Barbenheimer. O evento cinematográfico do século. Dois blockbusters lançados no mesmo dia, com propostas estéticas, políticas e socioculturais diametralmente opostas. Quem vencerá essa contenda? Spoiler: Barbie já ganhou. Saindo nos EUA com 4.200 salas contra 3.600 de Oppie, a loirinha de plástico deve faturar neste fim de semana o dobro do filme bombástico de Christopher Nolan, algo ao redor de US$ 100 milhões. Mas a pergunta é: qual assistir?
Se você é mulher, principalmente se for mãe de menina, não tenha dúvida, vá de Barbie com a filha. É uma comédia engraçadíssima, com atores de primeira competindo para ver quem tem o melhor timing e incorpora melhor o personagem. Spoiler: Ryan Gosling ganha de 7 a 1. Mas atenção: a criança precisa saber o significado de patriarcado, senão vai boiar na maioria das piadas do filme. É para rir, mas lágrimas irão correr nos momentos emocionantes e problematizantes sobre a maternidade e o papel da mulher na sociedade moderna.
Barbie é esse paradoxo ambulante: um filme sobre uma boneca que não é infantil. Um comercial de brinquedo anticapitalista de duas horas. Uma história de empoderamento feminino baseada no ícone maior da opressão de um modelo de beleza inalcançável. Greta Gerwig é uma gênia que consegue unir tudo isso em uma direção precisa, diálogos primorosos, metalinguagens e quebras de proscênio. O roteiro é uma salada de Toy Story, com Show de Truman e Pinóquio acompanhada de referências a Proust, Mussolini, Kubrick e Monty Python. Gênia.
Todos os homens do filme são idiotas, brutos ou sem noção. “Ah, é um documentário?” — perguntou a amiga feminista. Mas isso não quer dizer que homens cis não vão curtir, se tiverem senso de humor suficiente para rirem deles mesmos. Pode ir, brou, com a certeza de que vai dar boas risadas. Barbie é a vingança cor de rosa das namoradas que foram obrigadas durante anos pelos respectivos conjes a assistir filmes de hominho. Finalmente, um filme de muierzinha. Para confirmar o viés que este é um filme que merece ser assistido no cinema, a ultra-direita americana (e sua cópia nacional) resolveu boicotá-lo. Garantia de sucesso.
O lado ruim de Barbie? Aparentemente, a Mattel gostou da ideia de brincar de cinema e já tem projetos para transformar mais de cinquenta brinquedinhos em “propriedade intelectual”. E tome filme de Hot Wheels, He-Man, Barney e companhia. Com certeza, vem muita bomba por aí.
Por falar em bomba…
Vamos falar de filme de macho? Guerra! Explosões! Cientistas explicando coisas! Sexo delirante em audiências do senado! Filme de 65 milímetros no IMAX! Oppenheimer tem tudo isso embalado pelo puro creme de Christopher Nolan: fotografia de primeiríssima qualidade, edição com cortes temporais beirando a esquizofrenia, sound design de outro mundo, produção impecável. Tudo tão bem feito, tão técnico, tão profissional que você quase não repara que o roteiro é bem chinfrim.
Biopic, né? Cinebiografias têm esse problema de ter que retratar a realidade, então, não dá para colocar plot twists e McGuffins (© Alfred Hitchcock) ao bel-prazer do roteirista. Nolan faz o que pode, mas ele nunca foi muito bom nisso. Seu forte é o filme-conceito, tipo, “e se a gente contar a história de trás pra frente?”. Ou com duas histórias simultâneas em tempo real? Ou em forma de cebola? Ou rodando o filme ao contrário? Tudo tão escalafobético (e tão bem feito, técnico, profissional, etc.) que você quase não repara no roteiro chinfrim e nos diálogos duros e expositivos.
Metade de Oppenheimer é um filme de tribunal. Perdão, filme de audiência no senado, espécie de CPI dos gringos, filmada em preto e branco, recurso normalmente utilizado para representar coisas no passado, mas que aqui são cenas mais recentes, porque Nolan. Para complicar um pouco mais, tem outras cenas estilo tribunal, entre a história principal e a tal da CPI, filmadas em cor. Porque Nolan. Tem também um Einsten-Ex-Machina que aparece de repente para validar uma importante questão matemático-filosófica e depois volta no final para mais filosofia. Uma importante disputa política foi reduzida a um ciuminho entre dois cientistas de ego inflado. Porque Nolan.
Mas vamos falar de coisa boa. O design de som do filme é primoroso e muito bem utilizado como elemento narrativo. Os atores estão excelentes e “Pronuncia-se Killian” Murphy é um forte candidato ao Oscar reproduzindo todas as nuances do cientista atormentado por suas contradições com seus profundos olhos azuis em closes gigantescos na tela do IMAX, para satisfação do público feminino que foi ver o filme errado. A opção por não usar CGI na hora da bomba atômica é puro fetiche de menino que gosta de explodir coisas, mas o resultado é impactante, mais pelo uso inteligente do som que das imagens mesmo. Tudo muito elegante porque aqui não é Michael Bay.
Vale o ingresso? Claro que vale, principalmente se for no IMAX ou em alguma sala com Dolby Atmos. Mulheres que gostam de física quântica podem preferir Oppenheimer. Ou que adoram filme de tribunal. Ou que consomem tudo da Segunda Guerra. Mas eu curti mais a Barbie.
Para finalizar, um serviço de utilidade pública:
Quer mergulhar ainda mais nas fofocas e prevaricações dos criadores da bomba atômica? Então veja a série Manhattan (Globoplay). Não tem nenhum compromisso com a verdade histórica, mas é bem divertida. Foi abruptamente cancelada na segunda temporada e os fãs (eu!) estão esperando o final até hoje.
Quer entender melhor a tal da física quântica e sua relação com o nazismo? Procure a peça Copenhagen, que explica brilhantemente essas questões em um diálogo entre Niels Bohr e Werner Heisenberg. Infelizmente, não está em cartaz e a versão para a TV da BBC com Daniel Craig como Heisenberg, não está em nenhum serviço de streaming no Brasil.
Quer ver uma bomba atômica explodindo em uma computação gráfica acachapante e imersiva? Veja, no YouTube, essa cena do episódio 8 da terceira temporada de Twin Peaks. Depois me diga se vale a pena empilhar dinamite no deserto só para ser diferentão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário