domingo, 23 de julho de 2023

Os maganos precisam acabar com as 'farofas', Elio Gaspari, FSP

 A Corte Suprema dos Estados Unidos tem mais de 200 anos e um só caso de juiz que renunciou com a reputação tisnada. Abe Fortas entrou para a corte em 1965, depois de ter sido advogado pessoal do presidente Lyndon Johnson. Três anos depois, abriu-se a vaga da presidência do tribunal (lá esse cargo é vitalício) e o amigo resolveu promovê-lo.

Os senadores republicanos obstruíram a escolha e balearam Fortas mostrando que ele havia recebido US$ 15 mil por palestras numa universidade. O dinheiro vinha de um fundo irrigado por empresas que tinham processos na corte. Fortas pediu que a nomeação fosse retirada e continuou no tribunal, até que apareceu outro caso, pior, e ele renunciou.

Se a primeira etapa do caso de Fortas for copiada no Brasil, serão centenas as vagas abertas no Judiciário.

No início da semana passada, Moraes havia sido hostilizado e um de seus familiares foi agredido fisicamente no aeroporto de Roma. O ministro voltava de uma palestra na Universidade de Siena, cuja faculdade de direito completará mil anos em 2040. Dias depois, o caso ganhou um outro aspecto. O repórter Eduardo Oinegue mostrou que o Fórum Internacional de Direito, ao qual Moraes compareceu, era um evento patrocinado pela Unialfa, que tem uma faculdade de direito em Goiânia.

O ministro Alexandre de Moraes; ele foi hostilizado e um de seus familiares foi agredido fisicamente no aeroporto de Roma
O ministro Alexandre de Moraes; ele foi hostilizado e um de seus familiares foi agredido fisicamente no aeroporto de Roma - Pedro Ladeira/Folhapress

O fórum começou em Valladolid, na Espanha, e continuou em Siena. Dos 31 conferencistas, 20 eram brasileiros e 11 eram da Unialfa. Essa universidade, por sua vez, pertence ao Grupo José Alves, que tem várias atividades, entre elas a venda de remédios, com a Vitamedic. Uma de suas marcas é a ivermectina, prima da cloroquina. Quinze dias antes do Fórum Internacional de Direito, a Vitamedic e a Unialfa foram condenadas pela Justiça do Rio Grande do Sul por causa do apoio que deram ao curandeirismo bolsonarista.

PUBLICIDADE

Alexandre de Moraes foi hostilizado em Roma, Luís Roberto Barroso foi ofendido em Nova York e Gilmar Mendes (patrono de fóruns em Portugal) foi maltratado em Lisboa. Em todos os casos havia palestras e, em alguns casos, elas coincidiam com feriadões. Em Nova York, chegaram a reclamar do consulado por não lhes ter dado a desejada segurança.

A indústria das palestras é ampla, geral e restrita. Mimoseia governadores, ministros, parlamentares e também jornalistas. Quem não se lembra do balcão de palestras de baronetes da Lava Jato? O nicho das palestras em eventos no exterior (jamais na África) é coisa para figuras ilustres.

Trata-se de um negócio que leva maganos brasileiros a falar para brasileiros em Lisboa, Nova York e, como se viu, até em Siena.

Faz tempo, quando havia um imposto para viajantes ao exterior, aqueles que seguiam para congressos e simpósios podiam pedir isenção. Eis que um deputado conseguiu a isenção porque iria a Paris, como professor visitante da Sorbonne. Apanhado na patranha, pois ele apenas faria uma palestra numa sala alugada pela Sorbonne, explicou-se: era professor e, indo à Sorbonne, seria um professor visitante.

Essas revoadas de magistrados, ministros e maganos em geral são ridículas e já foram apelidadas de "farofas".

É provável que Alexandre de Moraes não soubesse das minúcias reveladas por Oinegue. Atrás de dinheiro, universidades e instituições prestigiosas negociam seus logotipos com organizadores de eventos da espécie. Dê-se o desconto que se queira, todos aqueles que vão às "farofas" sabem o que estão fazendo.

Ir a esses eventos tinha um toque de ridículo, mas o caso de Alexandre de Moraes expôs um aspecto tóxico que ministros e maganos bem que poderiam evitar. Moraes, assim como Abe Fortas, é maior que sua maldita passagem por Siena e Roma.

Nenhum comentário: