Claudio de Moura Castro, O Estado de S.Paulo
07 de agosto de 2022 | 03h00
Pesquisadores de primeira linha concordam, o método científico é uma das maiores conquistas da humanidade, considerando os benefícios trazidos pela ciência. E defendemos, aqui, a tese de que oferece também uma orientação preciosa para lidar com assuntos do nosso cotidiano, até nas conversas sérias de botequim, sendo mesmo uma vacina anti-fake news. Contudo, nesse uso as regras são diferentes.
Talvez o impacto mais poderoso do método seja a cumulatividade que adquire a ciência que por ele se pauta. Ou seja, se pesquiso hoje uma tese nova, não tenho de refazer todo o conhecimento que a precedeu. Tomo as pesquisas sérias como sendo a melhor aproximação da verdade. Cada cientista põe o seu tijolinho nessa construção – alguns gênios põem um tijolão.
Os resultados dos meus antecessores merecem confiança, sempre que se cumpriram as fastidiosas exigências do método científico. Se há amostras, sua seleção foi judiciosa. Os dados merecem confiança e foram tratados corretamente. E por aí vai. No fundo, permitem a qualquer um repetir os procedimentos usados. E, se isso for feito, os resultados seriam os mesmos, pois a natureza pode ser fugidia, mas não é desonesta.
Aleluia! Cumprida essa liturgia metodológica, alguma coisa quase mágica acontece com a pesquisa. Se meus leitores não conseguem encontrar falhas, omissões ou enganos nos meus procedimentos, o método científico os proíbe de discordar dos meus resultados. Checam-se os processos. Não se encontraram falhas? Então, os resultados têm de ser engolidos, mesmo a contragosto.
Na prática, os dados podem ser imperfeitos, simplificamos demais os procedimentos ou deixamos de incluir fatores potencialmente relevantes. Daí aparecerem resultados conflitantes ou contraditórios. Cada cientista furiosamente defende as suas teses e o campo parece caótico. É assim mesmo.
Para alguns defensores da ivermectina, é preciso tomá-la logo que aparecem sintomas. Mas, nessas horas iniciais, é impossível gerar um grupo de controle aleatório para receber o placebo. Sendo assim, é dificílimo conduzir pesquisas “padrão ouro” testando a eficácia desse uso. As que têm placebo são de pacientes já hospitalizados. Permanecemos num limbo inconclusivo.
Porém, com a acumulação de estudos, começam a emergir os consensos em quase todos os campos. Assim caminha a ciência.
Se o método científico revelou-se tão potente, deve ser também útil para os assuntos controvertidos que lemos nos jornais. De fato, mas há uma grande diferença.
A ciência de hoje se tornou muito especializada. Tenho um doutorado em Economia. Mas apenas entendo uns poucos papers da mais recente American Economic Review. Portanto, não podemos esperar do público que consulte fontes incompreensíveis até para cientistas da mesma área. O caminho é outro.
Para o método científico clássico, não interessam o autor, suas crenças, onde publicou e tudo o mais. A proposição científica não se apoia em reputações. O Nobel de Linus Pauling não o protegeu de seu engano quanto à vitamina C. E um médico de roça demonstrou que antibiótico cura úlcera, ao arrepio das prima-donas da época. Porém, se dentro das subáreas da nossa profissão já não entendemos tanto, a receita não serve para um leigo no assunto, como somos todos, afora em alguns poucos campos do conhecimento.
No nosso cotidiano, temos de formar opinião sobre múltiplos assuntos. Alguns são sobre valores ou ideologia, no que a ciência nada tem a dizer. Há os que não justificam gastar tempo. Em outros, não alcança nosso conhecimento técnico. E não queremos ser enganados por fake news. Nesses últimos dois casos, a ciência ajuda, mas o jeito de chegar a ela é diferente.
Se nos falta fôlego ou conhecimento para avaliar as abundantes pesquisas, temos de escolher criteriosamente os cientistas que vão fazer isso para nós. Qual a sua formação? Como é visto nos meios científicos? Publicou em periódicos de sólida reputação? Anda na contramão de outros cientistas respeitados que lidam com o mesmo tema? Que bibliografia citam? Prêmio Nobel de Literatura falando de DNA recombinante não merece credibilidade. E por aí afora. Claro, ouvir leigos é erro primário.
Anthony Fauci merece menos créditos pela sua posição no governo americano do que por ser o 12.º americano mais citado em publicações científicas afins. É óbvio, ele pode errar e já errou. Mas temos de fazer nossas apostas. Em contraste, nosso Congresso longamente ouviu um “consagrado perito” em questões de meio ambiente. Porém, ao examinar seu currículo, revelou-se que suas pouquíssimas publicações em revistas científicas sérias eram sobre outro assunto.
É isto, diante de um problema, se não temos condições de avaliar o que diz a ciência, temos de escolher cuidadosamente quem o faça para nós. Ou seja, avaliamos a credibilidade das pessoas, e não dos estudos. Um bom começo é consultar os jornais e revistas mais respeitados por sua cobertura científica. E, quando cientistas respeitados discordam, o melhor que podemos fazer é suspender julgamento. É estultice pontificar.
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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO
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