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O mercado internacional se empolgou, nas últimas semanas, com a ascensão do preço de uma commodity: o minério de ferro, que teve uma alta em seu valor — algo que, por tabela, beneficiou o Brasil, segundo maior produtor do elemento. Entretanto, segundo um especialista consultado pela Sputnik Brasil, essa alta não é contínua a médio ou longo prazo.
De acordo com
dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as exportações desse minério
do Brasil para a China tiveram um
ligeiro crescimento de 0,3% em valores, quando comparados os dois primeiros semestres de 2021 e 2022, chegando a
US$ 47,1 bilhões (R$ 243,6 bilhões).
A
alta nos preços das commodities, com destaque justamente para o minério de ferro, compensou
a queda de 11,5% no volume das exportações para o mercado chinês, em meio a um crescimento menor da economia.
Além disso, um
balanço publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no fim deste mês apontou que, em 2020, o
minério de ferro foi o principal produto industrial produzido no país.
A promessa da China de fazer grandes esforços para recuperar e estabilizar sua economia, ajudando inclusive o problemático setor imobiliário e de construção civil, gerou boas expectativas, fazendo disparar os contratos futuros de minério de ferro.
No entanto os prognósticos para a economia chinesa são de queda do crescimento do país para quase metade do ano passado: neste ano, a expansão deve ficar em apenas 4,4%.
É justamente essa redução chinesa a pedra no sapato dos exportadores de minério de ferro brasileiros, segundo apontou Vinícius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), à Sputnik Brasil.
Em sua avaliação, trata-se de um crescimento muito pontual da commodity.
"A economia chinesa não tem perspectivas de sequer estabelecer uma meta de crescimento. Relatórios de bancos ocidentais, como o do Goldman Sachs, apontam para uma tendência de queda na demanda por minério de ferro, porque o setor de construção da China está claramente passando por dificuldades. Há uma desvalorização, e não se sabe até que ponto o governo chinês vai injetar recursos. Ainda que injete recursos, há uma grande desconfiança por parte do mercado. Então se trata de uma demanda de curta duração, e se deve ao fato de ter havido um pequeno aumento na produção das siderúrgicas chinesas, que acabaram por demandar mais minério de ferro — o que não significa que seja uma onda duradoura", explica.
De acordo com Vieira, as siderúrgicas do país asiático estavam com capacidade de produção abaixo do normal, isto é, com uma capacidade ociosa maior do que a de costume.
Agora aumentaram a produção, mas o ciclo econômico depende do consumidor final. E o consumidor final na China, em boa parte, é a construção civil.
"Com a construção civil em baixa, a tendência é que tenhamos nisso uma onda de curta duração", observa o professor.
Baixo impacto na economia e nas eleições brasileiras
Vieira explica que o minério de ferro nacional, com o australiano, tem um teor bastante elevado de concentração do metal.
Geralmente o minério de ferro vem com outros minerais, e o do Brasil e o da Austrália são os que têm maior concentração do elemento — o que torna o processo de separação mais fácil.
Porém, em se tratando de uma onda passageira, conforme o mercado está projetando, o impacto na economia brasileira será muito pontual.
"Até porque, diferentemente da soja, cuja cultura se espalha por diversos estados brasileiros, o minério de ferro basicamente provém de Minas Gerais, do Mato Grosso do Sul e do Pará. Minas Gerais, porém, é um estado que foi vítima de grandes tragédias ambientais [nas cidades de Mariana e Brumadinho]. O dinheiro da mineração não necessariamente circula nas comunidades. São poucos funcionários atualmente, em uma mineração internacionalmente competitiva, então o pessoal não vê a cor do dinheiro", analisa.
O que pode haver, em última análise, é uma ampliação na arrecadação de impostos do estado de Minas Gerais, segundo ele.
"Então você tem a renda da mineração concentrada ali, e se houver o pagamento de royalties pelas explorações — dependendo do tipo de contrato, de concessão — o Estado tem uma participação maior, e isso pode dar um fôlego financeiro para o governador de Minas Gerais, o Romeu Zema [Novo]", aponta o professor.
Vieira lembra que, nos últimos anos, Zema é um aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) e tenta a reeleição contra um candidato apoiado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no segundo colégio eleitoral mais importante do país.
"Pode trazer votos para o Zema, mas não vejo isso impactando o governo Bolsonaro. A renda do minério de ferro é alta, os recursos da venda também, mas hoje é uma atividade que emprega menos pessoas. Não é mais o garimpo que existia há 70 anos, em que de fato havia uma difusão muito maior dessa renda nas populações locais, que hoje veem a atividade como bastante negativa."
A explosão de preços na demanda por ferro é, portanto, pontual pelas siderúrgicas chinesas. Ou seja, não é forte e não deve ter longa duração.
A partir daí, o Brasil pode se beneficiar, ainda que em pequena escala?
Na visão do especialista em relações internacionais, a resposta é sim.
Ele argumenta que o Brasil, porém, não tem um histórico de se beneficiar com commodities porque deveria ter formado não apenas reservas internacionais, mas uma espécie de colchão além das reservas, uma espécie de fundo soberano, com investimentos diversificados, para que tivesse aproveitado melhor a onda de commodities.
Não fez isso, e não vai ser agora que vai fazer, prossegue Vieira, acrescentando que o tema é um debate ausente da campanha presidencial.
"No caso do minério de ferro, claramente há uma balança favorável ao Brasil, ainda que momentânea, e à Austrália, dois dos principais países produtores de ferro. Do ponto de vista das indústrias, todo o minério de ferro está na ponta da cadeia do aço. Temos um efeito cascata dessa cadeia com o fato de que hoje, para se fazer carros, eletrodomésticos, não se depende apenas de aço, mas também de componentes eletrônicos, que estão em escassez. Ainda que haja uma alta nos preços, também há cautela por parte dos consumidores no mundo em comprar um carro ou renovar seus eletrodomésticos por conta da inflação global", conclui.
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