segunda-feira, 17 de julho de 2023

Albert Fishlow - Seguindo em frente, OESP

 Trinta e cinco anos atrás, eu fui entrevistado por uma revista americana chamada The Commonwealth. Bastante apropriadamente, a entrevista foi intitulada “O problemático futuro da América Latina”. Temendo que pensem se tratar de um brilhante produto de inteligência artificial, eu a resgatei poucos dias atrás.

De muitas maneiras, aquela era uma época em que sofria pela primeira vez um grande colapso, encerrando definitivamente um ciclo de anos muito mais felizes de crescimento decorrente de substituições de importações, seguindo a liderança da Cepal, e de um endividamento que se expandiu rapidamente para ativos de capital financeiro. Em meados dos anos 80, o serviço da dívida excedia muito os fluxos de entrada de capital. O FMI vinha se envolvendo profundamente em repetidos esforços de estabilização, da mesma forma que novos programas de assistência do Banco Mundial.

Os governos militares instalados na região foram incapazes de sobreviver ao declínio no desempenho econômico. Vários deles logo se defrontaram com os desafios de confrontá-los. Conseguir se ajustar a regimes eleitorais sérios não era nada fácil quando suas obrigações eram tão amplas. Aumentos de inflação contínuos ocorreram enquanto novos líderes civis tentavam implantar democracia. Altos índices de desigualdade persistiam apesar do crescimento econômico anterior.

Outra década quase tão difícil quanto a de 80 repetiu dificuldades passadas. Poucos países conseguiram se adaptar plenamente a uma variedade de mudanças. Criminalidade, comércio de drogas, desemprego, desigualdade, baixa escolaridade, emigração e outros problemas persistem — em certos lugares dramaticamente.

Há variações consideráveis dentro da região. De um lado, quem teria previsto que Venezuela e Argentina fossem testemunhar índices de inflação excepcionais ao mesmo tempo em que a renda da população diminui; ou que a Nicarágua fosse permanecer congelada pelo absolutismo de Daniel Ortega; ou que o México ainda fosse manter fortes ressentimentos em relação às políticas americanas apesar dos esforços do Nafta e seu sucessor.

No Brasil, Lula retornou ao Executivo apesar da interferência do declínio eleitoral do PT. Agora ele está restaurando a estrutura do passado. O apagamento da influência passada de Bolsonaro e Moro está em operação. Ao contrário de presidentes anteriores que perderam popularidade no início dos mandatos, Lula tem mantido seu apelo. E o fez por meio de três movimentos.

Primeiro, ele assegurou a anuência do Congresso para a aprovação de uma série de mudanças legislativas para aumentar a autoridade nacional junto aos municípios.

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Segundo, ele direcionou recursos para os idosos e os mais pobres, em vez de destiná-los ao setor privado e aos mais ricos.

Terceiro, ele tem colocado bastante foco na política externa brasileira — com o Mercosul, com presidentes sul-americanos, com primeiros-ministros europeus e com a ONU. Lula recuou em certa medida de seu posicionamento inicial favorável à Rússia em relação à guerra na Ucrânia, mas não de seu desejo contínuo de implementar uma negociação no sentido da paz.

Lula tem sido assistido por Fernando Haddad para tentar estabilizar preços e conseguir a recuperação econômica, mas não se sabe de onde virá mais investimento
Lula tem sido assistido por Fernando Haddad para tentar estabilizar preços e conseguir a recuperação econômica, mas não se sabe de onde virá mais investimento Foto: Adriano Machado / Reuters

Lula tem permanecido no centro, esperando talvez seguir o exemplo de Biden e concorrer à reeleição, em 2026.

Em seus esforços, Lula tem sido assistido por Fernando Haddad para desenvolver mais um método de assegurar a estabilidade nos preços ao mesmo tempo em que estabelece recuperação econômica no que resta de 2023 e em 2024. Não é óbvio de onde virá mais investimento. Uma alta no consumo, alimentada por programas como PAC, Minha Casa, Minha Vida e outros, foi o que Dilma tentou. Isso não funcionou e levou à sua destituição da função. O investimento estrangeiro é bastante incerto. Maior arrecadação fiscal sempre supõe-se que deva ser implementada para financiar gastos, mas por algum motivo nunca ocorre.

Então vamos nós outra vez, novamente sem o necessário aumento nas poupanças domésticas para sustentar índices maiores de crescimento. O país voltará a subsidiar a indústria generosamente, como sempre faz? O comércio exterior não se expandirá para corresponder a uma proporção maior da renda? O Brasil continuará a praticar politica econômica equivocadamente? / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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