terça-feira, 9 de agosto de 2022

Centro do Rio está abandonado até pelos golpistas, Alvaro Costa e Silva, FSP

 De volta à rua do Ouvidor, palco mais elegante daquela que fora a sua cidade, o fantasma de Machado de Assis horrorizou-se com "postes sem luz e montanhas de lixo, entre vitrines quebradas e bueiros sem tampa de onde brotavam ratazanas do tamanho de cães". Além da miséria, com pessoas vagando como zumbis e dormindo amontoadas nas calçadas, o escritor presenciou assassinatos e estupros. Tudo no Centro do Rio, "o lugar onde —assim como não se pode acender uma vela no vácuo— os seres humanos não conseguem conceber a ideia de Deus".

A ação de "A Vida Futura", de Sérgio Rodrigues —um romance raro, que consegue divertir mesmo tratando de "cousas" duras—, se desenrola em 2020, com a Covid em alta. Se fosse hoje não haveria diferença no panorama nem na desgraça. O Centro, região que mais sofreu com a pandemia, parece condenado a não recuperar a vida de antes.

Para se ter uma ideia, não há mais engarrafamentos na avenida Antônio Carlos, onde se levava até meia hora para atravessar o trecho em frente ao Fórum. É como se estivéssemos no meio de um cenário abandonado, com lojas fechadas e quase ninguém nos becos silenciosos. À noite e nos fins de semana, sem policiamento, andar por ali é um desafio de morte.

Idealizado pelo urbanista Washington Fajardo —que se desentendeu com Eduardo Paes e deixou a prefeitura—, o programa Reviver Centro completou um ano em julho e ninguém notou. Não há bulício de novos moradores ou barulho de trabalhadores; o supermercado que abriu na rua Sete de Setembro está às moscas. Os poucos camelôs, antes numerosos e em toda parte, concentram-se nas saídas do metrô, oferecendo mariolas e paçoquinhas.

Até a parada militar do Dia da Independência, que se realiza há décadas na avenida Presidente Vargas, foi desmoralizada por Bolsonaro, que quer levar os tanques fumacentos para a orla de Copacabana. Nem os golpistas querem o Centro.

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