Os Estados Unidos nunca elegeram uma mulher presidente. O Brasil, sim. Dilma Rousseff foi eleita e reeleita. Perdeu metade do segundo mandato em um processo de impeachment. Mas foram os Estados Unidos, berço do presidencialismo, que criaram e popularizaram a expressão que designa as esposas dos governantes: primeira-dama. Elas não têm nenhum poder oficial, porém e ao longo da história, algumas delas tiveram tanta ou até mais influência nos governos dos maridos que eles próprios.
No ano passado, um serviço de streaming exibiu um seriado que se chama “The First Lady” (A primeira-dama). É um relato sobre a vida de três mulheres que ocuparam a Casa Branca em períodos diferentes e enfrentaram os desafios de suas respectivas épocas: Eleanor Roosevelt (1933-1945), Betty Ford (1974-1977) e Michelle Obama (2009-2017). À maneira delas, tentando deixar uma marca pessoal em seu tempo, lidaram com a traição dos maridos, a doença, guerras e, principalmente, com a avidez da imprensa por informações sobre a vida da primeira-família.
De tão envolventes as histórias, é difícil parar de ver. Acaba sendo a crônica de uma nação e dos responsáveis por seu destino em momentos muito críticos e decisivos para o mundo, por exemplo, a Segunda Guerra (1939-1945) e mais tarde a Guerra do Vietnã, nas décadas de 60 e 70. Sem diminuir a importância das outras duas primeiras-damas, Eleanor Roosevelt (1884-1962) é a mais fascinante personagem. Foi casada com o 32º presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt (1982-1945).
A história é pródiga em relatos sobre os casos de traição de Roosevelt e sobre o romance dela com outra mulher. Mas também sobre a extraordinária capacidade de trabalho de Eleanor em prol dos direitos humanos, das mulheres, negros e minorias. Foi dela a ideia de criar entrevistas coletivas na Casa Branca só para correspondentes mulheres numa época em que os principais jornais e agências de notícias não as contratavam. Sem opção, foram obrigados a chamar repórteres mulheres para as redações.
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Na Segunda Guerra, era vista tanto despachando com o primeiro ministro Winston Churchill (1864-1965) como levando palavras de estímulos aos combatentes nos navios de guerra. Substituía o presidente que, em uma cadeira de rodas, não tinha como fazer esse trabalho. Seu maior legado, sem sobra de dúvida, é – e já não mais como primeira-dama, mas como presidente e membro mais influente da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas – “A Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Michelle Obama, mostra o seriado e conforme contam seus biógrafos, quando Barack lhe perguntou o que ela achava de ele se candidatar à presidência, disse que não. A advogada sempre foi contrária ao envolvimento do marido na política e detestava a ideia de ter sua vida e as de suas duas filhas devassada pela imprensa e pela opinião pública. Oito anos depois, ela se despediu da Casa Branca com a popularidade altíssima e, mais que isso, com o reconhecimento de ter reformulado o papel da primeira-dama. Com agenda própria, sua preocupação com o combate à obesidade infantil, e seu trabalho em prol da igualdade racial, foi ganhando desenvoltura e seus discursos ficando cada vez melhores e mais articulados. Chegou a ser apontada como possível sucessora do marido.
Betty Ford (1918-2011), a terceira retratada no seriado, não pode ser consultada se gostaria ou não de ver o marido Gerald Ford (1913-2006) ser presidente dos EUA. Vice de Richard Nixon (1913-1994), Ford assumiu o cargo com a renúncia do presidente, massacrado pelo caso de Watergate. Ela se tratou aproximadamente durante 30 anos contra o uso de álcool e drogas. Fundou e presidiu o instituto que leva seu nome e trata dependentes químicos – um dos mais importantes dos Estados Unidos. Ainda na função de primeira-dama descobriu um câncer de mama que – apesar da discordância dos assessores – fez questão de tornar público. Após a descoberta e o tratamento passou a financiar pesquisas, estudos sobre a doença.
O Brasil também teve suas primeiras-damas que passaram a ser mais conhecidas a partir da redemocratização. A maior parte delas com atitudes muito discretas, podem até ter influenciado seus maridos, entretanto pouco se conhece sobre suas atividades na função. Numa época em que existia a famigerada Legião Brasileira de Assistência (LBA) – entidade fundada em 1942 pela então primeira dama Darcy Vargas – o órgão assistencialista era o destino natural das primeiras-damas. Mas ela foi extinta em 1995, após denúncias ocorridas em 1991 na gestão de Rosane Collor – então mulher do presidente Fernando Collor.
A exceção foi Dona Ruth Cardoso (1930-2008) – que pedia para não ser tratada por primeira-dama –, antropóloga e professora universitária reconhecida internacionalmente de quem o marido, FHC, costumava dizer que era muito mais inteligente e preparada do que ele. Criou o Programa Comunidade Solidária – que deu origem posteriormente ao Fome Zero – também tinha sua agenda própria com a qual, entre outros, impôs uma mudança radical no assistencialismo no País.
Tivemos também Dona Marisa Letícia (1950-2017) que acompanhava o marido Luiz Inácio Lula da Silva (em seus dois primeiros mandatos) em eventos oficiais, mas guardava com unhas e dentes a privacidade dela e de sua família. Aguentou firme com ele o pior período das denúncias da Lava Jato e era conhecida por suas opiniões firmes em casa. Veio, após ela, Marcela Temer, “recatada e do lar” e Michelle Bolsonaro, evangélica, com rezas e religiosidade exacerbadas. E por fim, Rosângela Lula da Silva, terceira esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dona Rosângela, que pede para ser tratada por Janja, em apenas seis meses na função, criou mais polêmicas que todas as suas antecessoras somadas. Socióloga, personalidade forte, dona Rosângela é presença permanente ao lado de Lula. Num passeio pelo Palácio de Versalhes ao lado da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, a brasileira aproveitou para falar da sua carreira e do trabalho “de denúncia e combate à misoginia e violência de gênero”.
Por enquanto, sem demérito algum, parece mais é estar como àqueles personagens à procura de um autor. Mas o governo está só começando e até o tempo ajudar com a experiência, como acontece com todos nós, talvez fosse bom se ela seguisse sua própria recomendação: “Segura um pouco, amiga”.
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