terça-feira, 9 de agosto de 2022

JOÃO SANTANA - Congresso irresponsável, FSP

 João Santana

Advogado e sócio da Lato Capital, foi secretário da Administração Federal (mar.1990-mai.1991) e ministro da Infraestrutura (mai.1991-mai.1992; governo Collor); é autor de ‘O Estado a que Chegamos’ (editora Alta Cult)

O senso comum considera que no parlamentarismo o Legislativo fica mais forte e o Executivo, enfraquecido. Na verdade, o que acontece é a fusão de competências em um só Poder —o que fortalece a capacidade de execução e, consequentemente, a ação executiva do Estado.

O governo parlamentar é responsável pelas contas públicas. Se o Orçamento votado não for aplicado de acordo com a lei e com as regras de gestão pública, o parlamentar que eventualmente representa uma maioria que está no governo responderá pelos malfeitos. O desvio de finalidade de verbas públicas ou a corrupção, por exemplo, podem se converter na desgraça política não só do ministro de plantão como de todo o seu partido.

No Brasil estamos vendo um Parlamento com poder, mas sem qualquer responsabilidade sobre a aplicação das verbas públicas.

O Legislativo alterou a norma constitucional e passou a emendar o Orçamento verticalmente —não horizontalmente, como antes. Agora o parlamentar pode incluir despesas de seu interesse diretamente, sem qualquer avaliação de prioridade ou de necessidade.

Pela sistemática criada pelos constituintes de 1988, o Executivo elabora o Orçamento e o encaminha ao Congresso. Os parlamentares podiam emendá-lo ou mesmo alterá-lo antes da aprovação. Mas nenhum tinha o poder de criar despesas e de decidir quem se beneficiaria delas.

O Legislativo podia decidir que parte das verbas discricionárias seria destinada, por exemplo, à criação de um programa para a motorização de municípios. Mas não podia dizer qual município seria beneficiado. Essa tarefa era do Executivo, que estabeleceria as regras de execução do programa.

A partir da PEC 86, de 2015, o Congresso foi além de seu poder reformador. Contrariou o estabelecido pela Assembleia Constituinte e criou um mecanismo impositivo, que concede verbas a uma prefeitura ou entidade escolhida por ele.

A despesa criada pelo parlamentar pode até ser meritória, mas da maneira como está contraria o princípio da responsabilidade da execução. O Legislativo é, por meio de seu órgão auxiliar, o Tribunal de Contas da União, quem fiscaliza a execução do Orçamento. Ao restringir o emprego da verba pública a um objeto específico, e não à construção de programas, compromete a eficiência e a eficácia da Lei Orçamentária e interfere em competência específica do Poder Executivo.

O Congresso acha que tudo ou quase tudo que prevê a Constituição de 1988 pode ser alterado: basta ter por duas vezes maioria em votações no Senado e na Câmara. O Judiciário, apesar de algumas ações dirigidas e questionadoras do alcance das emendas, preferiu o silêncio.

Com o avanço do Legislativo sobre ações de governo, o que temos é, na prática, um regime parlamentarista sem qualquer responsabilidade fiscal. O Orçamento, com as emendas individuais, de bancada e de relator, cria despesas não previstas, a serem executadas obrigatoriamente. Mas, no final, quem responderá por estas perante os órgãos de controle será o Executivo. Se houver algum problema será este —não o parlamentar que criou a despesa— o responsável pela ilegalidade. Ou seja, ele ficará com as cascas, e o parlamentar, com a glória e as batatas.

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