Após dias de trabalho incessante dos "spin doctors" do Palácio do Planalto, tudo parecia colocado para uma trégua temporária entre Jair Bolsonaro (PL) e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Por óbvio, a ausência do presidente na posse do titular do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas mais momentosas eleições brasileiras desde 1989 seria uma declaração aberta demais de guerra. Mas o terreno foi semeado para gerar acomodação.
Após meses de recrudescimento da retórica golpista, Bolsonaro foi brindado com algumas mesuras. Conversou com Moraes e seu vice no TSE, Ricardo Lewandowski, viu a corte aceitar alguns pedidos do insistente Ministério da Defesa na saída do então presidente Edson Fachin.
Mesa posta, o altamente simbólico evento de posse de Moraes no lugar de Fachin nesta terça (16) insinuava o que políticos fazem melhor: fingir que desavenças não são pessoais e que todos podem conversar.
É assim, mas com nuances. Dilma Rousseff (PT) sentou-se a dois ex-presidentes de distância daquele que chama de algoz, Michel Temer (MDB). Mais divertido para observadores, contudo, era o cenho franzido, quase transparecendo ódio, de Bolsonaro ao sentar-se à frente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mas Moraes manteve o cenário, com conversinhas laterais com o presidente a seu lado e sorrisos mútuos.
Salvo um jogo totalmente combinado, que escapou aos generais de terno que sombreiam o Planalto, o ministro do Supremo fez jus ao apelido que lhe é dado por amigos e desafetos: Kojak, uma referência jocosa ao implacável detetive de uma série de TV dos anos 1970 que envergava uma exuberante calva, assim como Moraes, de resto com forte ligação com o sistema policial paulista que já comandou.
Em 28 minutos de discurso, o novo presidente do TSE exibiu todo o arsenal a seu dispor: a defesa das urnas eletrônicas como pilar da funcionalidade institucional, a promessa de combate intransigente às fake news e a invocação dos princípios da democracia.
Em resumo, tudo o que Bolsonaro vem desprezando em sua campanha contra o sistema eleitoral, que deu uma amainada desde que ele pareceu recuperar-se lateralmente nas pesquisas eleitorais.
Após chamar de "cartinhas" os manifestos da sociedade civil e do empresariado em favor da democracia, mobilização da elite que importa do país, o presidente foi obrigado a ouvir uma admoestação serena de Moraes olhando o rosto de Lula à sua frente.
As ovações lembraram que uma boa parte da casta política não quer aventuras, embora a sinceridade do centrão presente seja discutível. Não que Bolsonaro pareça se importar do ponto de vista pessoal.
Antes do ministro, até o amigável procurador-geral Augusto Aras falou em respeito à soberania popular, e o presidente da OAB, Beto Simonetti, chegou perto de lembrar a plateia de que lado Bolsonaro se posicionou nos últimos anos.
Mas o show, como previsto, era de Moraes. Ao longo da condução do polêmico inquérito das fake news, não pelo objeto mas pela assertividade aplicada e o fato de que a vítima conduz a apuração, o agora titular do TSE mostrou-se duro e foi alvo de crítica até de aliados.
Terá trabalho pela frente, numa campanha que começou nesta terça com Lula chamando Bolsonaro de possuído pelo demônio (faltou dizer qual) e o presidente exibindo o combo religião-anticomunismo —ainda não se sabe a opinião do Cramulhão, dado que ele foi invocado pelo petista e pela primeira-dama Michelle, ora amuleto eleitoral, que via o Planalto "consagrado ao demônio" (novamente, qual?).
Seja como for, a linha no chão foi riscada, na frente do adversário presumido e acuado pelo ambiente.
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