Corria o ano de 1885 quando um padre católico italiano chamado João Melchior Bosco ganhou o apoio de Dona Isabel, princesa imperial do Brasil, para a construção de uma nova instituição de ensino na cidade de São Paulo, naquela época dotada de poucas escolas, visando atender principalmente a imigrantes italianos e filhos de escravos libertos: nascia ali o Liceu Coração de Jesus.
Bosco morreria em 1888 sendo proclamado santo em 1934 e hoje é conhecido como São João Bosco ou Dom Bosco. Dali para a frente inicia-se uma história que se confunde com a de São Paulo do século 19 a 21 e que, salvo alguma mudança de última hora, encerrará sua história no final do ano letivo de 2022.
São 137 anos dedicados ao ensino, às artes, a bondade e a fé em um grande complexo dos Salesianos em Campos Elíseos que além da escola também possui teatro, creche e aquela que é possivelmente a mais bela igreja de São Paulo, onde até o ápice da crise da cracolândia era super concorrida para celebrar casamentos e bodas.
Inicialmente uma instituição de ensino estritamente masculina, o liceu oferecia diversos cursos que permitiam a jovens garotos saírem de suas dependências com uma profissão para seguir, sendo o curso de tipógrafo um dos mais concorridos.
As alunas mulheres só iriam adentrar ao Coração de Jesus em meados da década de 1970. O colégio também foi vanguardista sendo a primeira instituição de ensino paulistana a oferecer curso de ensino médio noturno.
Entre os alunos formados pelo Liceu que se consagraram podemos destacar entre vários, dois nomes: o músico Toquinho e o ator Grande Otelo, este último por sua vez teve seu nome homenageado com o teatro da escola.
RESISTIU A REVOLUÇÕES
Na Revolução de 1924 o Liceu foi alvo de canhões ruins de pontaria, que visavam acertar o Palácio Campos Elíseos, sede do governo paulista e próximo ao colégio, mas que acabaram caindo na tipografia do Liceu destruindo parcialmente a área e ferindo um aluno. Até hoje parte da "Revolução Esquecida" – termo no qual o conflito de 1924 é bastante conhecido – podem ser vistos nas grades da escola e da igreja, em marcas deixadas por tiros de fuzis.
Em 1932 a entidade se preparou para eventuais danos com a chegada da Revolução Constitucionalista, mas desta vez os combates se deram à distância do Liceu.
DEGRADAÇÃO DO CENTRO
O Liceu Coração de Jesus sobreviveu à primeira onda de degradação da região de Campos Elíseos, ocasião em que a elite deixou esse que foi o primeiro bairro nobre paulistano rumo a outras regiões paulistanas, como Higienópolis, Jardins e Pacaembu.
Em 1961, com a inauguração da Rodoviária de São Paulo, ao lado da Estação Júlio Prestes, veio a onda de degradação da região com a transformação dos palacetes e casarões em cortiços. Este processo de deterioração da região começou neste momento e culminaria três décadas mais tarde no grande obstáculo que chamamos de Cracolândia.
Este último obstáculo parece até o momento intransponível para o Liceu Coração de Jesus. Cracolândia, esse apelido pejorativo que virou sinônimo não só do bairro de Campos Elíseos, mas nos últimos anos de qualquer lugar que concentre alguns usuários de drogas, grudou praticamente em tudo quando é estabelecimento da região como um carrapato gruda em um cachorro. E seus efeitos são igualmente devastadores.
A escola que no passado já chegou a ter três mil alunos hoje conta com menos de 200 alunos matriculados. A queda vertiginosa não se dá por uma queda na qualidade de ensino, que continua referência, mas pelo medo de pais de alunos em levarem seus filhos a estudar num bairro que virou terra sem lei.
Nos últimos meses os governos estadual e municipal tem feito ações que diminuíram a presença de usuários de drogas no entorno da escola, entretanto parece que o socorro chegou tarde demais.
O Liceu Coração de Jesus, caso realmente encerre suas atividades no final deste ano letivo, terá sobrevivido ileso a duas revoluções, mas sucumbido a ineficiência do poder público em garantir o básico da segurança.
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