quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Ruy Castro - Bolsonaro embalsamado, FSP

 

Enquanto Bolsonaro tinha de engolir sem água o discurso de posse do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE, sua tropa nas redes sociais disparava milhares de mensagens convocando para ataques ao mesmo TSE nas arruaças de 7 de Setembro. Esses disparos eram como o braço mecânico do "Dr. Fantástico", personagem de Peter Sellers no filme de Stanley Kubrick, automático, incontrolável, programado para fazer sem parar a saudação nazista, e seriam as senhas para um possível golpe contra as eleições. Mas, como Bolsonaro percebeu, a fala de Moraes foi um direto de muay thai contra seu projeto.

O significativo é que a mensagem do discurso —a garantia de que qualquer ameaça às instituições será rechaçada por elas— foi feita na presença dos representantes dessas instituições. Ali estavam os três Poderes da República, a sociedade civil e as missões estrangeiras, o que cobre praticamente o leque. Todos aplaudindo de pé, para constrangimento de Bolsonaro, rígido como uma múmia recém-embalsamada. E houve o que me calou mais fundo: Moraes e demais oradores fizeram uma incisiva pregação antigolpe sem usar a palavra golpe.

Não foi preciso. A ideia de golpe já está no ar há muito tempo, o que anula certas condições indispensáveis para torná-lo possível: a conspiração, o segredo, a surpresa. Todo mundo, inclusive lá fora, sabe hoje que Bolsonaro é golpista.

Quando falei em golpe pela primeira vez neste espaço, na coluna "Remédio para azia", de 13 de dezembro de 2019, leitores me acusaram de estar vendo fantasmas. Ainda se achava que Bolsonaro era só um destrambelhado. Mas ali já se via que, por trás do destrambelho, havia um projeto. Um projeto de golpe.
Desde então, perdi a conta de quantas vezes usei aqui essa palavra. Sempre achei que, quanto mais se falasse de golpe, mais difícil seria tentá-lo. E talvez ainda não se tenha falado o suficiente.

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