Rodrigo Tavares
Poucos meses depois da eleição presidencial de 2002, o então primeiro-ministro de Portugal Durão Barroso visitou o Brasil e defendeu a necessidade de reforçar as relações econômicas e comerciais, além dos laços de amizade. Oito meses depois, já com a coroa de presidente, Lula desembarcou em Portugal com uma delegação de 60 empresários de diversos setores.
Esta coreografia é recorrente. Há pelo menos meio século que os dois países se alternam em iniciativas para fomentar o comércio bilateral. Assinam-se acordos comerciais. Chefes de governo soltam o verbo celebratório. Brotam as confederações, federações e associações comerciais. Organizam-se centenas de visitas, seminários e eventos empresariais.
O bailado vai-se eternizando de cúpula em cúpula, passando por processos de enfraquecimento e fortalecimento para se preservar. Mesmo sem público nem aplauso, resiste.
O fluxo comercial entre os dois países é limitado e quase invariável. Na última década, que coincidiu com a explosão do interesse de brasileiros por Portugal, as exportações brasileiras passaram de US$ 2,1 bilhões (em 2011) para apenas US$ 2,6 bilhões (em 2021), sendo a média nesse período de US$ 1,4 bilhão. Apenas 0,9% das exportações brasileiras têm como destino Portugal (dados do MDIC).
Verifica-se a mesma tendência nas importações, que atingiram US$ 840 milhões em 2011 e US$ 857 milhões em 2021. Portugal responde por apenas 0,4% das importações brasileiras.
É verdade que entre o final de 2021 e o primeiro semestre de 2022 houve um crescimento expressivo das exportações brasileiras, mas deve-se apenas ao aumento das vendas de petróleo, um fenômeno circunstancial.
Lê-se no luminoso livro "Arrancados da Terra", de Lira Neto, que a Companhia Geral do Comércio do Brasil, criada em 1649 no reinado de João 4º de Portugal, detinha a "exclusividade na exportação de produtos tipicamente portugueses, como azeite, vinho, cereais e bacalhau". Desde então o Brasil mudou. Portugal também. Mas as exportações portuguesas continuam baseadas nos mesmos produtos.
Entre os cinco mais exportados por Portugal para o Brasil, continuam a figurar o azeite (1º), o vinho (3º) e o bacalhau (4º). Sérgio Buarque de Holanda escreveu que entre os dois países existe um "um substrato unificador poderoso". Pelo menos no comércio, a perpetuação de um mesmo eixo é de fato um caso de estudo.
As razões talvez não sejam difíceis de inferir.
O Brasil, com muitos recursos naturais e mercado interno forte, é o país mais fechado do mundo, em relação a todos os países comparáveis, na área do comércio. Enquanto a Bélgica, por exemplo, comercializa 130% do seu PIB (e Portugal, 85%), a soma das exportações e importações no Brasil equivale a apenas 24% do PIB. Em todo o mundo só não fica atrás do Sudão e da Nigéria.
É uma herança do protecionismo tarifário e do intervencionismo estatal da ditadura militar. Atualmente, esta agenda de monopolização do mercado interno é liderada pelas maiores empresas brasileiras –todas elas doadoras de campanha e com influência no Planalto e no Bandeirantes.
Ainda assim, vários países têm conseguido superar os entraves. Entre nações europeias de dimensões comparáveis, o Brasil importa mais da Suécia, Áustria, Suíça ou Bélgica do que de Portugal.
Outra dificuldade: empresários portugueses sofrem de complexo de Jocasta, a personagem da mitologia grega que nutria um desejo obsessivo pelo filho. São acometidos por uma pré-disposição para acreditar que a língua e a cultura são comuns e que, por isso, existe um relacionamento histórico que gera um saldo de expetativas positivas. Acreditando que partem de uma posição competitiva vantajosa, é difícil para eles reprimir o impulso para a grande ambição e a pequena altivez.
Só que a prática prova o contrário. O empresariado brasileiro é muito competitivo e sofisticado e não recebe forasteiros de braços abertos, apesar do clima sempre hospitaleiro e fraterno. Como reza a letra do primeiro hino brasileiro de 1831, "Homens bárbaros / gerados de sangue judaico e mouro / desenganai-vos: a pátria / já não é vosso tesouro".
Além disso, muitos empresários portugueses desconhecem o seu nível de desconhecimento sobre o Brasil, um país espinhento, melindroso e escarpado do ponto de vista tributário, logístico, político e jurídico. Entre 190 países, é o 124º onde é mais difícil fazer negócios (dados do Banco Mundial).
Em declarações à coluna, um alto funcionário da Aicep (a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), com conhecimento profundo da realidade brasileira, alerta ainda para outras particularidades, como a rigidez do mercado laboral, a infraestrutura ineficiente e precária ou a complexidade e diversidade de licenças e registros junto de instituições como Anvisa, Ministério da Agricultura ou Inmetro.
Para ajudar a ultrapassar estes problemas estruturais e culturais, era esperado que as infraestruturas públicas de apoio fossem robustas. Mas não são. As embaixadas e consulados de Portugal e Brasil, juntamente com as delegações da Aicep e da ApexBrasil, têm uma atuação limitada e analógica, quando comparada com outros países de porte semelhante.
A poucas semanas de celebrarmos os 200 anos da independência do Brasil, precisamos pensar criativamente sobre os entraves ao comércio bilateral. O presidente de Portugal já deve ter tido muitas oportunidades de refletir sobre o assunto. Desde que assumiu o poder em 2016, já visitou o Brasil espantosas cinco vezes, tendo já confirmado uma nova visita para setembro. Um recorde. Mas os agrados não têm sido correspondidos.
No mesmo período, nenhum presidente brasileiro realizou uma visita oficial a Portugal. Apenas Michel Temer (MDB), por duas vezes, passou algumas horas em Lisboa, em 2017. Outro recorde.
Mas no 7 de setembro, o discurso do presidente de Portugal celebrará os eternos laços de amizade fraterna entre os dois países. E, tal como fizeram todos os seus antecessores, defenderá a necessidade de fortalecer o comércio bilateral.
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