segunda-feira, 24 de julho de 2023

ALEXANDRE KALACHE - Agora a culpa é dos idosos?, FSP

 Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Dados preliminares do Censo 2022 mostram que estamos envelhecendo mais rapidamente do que o esperado. Desde 2000, as taxas de fecundidade estão abaixo do nível de reposição. O único estrato da população que segue crescendo é o de pessoas idosas.

Por volta de 2040, nossa população terá chegado ao pico e começará a diminuir. Nenhum país já desenvolvido passou por tal experiência, um imenso desafio. O bem mais precioso de qualquer país é sua gente —no nosso caso, gente envelhecida. Fazer com que as pessoas envelheçam de forma ativa e saudável é investir no futuro do país, tornando-o mais produtivo e competitivo. Não há modelos a copiar; exigirá criatividade e investimento.

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Idosos fazem atividade física em centro de acolhimento, em São Paulo (SP) - Eduardo Knapp/Folhapress - Folhapress

Ao mesmo tempo será preciso assegurar que os jovens, através de políticas públicas centradas em ensino de qualidade e saúde pública, deixem de crescer com um smartphone ou um fuzil na mão e os pés no passado. A maioria entre nós estará repetindo a história perversa vivida por seus antepassados.

Guerras intergeracionais não nos ajudarão a ultrapassar os obstáculos como, mesmo que inadvertidamente, sugere a colunista Laura Müller Machado nesta Folha ("Orçamento público dos idosos é 6 vezes o da juventude", 14/7). Ao reproduzir um gráfico elaborado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) em 2014 com dados de 2010, comparando gastos públicos por grupo etário, a colunista aponta que, em relação a seus vizinhos latino-americanos, o Brasil teria gastos públicos para os mais idosos cerca de seis vezes maior que para os mais jovens, sendo a média do continente três vezes maior.

Nenhuma surpresa no "achado". O Brasil destacou-se de seus vizinhos por dois marcos civilizatórios: a adoção de um sistema de pensões não contributivas e a implementação de um sistema universal de saúde. Ambos levam a um gasto maior para a população idosa. Assegurou-se aos brasileiros maiores de 65 anos em condição de miserabilidade uma renda mínima que permite vidas menos precárias, mais dignas.

Excepcionais são as pensões nababescas para grupos minoritários mantidas pela recente reforma previdenciária. Quanto ao SUS, uma conquista defendida com determinação pela maioria dos cidadãos. É a política que tem assegurado a sobrevivência de milhões de brasileiros antes, durante e depois da recente pandemia de Covid-19.

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Brasileiros seguem teimosamente envelhecendo. Esquecem-se alguns de que pessoas idosas ativas e saudáveis são recursos para suas famílias e comunidades. Transferem-nos para as novas gerações e delas também cuidam. Difícil de monetizar. Mas, entre os mais pobres, são a única fonte de renda regular de toda a família, trazendo comida à mesa e contas pagas.

O horror da velhice sempre foi e sempre será a perspectiva de não estarem minimamente protegidos, vivendo de duvidosa caridade. Pergunte à dona Rita ou ao seu José se suas pensões os enriqueceram. Ou se seria bom voltar às filas dos hospitais filantrópicos. Nosso desafio maior é vencer a desigualdade. Os mais jovens comungam esse objetivo para suas próprias velhices. Não tornemos marcos civilizatórios em responsáveis por problemas seculares não resolvidos.

* Em consulta com membros do Coletivo Velhices Cidadãs e Sandra Huechuen, coordenadora de Demografia da Cepal

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