteceu, com o então presidente Itamar Franco (1930-2011) e seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que veio a ser seu sucessor. Já está sendo desse jeito entre Bolsonaro e Tarcísio e ninguém sabe o que o destino reserva a Haddad.
Os personagens são totalmente outros, mas nunca é demais lembrar a história recente em que Itamar um presidente “mercurial”, como ele mesmo se definia, acompanhava sestroso os voos em altitude cada vez maior do seu ministro da Fazenda, autor do Plano Real. FHC, com o apoio de Itamar, que lhe dera total liberdade para trabalhar, venceu a inflação e - com perdão da rima - a eleição de 1994. Ainda no primeiro turno aniquilou o petista Luiz Inácio Lula da Silva que, com seu partido, negara os benefícios que o Real traria à economia e à população.
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Em janeiro de 1995, Itamar desceu a rampa do Planalto com mais de 80% de popularidade e seu sucessor eleito. Após alguns meses, entretanto, o ex-presidente passou a emitir sinais de desagrado com a política de FHC, liberal demais para ele. Fernando Henrique tentou contornar. Fez de Itamar embaixador em Lisboa e na Organização dos Estados Americanos (OEA), mas não teve jeito. O mercurial ex-presidente, do amor, saltou para o ódio.
E ser detestado por Itamar Franco não era pouca coisa. Atribui-se a Tancredo Neves – o quase primeiro presidente civil da redemocratização – a frase de que Itamar “guardava o ódio na geladeira”. Estaria, assim, com o sentimento sempre fresquinho para usar contra algum adversário.
Não contava com o projeto da reeleição do ex-amigo em 1998 e ficou furibundo quando soube que ele não o chamaria para sucedê-lo no Palácio do Planalto. Passou a tratá-lo de Doutor Jekyll e Mr. Hyde (“O médico e o monstro”, novela escrita pelo escocês Robert Louis Stevenson, em 1886) dizendo que FHC virara esse personagem do clássico. Em outro acesso de raiva – ele mesmo me contou – rasgou todas as fotos que tinha em casa com a então cúpula do PMDB (hoje MDB), pois eles lhe haviam negado a legenda para disputar a eleição presidencial e ficaram com FHC.
Itamar bandeou-se para a ala da oposição e, dessa trincheira, passou a combater o novo “inimigo”. Deu-lhe trabalho. Entre Lula e Haddad ainda há uma cachoeira de água para rolar. Mas, não será estranho se, daqui a pouco, Bolsonaro bloquear Tarcísio nas redes sociais.
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