Por tristes circunstâncias, nos últimos tempos, acompanhei a tragédia de pessoas assoladas por demências senis, como a doença de Alzheimer. Era como se os pontos luminosos estivessem se extinguindo dentro da cabeça delas. E o que me mortificava era se, em algum momento, elas ficavam conscientes desse processo e percebiam que tal ou qual informação deixara de existir. Uma canção, por exemplo.
Pensei nisso a respeito de Tony Bennett quando se noticiou, em 2016, que ele fora diagnosticado com Alzheimer. Já tinha então 89 anos, mas continuaria a se apresentar, com a ajuda de partituras contendo as letras de que agora só lhe restavam lampejos. Tony morreu nesta sexta-feira (21), aos 96. Como terá sido para ele, nesses sete anos, conviver com a ideia de que estavam lhe fugindo a música e os versos de "The Boulevard of Broken Dreams", "Stranger in Paradise" e "Lost in the Stars", canções que o fizeram estourar no começo dos anos 1950? Ou, para sua família, descobrir que ele já nem sabia que elas haviam existido?
Quando terão se evaporado "Once Upon a Time", "Have I Told You Lately", "The Good Life" e "When Joanna Loved Me", apenas entre as canções de que ele se apossou para sempre? Ainda saberia que foi o primeiro a consagrar o compositor Cy Coleman, de quem gravou "It Amazes Me", "I Walk a Little Faster", "The Best is Yet to Come" e tantas que deram para encher um LP? E se lhe falassem de "Hi-Ho", a grande canção dos irmãos Gershwin perdida havia 30 anos e que ele lançou?
Ainda se lembraria de seus discos com Bill Evans, dos maiores da história? E de que, encantado de saída com Tom Jobim e com a bossa nova, gravou um álbum, "Songs for the Jet Set", que abria com "Song of the Jet", o nosso "Samba do Avião", e tinha na capa o Rio visto de cima?
E quando "I Left My Heart in San Francisco" o terá abandonado? Não sei. Mas gostaria de acreditar que nunca.
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