Na agitada temporada teatral do verão boreal, houve três montagens de "Ricardo 3º", de William Shakespeare. A britânica Royal Shakespeare Company escalou um ator com deficiência física para interpretar o monarca "deformado"; na produção do festival Stratford, em Ontário, Canadá, o papel de protagonista coube a um homem branco sem deficiência; e, na montagem nova-iorquina do Free Shakespeare in the Park, a uma mulher negra. Quem tem razão? Papéis de personagens com claras distinções raciais, de orientação sexual ou com características físicas bem definidas devem ser reservados para atores com esses mesmos traços?
Essa é uma tendência que vem ganhando corpo. Não é incomum gays exigirem que apenas atores gays façam personagens gays. Judeus criticaram uma produção israelense por ter escolhido uma atriz não judia para fazer Golda Meir num filme. No Brasil, uma atriz negra teve de desistir de interpretar Ivone Lara num musical porque militantes alegaram que sua pele não era escura o bastante para esse papel.
Não me convencem. Uma definição de ator é a de alguém que finge ser uma pessoa que não é. Isso significa que homens podem fazer o papel de mulheres; mulheres, o de homens; gays, o de héteros; héteros, o de gays; e todas as combinações imagináveis. Negar isso é negar a essência da ideia de interpretação.
A conclusão que extraio daí é que toda exigência é descabida. Diretores e produtores, assim como autores, são livres para fazer o que bem entenderem. Numa montagem de inspiração mais naturalista, os atores e figurantes de "Ricardo 3º" seguirão a demografia da corte inglesa do final do século 15, isto é, brancos. Já um diretor interessado em questionar as estratificações sociais pode perfeitamente escalar apenas intérpretes negros.
Creio que o quadro é parecido com o das religiões. Todo mundo é livre para ter uma, mas é errado tentar impor a sua aos demais.
helio@uol.com.br
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