A conversa é mais velha que o mundo: será que esquerda e direita ainda fazem sentido? Ou as mudanças econômicas e sociais das últimas décadas exigem novos termos para as novas realidades?
Sim, ainda acho que existem diferenças, filosoficamente falando. A esquerda e a direita têm visões distintas sobre a natureza humana: mais otimista à esquerda, mais pessimista à direita. Isso tem implicações na forma como se pensa a política.
Mas concordo, em parte, com o diagnóstico da revista The Economist sobre a aparente unanimidade dos dois maiores partidos dos Estados Unidos em matérias econômicas essenciais.
Numa palavra, ninguém gosta do neoliberalismo. Depois da crise financeira de 2008 e da pandemia dos últimos anos, existe uma hostilidade à globalização, ao mercado aberto e à competição internacional que une republicanos e democratas.
Posso testemunhar que assim é: nos últimos tempos, tenho lido, com algum esforço, a prosa dos novos pensadores da direita americana —Patrick Deneen, Yoram Hazony etc. Falarei deles um dia, quando tiver estômago para isso.
Em certas passagens, não sei se estou lendo autores conservadores ou marxistas. Na Europa continental, essa desconfiança do capitalismo é moeda corrente, basta ler autores canônicos como Justus Möser ou Joseph de Maistre. Nos Estados Unidos, é uma originalidade. Conclusão?
Não fossem as "guerras culturais" (ó, Deus, como eu detesto essa expressão!) e Joe Biden ainda convidaria Ron DeSantis para ser seu vice.
Disse que concordava, em parte, com a The Economist. Mas discordo da ideia simplória de que a economia é tudo na vida. Fato: a própria revista lembra que, mesmo em matéria econômica, existem diferentes políticas fiscais ou ambientais, por exemplo.
Mas eu não falo disso. Existem dois temas que, nos Estados Unidos, e não só, cavam um abismo entre os conservadores e os progressistas: a segurança e a imigração.
Para ficarmos na caricatura, os conservadores tendem a ser mais severos com o crime e com a imigração. A esquerda é mais benevolente com ambos. Será que isso faz sentido?
Não faz, defende Slavoj Zizek na revista New Statesman a respeito dos motins na França. Ponto prévio: tenho concordado muito com Zizek nos últimos tempos, sobretudo quando ele escreve sobre a invasão russa da Ucrânia. Sinal de alarme? Mistério.
Seja como for, Zizek captou algo de essencial: a violência política pode ser justificada quando existe uma "visão emancipadora". Na Ucrânia, em 2014, havia essa visão: afastar o presidente Viktor Yanukovich, um marionete do Kremlin, e ter um governo que levasse o país para a União Europeia.
O mesmo no Irã, com a revolta das mulheres contra as imposições da chamada "polícia da moralidade".
Na França, a destruição teve apenas duas consequências: por um lado, atingir os mais pobres, que vivem nos bairros quentes; por outro, fortalecer a extrema-direita de Marine Le Pen.
Para Zizek, o maior erro da esquerda contemporânea é não assumir, sem complexos, a defesa da lei e da ordem.
Não são os ricos que pagam a conta da insegurança. Esses vivem longe, em suas casas protegidas e confortáveis. São os pobres, em bairros degradados e com seus ônibus destruídos, que vivem com o coração nas mãos.
Com a imigração, aplico o mesmo raciocínio. O debate sobre o assunto é complexo e qualquer sentença sobre o impacto da imigração nos salários dos trabalhadores nativos deve ser visto com cautela.
Falamos de imigração legal ou ilegal? Falamos de trabalhadores qualificados ou não? Falamos de substituição de trabalhadores nativos ou complementaridade?
O debate não é para principiantes. Mas, às vezes, parece: a direita mais radical quer fechar as fronteiras; a esquerda radical quer abri-las, sem atender às ansiedades dos trabalhadores mais pobres, que, em certos casos, podem perder rendimento no curto prazo.
Como acontece com a insegurança, não são os mais ricos que devem temer a imigração. Pelo contrário: esses continuarão a precisar da empregada ou do motorista, de preferência pagando pouco.
São os mais pobres, por exemplo, que enfrentam a concorrência, mesmo que essa concorrência possa melhorar a economia como um todo.
Reformulo a premissa inicial: direita e esquerda ainda fazem sentido. Mas, em certas matérias, elas simplesmente trocaram de lugar.
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