domingo, 23 de julho de 2023

Parque no Bexiga trará respiro aos paulistanos, FSP

 

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Um terreno do tamanho de um campo de futebol encravado no bairro do Bexiga, na região central de São Paulo, protagoniza hoje uma das disputas mais longevas da cidade. Ao longo de quase meio século, de um lado está o Grupo Silvio Santos, que foi comprando e demolindo os imóveis da quadra para substitui-los por um grande projeto imobiliário; de outro, um movimento liderado pelo Teatro Oficina em aliança com artistas, sociedade, instituições e coletivos do bairro do Bexiga, que luta para que na área seja criado um parque público.

Atravessando o tempo, do lado do Grupo Silvio Santos, a compra e demolição dos edifícios foram destruindo camadas de memória do bairro: a mais antiga sinagoga de São Paulo, vilas e sobrados (inclusive tombados), anunciando primeiro um shopping center, depois um complexo multiúso, até a versão atual: torres residenciais de 100 metros de altura. O território, porém, resiste: na mesma quadra está o Teatro Oficina, projeto de Lina Bo Bardi e Edson Elito, reconhecido nacional e internacionalmente, que dialoga com a dramaturgia disruptiva criada por José Celso Martinez Corrêa (1937-2023), onde as fronteiras entre o teatro e a vida são permanentemente contestadas. O teatro, cuja importância cultural, arquitetônica e histórica foi reconhecida através do tombamento por município, estado e União, contracena com a cidade, através de uma enorme janela que se abre… Para este terreno.

Croqui mostra estudo preliminar para o Teatro Parque do Rio Bexiga ou simplesmente parque do Rio Bexiga; arquitetos ligados ao teatro Oficina mostrarão proposta para parque que é alvo de projeto de lei ora em apreciação na Câmara Municipal de São Paulo; terreno pertence a Silvio Santos e seu uso é alvo de disputa
Croqui mostra estudo preliminar para o Parque do Rio Bixiga, em terreno que pertence a Silvio Santos e é alvo de disputa - Divulgação - Divulgação

Mas não se trata apenas de uma janela. Nas proximidades do terreno também estão a Casa Dona Yayá, o Castelinho da Brigadeiro, o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e a Escola de Primeiras Letras, todos bens igualmente tombados. Mas a importância cultural, social e política do Bexiga vai além: trata-se de um dos poucos territórios populares remanescentes em pleno centro de São Paulo —apesar do Minhocão, que o fraturou para sempre.

São negros (salve o Quilombo Saracura, que vive no Bexiga!), nordestinos e italianos com suas festas religiosas e pagãs, sua vida de rua. A essas camadas se somam outras: sob o terreno hoje nu e que abriga as ruínas do que já foi, vive o rio Bixiga, condenado ao subterrâneo como outros rios da metrópole.

Desenterrá-lo e trazê-lo à vida faz parte de um movimento de renaturalização, não só necessário, mas também urgente. Estamos falando dos desafios dos novos tempos: de mudança climática, de crise ecológica, de imaginar já outros modos de fazer cidade, onde árvores, bichos e água não sejam apenas uma projeção em tela digital. Hoje a luta é pelo Parque do Rio Bixiga, espaço comum de sociabilidades múltiplas, respiro, lazer, criação cultural e práticas ecológicas.

A renaturalização do rio Bixiga e reconstituição do bioma da região, a arqueologia do subsolo, a implantação de equipamentos para fruição pública e manifestações artísticas colocarão São Paulo na vanguarda dos desafios de nosso tempo e serão legados inestimáveis não só para o centro mas para toda a cidade.

PUBLICIDADE

Mas o terreno é privado. E então? O urbanismo, desde seu nascimento, é a arte e a ciência de construir o comum —a infraestrutura, o equipamento, o espaço público. Esta é sua essência. Para tanto, construiu instrumentos que estão à inteira disposição das necessidades e vontades de fazer. Não por acaso, essa área é multitombada, é Zepec (Zona Especial de Preservação Cultural), é Território da Paisagem e da Cultura, é devir parque. Todas elas anunciadas, mas jamais cumpridas por um urbanismo que esqueceu para que servia. Mas ainda é tempo: dirigentes ambientais, culturais, urbanísticos dos três níveis de governo, nos Executivos e Legislativos, uni-vos! Para romper o círculo maldito das promessas não cumpridas anunciando esta São Paulo do século 21 que ainda não começou. Salve o Parque do Rio Bixiga!

PS: Com a palavra, Zé Celso: "Estamos em uma revolução cultural muito grande, e neste momento é hora de fazer essa revolução ecológica. Então, desse ponto de vista, esse projeto é ‘daora’ e urgente. São Paulo precisa de muitos desses parques que abram para entrar o ar, libertar desse mundo que parece que vai acabar tudo e só vai ficar o vão do Masp. Realmente são muitos prédios, poluição e muita morte".

Clarício Aparecido Gonçalves
Presidente da Escola de Samba Vai-Vai

Danilo Santos de Miranda
Diretor regional do Sesc São Paulo

Edson Elito
Coautor do projeto do Teatro Oficina e membro do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil SP (CSIA-SP)

Fernando Túlio Salva Rocha Franco
Membro do CSIA-SP e pesquisador da ETH Zurique

Marília Piraju
Arquiteta cênica da Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona

Raquel Rolnik

Urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP


Nenhum comentário: