João Marcos Coelho, Especial para o Estadão
17 de agosto de 2022 | 10h41
O maestro Diogo Pacheco morreu na madrugada desta quarta-feira, 17, no Hospital Sírio-Libanês, em consequência de uma hemorragia, segundo informações da família, onde estava internado para tratamento de problemas pulmonares. Iria completar 97 anos em 5 de novembro próximo. Mantinha Grande Concerto, um programa semanal na Rádio Cultura FM de São Paulo.
Foi sua mais recente atuação na mídia, característica que cultivou com determinação e muito talento. Diogo, como os que o conheceram o tratavam carinhosamente, foi assistente do maestro Eleazar de Carvalho na Osesp nos anos 1980/90.
Sua atuação extrapolou o fechado mundinho clássico. Fez da democratização do acesso de toda a população à música clássica seu mantra. Com um detalhe fundamental: Diogo tinha um humor fino. E uma coragem artística extraordinária.
Uma trajetória que se iniciou na música coral. Ele regeu muitos corais, fortaleceu o movimento coral no Estado de São Paulo. Décadas mais tarde, nos anos 1990, foi o responsável pelo programa Concertos Internacionais na Rede Globo. Antes disso, criou e manteve um programa semanal na Rádio Eldorado de muito sucesso e repercussão, inclusive fora dos limites da música clássica.
O acontecimento de maior repercussão em sua carreira foi, sem dúvida, quando, em 1964, Diogo colocou Elizeth Cardoso, a divina Elizeth, no palco dos teatros municipais de São Paulo e Rio. E para entoar a cantilena das Bachianas Brasileiras n.º 5, de Villa-Lobos.
A imprensa deu conta da polêmica que o gesto provocou. Como? Uma cantora popular nestes ilustres palcos eruditos? O gesto abalou preconceitos arraigados, abriu as comportas para os “atores” da vida musical erudita enxergarem seus entornos populares. Afinal, música não pode ter adjetivo.
Selecionei apenas a mais emblemática aventura libertária de Diogo Pacheco, um espírito inquieto e sempre de bom humor, disposto a quebrar preconceitos. Fez isso com clareza no artigo “Como o brasileiro vai gostar de música clássica se não há meios de chegar até ela?”, para a revista Viva Música. Assim como levou Elizeth para o Municipal, Diogo batalhou muito no sentido de fazer com que os grandes compositores - Bach, Beethoven, Mozart, Chopin, os populares e os contemporâneos - chegassem a toda a população. “Não é preciso ser entendido nem ser de uma classe especial para ‘entender’ o famoso ‘tchan tchan tchan’ de Beethoven (...) O dia em que houver maior possibilidade de se entrar em contato com a música clássica, não tenho dúvidas de que seu consumo aumentará, sem necessidade de teorias ou análises que provem algo a favor ou contra. Precisamos é acabar com os entendidos que dão palpite sem saber onde é o dó.” Santas e agudas palavras.
Diogo Pacheco merece ser lembrar por gestos simbólicos como o de levar Elizeth ao Municipal e batalhar pela popularização da música clássica.
Unindo erudito e popular
É deliciosa e informativa a leitura do livro Diogo Pacheco, um maestro para todos, de Alfredo Sternheim, editado pela Imesp na coleção Aplauso em 2010. Um episódio, acontecido num concerto ao ar livre num estádio de futebol em Presidente Prudente, dá a medida de quem era Diogo Pacheco. Sternhein escreve: “Mais de dez mil pessoas pela primeira vez assistiam a uma apresentação de orquestra sinfônica. Quando entrou em cena, Diogo ouviu gargalhadas, achou até que a calça estivesse rasgada. Os risos prosseguiam, misturados a vaias. Ele resolveu agir: 'Peguei o microfone e dei um berro. ‘Vocês estão acostumados à música popular, que permite mexer com seu corpo, seus gritos. Mas agora vou tocar uma música que mexe com a sensibilidade de vocês e tem que ser ouvida com respeito. Se ficarem quietinhos, vocês vão dar espaço para que essa música entre em vocês. Portanto, silêncio’. Nunca, nem no Municipal, ouvi um silêncio tão sepulcral como aquele'.”
O sepultamento de Diogo Pacheco será nesta quarta, às 16h, no Cemitério da Consolação, em São Paulo.
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