BRASÍLIA - Com dimensões continentais e limitações fiscais, o Brasil tem recorrido cada vez mais à iniciativa privada para lançar mão de projetos de infraestrutura. O País ultrapassou a marca de mil concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) ativas, ou seja, que já tiveram os contratos iniciados e estão em andamento. Segundo levantamento da consultoria Radar PPP, até a metade de junho, 1.017 contratos já haviam sido iniciados, tanto de concessões como de PPPs.
A maior parte desses contratos, feitos entre o governo e a iniciativa privada, é na área de água e esgoto (139), seguido por estacionamentos (111), unidades administrativas e serviços públicos (100) e cultura, lazer e comércio (96). Já no recorte por ente concedente, 70% dos contratos (705) são municipais.
“A administração pública brasileira está se modernizando no sentido de adotar cada vez mais contratos como PPPs e concessões para satisfazer as necessidade públicas, inclusive aquelas de projetos menores”, afirma Guilherme Naves, sócio da Radar PPP.
Ele destaca que a importância dessas modalidades vai muito além dos grandes projetos, como concessões de aeroportos ou rodovias, que acabam ficando mais conhecidos. “A gente tem muito projeto de iluminação pública, projeto de estacionamento, de parques urbanos. O ponto principal é que existe uma mudança do paradigma do modelo principal predominante que os governos têm usado para recorrer à iniciativa privada. E o empresariado que não se atentar para isso vai ficar de fora da cena”, diz.
Nas concessões, uma empresa privada adquire o direito de operar um ativo por um determinado tempo. Sua fonte de ganhos vem da tarifa cobrada ou de outros tipos de receita, sem que haja uma compensação do governo. Já nas PPPs, o poder público banca uma parte dos custos de operação. Nas duas modalidades, porém, o Estado continua o dono do bem público -- diferentemente do que acontece na privatização, que é a “venda” do ativo.
Com a crise fiscal enfrentada pelos cofres federais, estaduais e municipais, as parcerias com o setor privado se tornaram cada vez mais relevantes para garantir o aumento dos investimentos em infraestrutura. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é avesso a privatizações, tem visto nas PPPs e concessões uma alternativa para buscar o capital privado, o que vem sendo reforçado pela equipe econômica.
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Em abril, o Ministério da Fazenda apresentou uma série de medidas numa tentativa de melhorar o cenário de crédito do País e estimular o uso de parcerias com o setor privado, como dar garantia do governo federal a operações de PPPs realizadas por Estados e municípios. Pela medida, o Tesouro Nacional se torna o garantidor das contrapartidas e, em caso de inadimplência, pode acessar os recursos das transferências obrigatórias dos fundos de participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM).
“Eu vejo nessa medida um potencial gigantesco de aumentar os projetos de PPP e concessão, sobretudo aqueles que confiam numa quantidade expressiva de pagamento governamental. Sendo acionada esse tipo de garantia, a concessionária fica protegida desse risco de não pagamento do governo subnacional (Estado ou município)”, diz Naves. “Então, à medida que se comunica para o empresariado que é isso que vai acontecer a partir de agora, a intenção é que muitos desses projetos que ficaram represados porque havia receio sobre a capacidade de conseguir ou não licitar com sucesso possam ser resgatados.
O desafio é grande. Apesar da marca expressiva que foi atingida de projetos ativos, um número ainda maior de projetos estão hoje paralisados no País: 1.235. Para Naves, essas medidas anunciadas pela equipe econômica podem ajudar a destravar esses projetos, sobretudo em áreas que hoje são deficitárias. “O Brasil tem hoje só 14 PPPs e concessões de saúde, três de educação, o que é totalmente incompatível com a nossa realidade. Então, esse artifício serve justamente para essas estruturas sociais.”
Transportes
Outra área hoje pouco atendida nesse modelo, mas que virou um dos focos do atual governo, é a de ferrovias, segmento com custos muito altos e de retorno mais demorado. Ainda neste segundo semestre, o governo pretende lançar um Plano de Desenvolvimento Ferroviário, com novos editais.
“Vamos avaliar quais são as ferrovias mais importantes para escoamento da produção do Brasil, ganho logístico e produtividade”, afirmou ao Estadão o ministro dos Transportes, Renan Filho. “O melhor caminho é o somatÓrio de esforços. O setor público fazendo investimentos dentro de um ambiente de sustentabilidade fiscal, com o setor privado para melhorar diversas áreas, principalmente para na infraestruitura do País. É o que nós temos desenhado.”
O ministro afirmou que pretende terminar 2023 com cinco concessões rodoviárias lançadas. Até agora, já foram três: dois lotes no Paraná, com expectativa de R$ 18,6 bilhões em investimentos, e um em Minas Gerais, da BR-381, com leilão marcado para novembro. Até o final do ano, serão publicados os editais para concessão de dois trechos da BR-040: um que liga o Rio de Janeiro a Belo Horizonte e outro conhecido como Rota dos Cristais, que liga BH a Cristalina, Goiás.
A meta do ministério, segundo o ministro, é realizar 35 concessões de rodovias e ferrovias até o final do mandato. De olho nesse objetivo, a pasta apresentou um novo modelo de concessões rodoviárias. “A gente propõe nesse novo modelo mais transparencia, mais segurança jurídica e mais facilidade para o reequilíbrio dos contratos, determinando como serão enfrentados aumento de custos de investimentos e mudança no fluxo da rodovia por questões exógenas, como a pandemia. São contratos mais saudáveis”, diz.
Saneamento
O setor com o maior número de projetos, de água e esgoto, deve crescer ainda mais nos próximos anos com a consolidação do novo marco do saneamento, aprovado em 2020 pelo Congresso, mas que quase foi colocado em xeque pelo governo Lula.
Isso porque decretos do presidente em abril alteraram a legislação, permitindo, entre outras coisas, que estatais prestassem serviços sem licitação, o que desagradou fortemente o setor privado.
Em maio, a Câmara derrubou boa parte dos decretos de Lula e a discussão foi ao Senado. Desde então, como mostrou o Estadão, governistas trabalhavam num acordo que evitasse uma derrota política para o presidente. Um meio-termo foi costurado, em que os decretos foram revogados, excluindo os trechos que foram alvo de críticas, mas mantendo outras partes consideradas positivas, como a permissão para que os investidores privados assumam mais do que 25% de uma PPP.
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