Custa-me crer que figuras de escol do governo Lula cogitem de reconduzir Augusto Aras ao posto de procurador-geral da República (PGR). Lula, não custa lembrar, foi eleito prometendo recompor a democracia brasileira, e Aras é, na minha avaliação, um dos grandes responsáveis pela deterioração por que ela passou nos últimos anos.
Eu não saberia precisar se o PGR cometeu ou não crimes omissivos. Penso que o debate jurídico-filosófico é válido, mas, politicamente, a questão nem se coloca. Nessa esfera, não vejo como deixar de classificar o PGR como um inimigo público. Vejamos por quê.
Dos mais de 200 milhões de brasileiros, Aras, na condição de PGR, era o único que tinha legitimidade constitucional para denunciar o presidente da República por infrações penais comuns. Era de Aras, portanto, a responsabilidade de conter "ab ovo" as investidas autoritárias de Bolsonaro. Mas o PGR fez exatamente o contrário. Aceitou tudo o que veio do ex-presidente e trabalhou para livrá-lo de qualquer responsabilização. Ao agir desse modo, Aras estimulou o golpismo atávico do ex-presidente.
E esse não foi o único nem o mais duradouro dos prejuízos. A inércia do PGR entupiu os canais ordinários de autodefesa das instituições, forçando o STF a tomar para si essa tarefa. Penso que o Supremo nos salvou de uma ruptura institucional, com a qual bolsonaristas flertaram abertamente, mas não sem custos. Se a corte já era vista como excessivamente politizada pelos petistas, passou a ser vista desse mesmo modo também pelos bolsonaristas. Levará anos para que a imagem do STF se recupere, se é que se recuperará. E isso não é bom nem para o equilíbrio dos Poderes nem para a democracia.
Um governo genuinamente interessado em reconstruir as instituições não chamaria Aras para continuar como PGR. É claro que é possível que as preocupações do governo sejam menos republicanas. Aí Aras faz todo o sentido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário